Thursday, October 25, 2007

Entre o Toblerone e a Gravata

Gravura retira do site: http://www.dfonline.com.br/gravata.htm Meninos que usam gravatas, favor conferir. Meninas que dão nó em pingo de éter: vale a pena conferir!



Quando o desencanto chega você procura algo mais...
Um sabor novo, algo em que você confie e se entregue, uma mão que você aperte e sinta, são mãos como as minhas, fibras da vida!
Com as pessoas cujas mãos confio costumo brincar:
-Aperte minhas mãos, elas tocaram as mãos de Irmã Dulce!
Irmã Dulce para mim era de uma docilidade incrível e não foi por pouca razão que viveu tanto. Viveu da entrega, da doação, do amor incondicional ao próximo, assim como Madre Tereza e Chico Xavier. Vida é missão.
Eu não sou santa, nem um pingo! Na hora da raiva rogo praga mesmo!
Outro dia ao elogiar a gravata de um colega, outro colega falou:“_ Meu Deus, que falsidade!”
Bem, a gravata era de fato bonita.
Mas me deu vontade agora de discorrer sobre falsidade.
Ah... Que delícia!
Esta semana conversando com uma mulher gloriosa chegamos por acaso a uma canção:
“Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito, ainda mora... Lá de fora porque sei que a falsidade não vigora...”
Canção linda, versos guardados da infância e ela ao se despedir me disse:
“Até algum dia em que a falsidade não vigora!”
Pois bem...
Falsidade...
Eu sou tão explosiva! Falo abobrinhas, mando ir à merda, chamo de chato na cara e se elogio uma gravata e porque não havia encontrado nada de belo na alma para elogiar por um fato simples: vivo de observar almas, nuances, suspiros, dissimulações do olhar e sorrisos...
Só mesmo quem não treme, quem não cora, quem não explode em raiva, quem não se derrama em lágrimas, escondidas ou não, conseguem ser artistas na dissimulação.
Só acredito nos que coram, nos que se envergonham e nos que choram.
Dissimular deve dar um trabalho... Eu não sou tão inexperiente assim... Fiz teatro na adolescência e se preciso represento, ah, mas fingir sentimento é um atentado à minha personalidade. Sou assim: Amo todo mundo de cara, confio inteira, me entrego de alma, mas quando o cristal quebra, canto como o Guilherme Arantes:
“Bye, bye, so long, forever, adeus também foi feito pra se dizer…”
Com tanto cristal no mundo para que lapidarmos os que se quebram?
Com tanta gente no mundo de coração puro, de alma leve, de sorrisos brandos e de coração mole para que unir força, desperdiçar talento e atenção aos que se foram por opção.
Vida é reciclar: talento e sentimento.
A mais forte ignorância é a sentimental. Quem não sente, não pensa. Quem não pensa não cria. Quem não cria não vive.
E, assim, entre a gravata e o Toblerone, eu opto pelo Toblerone...
Falsa? Jamais...
Insubordinada, sempre!
Ainda bem que mulheres gloriosas não usam gravatas!





