Wednesday, February 14, 2007

De Mim

Foto by: Alyne Costa



De Mim

Uma serpente me incomoda a noite
Dançando dentro de mim
Um baile atônito
Entrelaçada entre minhas feridas
Degusta minhas entranhas e me faz mansa
Assobia os meus segredos aos quatros cantos
Revira todos os meus mundos
Intestinos, gota, apêndice
Lustra o sótão da minha alma
Me desnuda sobre estradas e avenidas
Me traz lembranças, ira...
Soterra meu ego e me mostra crua
Uma serpente dança um tango argentino
Pisa de salto nas minhas angústias
Me atira facas
Me oferece maçãs
Ri das minhas preces
E depois ganha asas e voa
Me sobro em várias
Desmascarada e histérica
De quantas faces são feitos meus sonhos?
Quantos caminhos para os meus ais?
Uma moto passa...
Um trem-de-ferro apita...
Uma fumaça bruma a cidade.
Nua em frente ao espelho
Eu quase sou
Eu quase vou
Quase serpente
Quase em frente
Eu quase esqueci –
De mim!

Alyne Costa

Brumado, 14 de fevereiro de 2007

Friday, February 09, 2007

Sobre Flores...

Foto by: Alyne Costa
Frase de Caminhão pinchada no muro do cemitério de Brumado
"Até as flores dependem de sorte, umas enfeitam a vida outras enfeitam a morte."


A poesia não escolhe hora pra nascer.
Pode brotar de uma esquina entre uma dúvida minha e sua.


Numa frase de caminhão, de ré, na contramão...
Num atrito, feito cacto...
Num muro de cemitério.
Porta de banheiro.
Mas ganha ares de flor e asas de anjo.
Voa entre o medo e a esperança.
Poesia é anúncio de alma.
É flor pro mundo áspero do mistério que ronda:
A vida e a morte.
Alyne Costa
9/02/07

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Alphonsus de Guimaraens

Flor de Plástico e Seu Intinerário

Elas não têm aroma
Não morrem, nem vivem
Pousam.
Dotadas de uma impáfia,
uma indiferença
Voluptuosas...
Fazem pouco caso de tudo.
Das horas que passam
Dos versos que eu faço
Das moscas que transitam entre suas pétalas
São umas dondocas
Peruas maquiladas
Esnobes e cretinas
Não são minhas
Não são de ninguém
Coisa sem dono
Res nullus
Nenhum anjo lhes guarda
Nenhum cão lhes ladra
Solitárias e bossais
Industrializadas e bestiais
Camufladas
Não criam rugas
Não caem-lhe as hastes
Obscenas e inférteis
E viverão mais que eu...
Tão antipáticas, que não lhes atiro ao lixo por pena do vaso!

Alyne Costa
Igaporã, inverno de 2003

Thursday, February 08, 2007

Brincadeira com Barro


Havia um tempo em que brincávamos com barro. Quando a chuva deixava úmida a terra era uma festa. O barro era colhido com as mãos em barrancos. Haviam vários barrancos que disputávamos. Os meninos que tinham coragem e liberdade de ir mais longe traziam em suas mãos o barro de melhor qualidade, sem mato, sem tocos de madeira e faziam cavalinhos, boizinhos e carrinhos-de-boi.
As meninas faziam panelinhas. E nosso barranco preferido era o da casa de Maria “Três Saias” ou Lia, para os íntimos, os que a queriam bem e os “filantrópicos” que lhe davam alguma assistência.
A casa de Lia – eu queria bem – ficava na antiga Rua do Pontaleite e era um pouco recuada. Diziam que a velha era feiticeira. Costumava espiar a casa dela quando deixava uma gretinha da porta aberta. Havia muito mulambo, papel e uma escuridão terrível.
Lia fazia café toda manhã na casa de Dona Júlia, levava o pó, o açúcar e o bule. Sempre usava saias, por isso o apelido de “três saias”. Se eram três, nunca contei.
Mas Lia nunca cismou quando arracávamos o barro do barranco em frente à sua casa e sentávamos numa calçada ali perto, horas a fio, amassando, modelando e permitindo ao nosso reino infantil massagear os sonhos das panelinhas de barro.
Também ali perto havia um pé de quiabento. O quiabento é uma planta repleta de espinhos e com folhas porosas. O contato do espinho com as folhas nos permitia traçar desenhos. E as colchinhas de quiabento, como chamávamos as folhas riscadas de espinhos, era outro entretenimento em que ocupávamos as mãos. Por mais anti-ecológica que fosse a brincadeira, afinal arrancávamos as folhas das plantas e seus espinhos para a manufatura, era uma brincadeira que permitia um processo espontâneo de criação. As folhinhas depois de bordadas era jogadas ao léu. E outra brincadeira começava.
Com caquinhos de vidro que encontrávamos nos quintais e terreiros, criávamos verdadeiros banquetes. A comidinha era matinho verde, sementinhas e pedrinhas. E assim de mãos sujas e alma lavada estruturávamos nossas personalidades. Criança tem que pegar na terra, pisar no chão, cair, se sujar, se lambuzar e crescer assim manipulando, criando, tecendo, pintando e bordando.
Quando faltava luz, com as meninas mais velhas, fazíamos grandes rodas e cantarolando os hinos de nossa infância, embalávamos aqueles que anoiteciam. Os velhinhos de bengala, as moças casadoiras que pela praça passeavam e o homens da boa prosa na esquina.
Os meninos com papel de maço de cigarro faziam dinheiro. E assim compravam gado, mercadorias, tornavam-se muito ricos e escolhiam moças com quem casar. Eles também, os mais abastados, possuíam caminhõezinhos de madeira que dirigiam com destreza pela calçada talvez querendo exibir seu status quo. Impressionar mesmo. Ou sugestionar, que importa?
De vem em quando a brincadeira misturava meninos e meninas e aí era uma festa enorme. Era um tal de mãe chamar as mais velhas, já começando os namoros e assim surgiram os primeiros amores. Afetos que não passavam de sonhos.... Mas era assim, num tempo em que a gente era feliz.

Brumado, 8 de fevereiro de 2007