Alyne Costa


Cafundó, 25 de outubro de 2007

Monday, October 22, 2007

Enquanto as Velhinhas Rezam o Terço

Foto: Rosário by: Alyne Costa



Enquanto as velhinhas rezam o terço, a tardinha cai divinamente nesta esperança que seus olhos têm entre uma e outra ladainha.E a dor que elas aprenderam a domar, com o tempo se esconde atrás das cortinas, dos crucifixos ornados que ocultam o martírio daquele homem morto pelo próprio homem.Elas emudecem o sofrimento na luz das velas acesas nos castiçais e que choram por elas em suas parafinas. E nem se dão conta do bailar das salamandras.E em diferentes cantos das casas se erguem oratórios, sagrados corações - de Jesus, de Maria e os delas mesmas - imaculados por um só monossílabo: Fé.Um marido morto, um filho perdido, pra vida ou pro vício, um parente doente, uma dorzinha incômoda, de corpo ou de alma e eis mais uma novena, uma eucaristia, um jejum, uma missa e uma promessa.Enquanto os dedinhos enrugados das velhinhas perpassam as continhas dos terços, os dias, os meses e os anos se passam, atravessando o tempo como galope de uma oração. Inexorável, alheio, por vezes cruel...No final pouco importa a graça alcançada ou não, a saúde recuperada, a missa rezada. Recomeçam o ritual com seus vestidinhos de casimira... As mãozinhas deslizando pelo rosário, ora descançam sobre as alvas toalhas bordadas. Alvinhas como a esperança, tão sutil e sabidamente guardada em seus corações como uma ave-maria.Qualquer tristeza se esconde e elas apenas aguardam com resignação. O que esperam? Uma visita de filho ou de comadre. A chegada da prima distante. A cura. A graça. O findar da vida.Enquanto as velhinhas rezam o terço, os olhos parados dos porta-retratos parecem sorrir. E, de vez em quando, elas fecham os olhos e suspiram um alívio ao fim de um mistério. E dormem tranquilinhas enquanto ninguém desvenda o irrelutável mistério da vida. Para este os anjos em seus sonhos tocam harpas e entoam salmos.



Alyne Roberta Neves Costa
28/12/2005

Sunday, October 21, 2007

Um Cara Chamado Che!


Por um certo tempo eu li sobre a vida e a história deste cara.

Algumas pessoas fizeram a vida valer a pena...

Para Ele minha homenagem e para tudo que um dia sonhei...



Breve meditação sobre um retrato de Che Guevara

José Saramago


*Não importa que retrato. Qualquer um: sério, sorrindo, arma em punho, com Fidel ou sem Fidel, dizendo um discurso nas Nações Unidas, ou morto, com o dorso nú e olhos entreabertos, como se do outro lado da vida ainda quisera acompanhar o rastro do mundo que teve que deixar, como se não se resignasse a ignorar para sempre os caminhos das infinitas criaturas que estavam por nascer. Sobre cada uma dessas imagens se poderia reflexionar profundamente, de um modo lírico ou de um modo dramático, com a objetividade prosaica do historiador ou simplesmente de alguém que se dispõe a falar do amigo que descobre haver perdido porque não o chegou a conhecer.Ao Portugal infeliz e amordaçado de Salazar e de Caetano chegou um dia o retrato clandestino de Ernesto Che Guevara, o mais célebre de todos, aquele feito com manchas fortes de negro e vermelho, que se converteu na imagem universal dos sonhos revolucionários do mundo, promessa de vitórias a tal ponto fertéis que nunca poderiam se degenerar em rotinas nem em exepcismos, antes dariam lugar a outros muitos triunfos, o do bem sobre o mal, o do justo sobre o inícuo, o da liberdade sobre a necessidade. Emoldurado ou fixo na parede por meios precários, esse retrato esteve presente em debates políticos apaixonados na terra portuguesa, exaltou argumentos, atenuou desânimos, namorou esperanças. Foi visto como um Cristo que havia descido da cruz para descrucificar a humanidade, como um ser dotado de poderes absolutos que fosse capaz de extrair de uma pedra a água na qual se mataria toda a sede, e de transformar essa mesma água no vinho com que se beberia o esplendor da vida. E tudo isto era certo porque o retrato de Che Guevara foi, aos olhos de milhões de pessoas, o retrato da dignidade suprema do ser humano.Mas foi também usado como adorno incongruente em muitas casas da pequena e da média burguesia intelectual portuguesa, para cujos integrantes as ideologias políticas de afirmação socialista não passavam de um mero capricho conjuntural, forma supostamente arriscada de ocupar ócios mentais, frivolidade mundana que não pôde resistir ao primeiro choque da realidade, quando os fatos vieram exigir o cumprimento das palavras. Então, o retrato do Che Guevara, testemunha, primeiro, de tantos inflamados anúncios de compromisso e ação futura, juiz, agora, do medo encoberto, da renúncia covarde ou da traição aberta, foi retirado das paredes, escondido, na melhor das hipóteses, no fundo de um armário, ou radicalmente destruído, como se fosse motivo de vergonha.Uma das lições políticas mais instrutivas, nos tempos de hoje, seria saber o que pensavam de si mesmos esses milhares e milhares de homens e mulheres que em todo o mundo tiveram algum dia o retrato de Che Guevara na cabeceira da cama, ou na frente da mesa de trabalho, ou na sala onde recebiam os amigos, e que agora sorriem por haver acreditado ou fingido crer. Alguns diriam que a vida mudou, que Che Guevara, ao perder sua guerra, fez perder a nossa, e por tanto era inútil chorar, como uma criança que chora pelo leite derramado. Outros confessariam que se deixaram envolver por uma moda da época, a mesma que fez crescer barbas e cabelos, como se a revolução fosse uma questão de barbeiros. Os mais honestos reconheceriam que lhes dói o coração, que sentem em um movimento perpétuo de um remordimento, como se sua verdadeira vida houvesse suspendido o curso e agora lhes perguntasse, obsessivamente, aonde pensam que vão sem ideais nem esperança, sem uma idéia de futuro que dê algum sentido ao presente. Che Guevara, se assim pode dizer, já existia antes de ter nascido.Che Guevara, se assim pode afirmar, continua existindo depois de morto. Porque Che Guevara é somente o outro nome do que há de mais justo e digno no espírito humano. O que devemos despertar para conhecer e conhecemos, para agregar o passo humilde de cada um ao caminho de todos.

José Saramago é escritor, Premio Nobel de Literatura.

Sunday, October 14, 2007

Caravana de Sonhos

Pigg retirado do site: http://pcdec.sites.uol.com.br/


Haverá um tempo em que as pessoas não mais usarão sobrenomes.
Sua identificação civil na será substituída por barras de indicação, pois serão ressuscitadas algumas expressões como: Amor, Bem Querer, Meu Bem, Meu cheiro, Catita, Dengosa... E todo mundo vai se chamar feito namorado e namorada e este idioma não se transformará em nenhuma babel.
Amanhecerá um dia em que as crianças, entre si, trocarão seus brinquedos como se estes fossem sonhos. E as lojas de brinquedo deixarão de ser lojas e se tornarão reinos. As grandes fábricas não serão fechadas, serão anualmente premiadas como máquinas de ensinar a sonhar.
Será instituído por lei que toda criança até os 12 anos de idade precisará ver ao menos três vezes o filme: “A Maravlihosa Fábrica de Chocolate”. Para que possam acreditar para sempre que sonhos não têm limites!
Amanhecerá um tempo em que as cidades tornarão peças de museu os seus semáforos porque as ruas serão invadidas por inúmeras bicicletas coloridas, veiculadas por pessoas que residem perto de seus trabalhos... E as famílias terão mais tempo para curtir este ser família, para andar sem medo por lindas praças em que pássaros voarão livres e policiais comerão algodão-doces, com sorrisos de bombeiros.
Haverá um tempo em que escolas estarão abertas a todos que querem ensinar e aprender... Em que as aulas, quando necessárias, serão ministradas em grandes parques por professores-maestros que ensinam a compor e criar, em qualquer ciência, e assistidas por alunos cujos olhos brilham com a sutil delícia da perplexidade. E ninguém mais precisará pagar por qualquer ensino porque no fundo todos compreenderão que ninguém mais precisa saber que “saber” não se compra, nem vende.
Haverá um tempo em que as pessoas não mais perguntarão umas às outras-De onde você é?
Porque todos se considerarão cidadãos da Terra.
O bairrismo deixará de ser uma forma velada de preconceito e todo mundo será feliz por não pertencer a nenhum lugar pré-estabelecido.
Seremos humanistas, antes de patriotas e as fronteiras trocarão os tanques bélicospor imensas cercas de flores...
E a todos será prazeroso partir e chegar, por trocar culturas, linguagens, crenças e esperanças.
Haverá um dia em que mais ninguém será discriminado por sua fé. Da beleza do batuque do candomblé, dos rituais católicos, da solidariedade e perseverança dos testemunhas de Jeová, brotará a Paz. E, numa imensa ciranda, homens de todas as crenças se darão as mãos.
Amanhecerá um dia em que todas as flores se abrirão... A violência cederá lugar à irreverência. As portas, todas elas, dormirão abertas... E os anjos em revoada transformarão lágrimas em risos.

“”Na esperança de que também a própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para liberdade e glória dos filhos de Deus.” (Romanos, 8:21)


Alyne Costa

Brumado, 11 de outubro de 2007

Thursday, October 11, 2007

As Pessoas Mentem


Pigg retirado do Blog: http://bibiloni.cat/blog/?p=225


Hoje escrevi um texto bonito sobre esperança, sonho de ver semáforos apena em museus e o mundo colorido por inúmeras bicicletas em lugar de automóveis, quando os homens acordaram e perceberam que além de não poluir, elas conduzem e são muito, muito mais divertidas...


Mas o texto que atormenta minha alma é outro, fala sobre mentiras e confiança.


Semana passada, comendo uma pizza com um casal de amigos, um deles me disse:

"O amor tá acabando..."


Aquela frase soou em meus ouvidos como verdade e daquelas que machucam...


Lembrei de minha prima Sylvia. Fomos criadas tão distantes, mas somos tão parecidas, na genética, no signo, na ironia, até no tortinho do dedinho da mão. Mas em nossos encontros tão raros, ela com sua genialidade e sensibilidade me ensinou tanto. Por incrível que pareça, me apresentou Nelson Rodrigues....


Em uma noite ao visitarmos uma exposição eu tremia. E ela, com todo seu conhecimento científico foi branda:

"Você treme porque não comeu e aqui está frio..."


Saimos da sala fria e fomos para outra, bem quente, porque o artista estava expondo um trabalho feito com dendê e luz. Claro que o artista merece ser citado, um gênio, Ayrson Heráclito.


Dendê, calor, seja o que for, eu parei de tremer...


Eu estava numa fase magérrima. Devia pesar menos de 40 kg e um cidadão com uma câmara resolveu me fotografar.


Complexadíssima com minha magreza fui altamente mal educada e perguntei ao fotógrafo:

"Você me conhece?"


Ao que ele, vestindo um olhar de tristeza, apenas me respondeu:


"Pero que si, pero que no."


E eu fiquei com essa engasgada pro resto da minha vida.


Pero que si, pero que no...


E mais tarde, conversando com minha prima sobre determinado marchand, afirmei veemente:


-Um amigo me disse que esse cara é um canalha, um tremendo oportunista e que é envlvido em coisas muito suspeitas.


Minha prima, com sua serenidade genial, sua excêntricidade prima-irmã da minha e sua doçura face à minha ingenuidade, apenas me disse:


-Alyne, as pessoas mentem.


Aquela frase não tocou minha mente, tocou meu coração porque eu sempre fui uma crente fiel no que as pessoas me diziam...


Acreditava em tudo e em todos.


Com essa frase eu passei a desconfiar dos raivosos e dos invejosos, mentem por obstinação.


Mais tarde eu passei a duvidar de manchetes, revistas e noticiários: mentem pra formar opinião.


Mas é tão doloroso quando você se observa desconfiando daqueles que ama, daqueles com quem divide a vida...


É tão mais macio, mais leve, acreditar na mentira e, ao mesmo tempo, não enfrentar a verdade é covardia, é abrir mão de amadurecer e ter que se armar justamente contra pessoas que você jamais quereria depor armas, escudos e espadas.


Mas, triste... Assim é: As pessoas mentem!


O último contato que mantive com minha prima que amo e respeito tanto foi na véspera de Natal, falamos sobre política, sobre seus pais que eu quero muito bem, sobre ela e o marido e eu lhe fiz uma pergunta que sempre faço:


-A cura da AIDS está próxima?


Ela, sensivel, poeta, amável e cientista apenas me respondeu:


-Não, continue usando camisinha!


E nas minhas vivências diárias, eu sempre sonhadora, insisto em dar um crédito às pessoas, em dar um voto de confiança, em acreditar porque não sei qual a razão, mas eu acho mesmo que as pessoas são humanistas, são verdadeiras, inteiras no que fazem.


E, sinceramente, eu acho bem mais fácil lidar com a verdade, você não corre os riscos da contradição e desmentir, enrolar, ludibriar tira tanta energia...


Mas volta e meia a frase de minha prima, cai pesada e verdadeira sobre meu coração:


As pessoas mentem.


Difícil, doloroso, triste é selecionar em quem acreditar.


E enquanto isso, o Vasco vence de 2x0 e o São Paulo de 1x0.


As pessoas vão viajar na véspera de mais um feriado.


O então presidente do Senado pede para sair, talvez porque como ele, as pessoas mentem.


Você se lembra de Clara Nunes e do dia 12 de outubro, do "manto azul da padroeira do Brasil", Nossa Senhora Aparecida.


Seu filho tem febre e você cuida.


Seu amigo mais presente diz que sente dores e você recomenda um médico.


Enquanto estréia o aprendizado da desconfiança pelo simples fato de que:


As pessoas mentem! E, lamentavelmente, não permanecem crianças.






Alyne Costa


Brumado, 11 de outubro de 2007

Sunday, October 07, 2007

A Cor


A cor da fita é o laço

A cor do tênis: passo

A cor da vida é o destino

A cor do homem: menino

A cor do dia é o apreço

A cor da morte: endereço

A cor do orgasmo é a fonte

A cor do sol: horizonte

A cor da meretriz é a rua

A cor da melodia: aleluia

A cor do vermelho é a maçã

A cor da cura: romã

A cor do sorriso é o bis

A cor da bailarina: atriz

A cor do desejo é o sexo

A cor do sentido: nexo

A cor da letra é a canção

A cor do acorde: violão

A cor do som é a certeza

A cor da mão: destreza

A cor da abelha é o mel

A cor do idioma: babel

A cor da lágrima é o sal

A cor da pele: sinal

A cor da razão é a verdade

A cor do carinho: amizade

A cor da tristeza é a dor

A cor do arco-íris: Amor.


Alyne Costa

Salvador, janeiro de 2005

Para Gabriel, o poeta tímido (Barralino)

Ritos

Corpus Christi-Farmácia de Dona (Igaporã-Ba)



Teço tranças e rasgo fios


Vejo luas e rabisco navios


Febres


Odores


Calafrios


E se me calo, verbos flutuam


No parapeito do que hei de ser


Pertenço a qualquer lugar que me comporte


Minh`alma é crespa


Cultuo vendavais de toda sorte


Tensa


Suturo incertezas de um destino que rompe tardes


Arde


Atritos sobre o magma adormecido de um vulcão


Vertente


Poesia é o meu espelho oculto em erupção.





Alyne Costa


Salvador, setembro de 2004

Friday, October 05, 2007

Uma Pequena Flor


Hoje eu cometi uma pequena loucura... Minhas finanças não estão 100% em ordem e eu fiz uma loucura, eu me dei um presente.
Na verdade, minhas finanças dificilmente um dia vão estar em ordem, porque se algum dia eu ganhar muito, eu vou gastar muito, eu vou fazer caridade, eu vou dar presentes para pessoas que não costumam receber presentes. Eu vou me proporcionar um prazer de convidar a um restaurante muito bom uma celebridade da mendicância como o Roberto Bittencourt*.
Hoje já é um sucesso eu conseguir pagar minhas contas em dia. E não que fazer isto me torne mais digna que aqueles que não conseguem o mesmo, mas porque dever é uma coisa que simplesmente me angustia...
Mas sempre vi o dinheiro como algo flutuável... Não sei como, mas ele sempre aparece. Não suporto economizar, guardar, juntar, acho um verdadeiro pé no saco aplicações econômicas. Tudo bem que eu nunca tive dinheiro para aplicar, mas acho um porre aquele bando d elouco que trabalham nas bolsas. Meu Deus, aquilo é uma verdadeira e nítida visão do inferno!
Bom, mas voltando à loucura, eu me dei um presente...
E fazer uma loucura em prol de si mesmo, se dando um presente é uma coisa sadia, lúdica, um momento em que você se olha nos olhos e diz: Eu tenho me esforçado o bastante, o meu dinheiro é honesto, é o fruto do meu trabalho, da minha energia cidadã... Eu mereço me dar um presente.
Na verdade futilidades voam longe de mim. Eu não ligo para griffes, pago caro por prazeres gastronômicos, mas me amarro quando faço em casa um mexidão com ovo, arroz, feijão, tomate e cebola – além de pimenta, é claro. Prefiro os batons da Avon, desodorante de supermercado, não ligo pra carne, prefiro peixe e meu sonho de consumo é uma biblioteca.
Os melhores momentos de minha vida não me custaram dinheiro, custaram energia, flexibilidade, estudo, compreensão, autocontrole, perseverança, paciência e amor.
Mas eu hoje me dei um presente, pagarei em prestações, apenas para me lembrar que um pouco do meu esforço foi aproveitado em homenagem às minhas conquistas e espero que cada um de vocês saibam valorizar as suas próprias conquistas pelo simples fato que vitórias não se fazem ao acaso. Vitoriosos são os que recebem os méritos do universo.
Eu me dei uma pequena flor que vai durar pela eternidade. Uma pequena flor em forma de pingente de ouro para vingar e provar ao mundo que flores sobrevivem à qualquer dessabor.


Alyne Costa
Brumado, 5 de outubro de 2007
* Roberto Bittencourt é um mendigo que perambula pelas ruas do Centro de Salvador, sempre portando revistas, livros ou DVD's. Sabe tudo sobre a Revolução Russa, educado, fino e com jeito nobre é um lord sem vestes alvas.

Oratório


Agradeço a Deus as tantas coisas boas...
As mágoas que não ficam.
Os dons da imaginação.
Os versos que frutificam...
As cismas que assustam e, assim, fortalecem-me.
Agradeço ora com rezas decoradas.
Ora com histórias inventadas.
Com risos soltos a vapor.
Agradeço pelos que foram pelo vão das portas abertas.
Os que chegaram em horas incertas.
E os poucos que permanecem.
Assim, agradeço de cócoras sonhando fumar cachimbo.
Velando o sonho do menino que cresce, sem fazer caso algum das rugas que aparecem.
Que o tempo é mago e dá seu valor.
Nas dobras da alma que já não se ilude mais.
Que minimiza exigências e valoriza a paz.
Agradeço os poemas de Bandeira.
Ê Deus que tem tanta forma de falar.
Agradeço pelos que criam e lavam em fontes uma esperança que parece adormecer.
E Fé eu tenho muita.
Daquelas de ir à missa, rezar o santo ofício de joelho e temer as previsões do apocalipse.
Fé enorme na alfabetização, de criança e idoso.
Ê mundo novo que surge quando alguém aprende a ler.
Agradeço as palavras de amor que ele me diz.
A intuição que me sussurra verdades.
Por esta riqueza imensa na hora de sonhar.
Pela falta de limites.
Pelo medo de não ter concerto.
Pela leveza dos vícios.
Pelas asas ante os precipícios.
Por ter aprendido a voar.
Agradeço, ainda, por não ter sucumbido à desilusão.
Pela fibra nova que me deste no sertão.
Pelo cobre honesto e por cada pedaço de pão.
Pelas palavras que não se calam.
Pela coragem de falar.
Pelos rumos que mudastes.
Pelo caminho a andar.
Agradeço, humilde e pia, pelo sorriso de Maria.
Por cada flor, cada alegria.
Cada noite e cada dia.
Pela canção dos violeiros...
Pela raça de romeiros...
Pela vida em procissão.
Pela verdade que resta.
Pela crença mais deserta.
Por ter sempre a porta aberta...
E estendida uma mão.
Enquanto acendo um cigarro, o último da madrugada...
Agradeço pela chuva, pelo arado, pela enxada.
Pelo verde que persiste.
A vida que insiste...
Pelo de comer.
Pelo de beber.
Pelo de sonhar...
Pelo de ser...


Alyne Costa

Brumado, 5/10/07