Wednesday, January 31, 2007

Carta de Filha Mulher


Gravura de Cândido Portinari


Quando eu nascer me beije suave...
Quando eu completar sete meses, me faça massagens....
Quando eu completar um ano, me carregue nos ombros... Me mostre os carneirinhos no céu e o por do sol.
Quando eu completar três anos, sente comigo e me conte histórias, todas as que te contaram na sua infância, ainda que eu nada saiba sobre cantos e rouxinóis, o som de sua voz que me guiará por mundos inimagináveis e me dará a segurança dos maiores fortes, me desvendará segredos de bosques e me fará adentrar nos mais belos castelos...
Quando eu completar cinco anos, me brinde com uma caixa de lápis de cor, me deixe recortar papel ao seu lado enquanto você lê os jornais ou assiste a tv, enquanto vc escuta suas canções favoritas, que um dia não por acaso também serão as minhas, me ajude a brincar com as letras, me mande cartas e bilhetes de amor. Estou desbravando o mundo da literatura e suas palavras serão as mais doces que poderei ler.
Quando eu completar sete anos, me visite de surpresa na escola, fora de qualquer rotina, me tire da sala de aula, me leve ao parquinho e deixe meus amigos todos na expectativa que um dia o pai deles também aparecerá de repente, lhes tirando do sério e provando que viver muitas vezes exige quebrar rotinas. Minha pró não vai ficar zangada e eu não vou ter vergonha do seu abraço “fora de hora”.
Quando eu completar dez anos, me leve ao japonês, me ofereça os sabores diferentes de tantas culturas é rica o mundo. Me apresente seus amigos franceses, holandeses, paraibanos, cearenses, me ajude face às diferentes culturas que se descortinam sob meus olhos. Me presenteie com livros sobre barcos e com telas, tintas e pincéis, talvez a arte me inaugure coisas que eu sem ela seria incapaz de compreender.
Quando eu completar doze anos me envie doze rosas vermelhas como demostração do seu afeto. Me abro feito botão e ainda que eu te esconda, novos afetos desabrocham em mim... E ainda que eu tema, eu me torno mulher e por mais que o simples nem sempre enseje o belo, as flores podem falar, por mim e por ti.
Quando eu completar quinze anos, saiba que já beijei, que os desejos nasceram tão natural como aquela alegria quando me carregavas no ombro. Conheça os meus namorados, me pergunte sobre eles ainda que eu insista em emudecer. Você ainda é o meu porto seguro.
Quando eu completar dezoito anos discuta comigo sobre economia, fale sobre suas experiências na Universidade, me apresente suas amigas, namoradas e paixões. Me indique os livros que você lia, por mais estranho que pareça não estamos tão distantes, dores, medos, angústias, traições são atemporais....
Quando eu completar vinte anos e por acaso estivermos distantes, me escreva cartas de amor, cartas de saudade, cartas políticas, discuta comigo meus votos, sua opinião não irá mudar a minha, mas certamente irão me levar à reflexão.
Quando eu completar vinte e três anos e, por acaso, aparecer grávida, acaricie minha barriga e diga que me ama o tanto quanto antes, é tão somente o que eu preciso ouvir.
Quando eu completar vinte e cinco anos e ainda que por alguns percalços do destino já estiver quase formada, se orgulhe de mim, mostre a seus amigos a sapiência de seu fruto, é uma sabedoria gerada por ti.
Quando eu completar trinta anos, não se envergonhe das suas fraquezas, da fragilidade do seu corpo físico, de tudo que o tempo inexoravelmente lhe retirou. Saberei que sua alma ainda é a mesma, um pouco mais sábia e talvez mais tolerante ante minhas dores, porém materialmente poderás estar a precisar do meu ombro, como um dia me carregou nos seus, do brilho dos meus olhos, como um dia me guiou nos seus, do apoio do meu braço para se locomover, do carinho das minhas mãos e do perfume do meu amor. Não te envergonhes de ter envelhecido, o nosso amor ainda vive em ninhos e voa pelo universo todas as manhãs.

Alyne Costa
Brumado, 31 da janeiro de 2007

Tuesday, January 23, 2007

Ê Beleza...


Talvez meu fardo não seja leve, talvez menos atroz que os alheios.
Mas cada qual com seu fardo, assinando seus destinos.
Destino diferente este de ser poeta, varar noites de solidão.
Ê beleza que é a imagem de São Sebastião.
Beleza também aquela música de Roberto e Erasmo: Sentado à beira de um caminho.
Quando eu viajo costumo olhas coisas à beira do caminho...
Barraquinha vendendo fruta, espetinho, artesanato...
De vez em quando um pé de acácia amarela.
Ê beleza...
Beleza é ouvir minha avó falar: “Misericórdia!”
E meu avô dizer: “Coraçãozinho de Vô”.
E a gente não cresce nunca num lugar qualquer da alma.
Talvez eu não tenha mesmo sorte com romances.
Talvez não esteja olhando pros lados.
Talvez o amor esteja ao meu alcance.
Em garupas de cavalos alados.
Beleza é saber que na distância a gente some um pouquinho, perde um pouquinho de viço, mas mergulha de vez no fundo da alma da gente e se surpreende:
Sobrevividos.
Beleza é saber-se vivo, ainda que dolorido, saber-se inteiro ainda que dividido e saber-se forte em meio a tantos infortúnios.
E porque a vida é assim, a gente escolhe ver o belo onde talvez ninguém o veja.
Na água da chuva, no riacho e na correnteza, que a vida é também assim: criando lodo e trazendo o novo.
Beleza é lembrar do alpendre da casa da minha bisa, limpinho, com uma pequena bacia de porcelana branca que com água quente esperava o irmão chegar da roça e lavar a mão para o almoço.
Aquilo era que era beleza, aquilo é que era amor e depois que ele chegava, colocava a mesa com a galinha temperada e pra meninada, o ganhador.
Beleza era o doce de leite com rapadura e a água de pote.
E se os meninos na estripulia ralavam a perna nos arames das cercas, tinha cachaça canforada que ardia e sarava.
Beleza era ouvir a missa direto de Aparecida do Norte às 6:00, naquele rádio enorme que nunca quebrou e acreditar em Deus.
Era ouvir os aboios e ter medo de lobisomem.
Talvez o fardo se torne mais leve se a gente poetisa as lembranças e começa a sentir esperança.
Ê beleza....
A lembrança do que fomos e as incertezas do amanhã.

Alyne Costa
Brumado, 23 de Janeiro de 2007

Tuesday, January 16, 2007

A Formatura de Manoelzinho

Alex Messias Tenório - Escola Cícera Lucimar
Retirada do site: http://www.ideario.org.br/letraviva/desenhos.htm

Um dia colocaram um brinquedo na mochila de Manoelzinho.
Manoelzinho chegou em casa e ao abrir a mochila ficou todo contente:
-Meus novos colegas de escola me deram um presente!
E brincou horas a fio com aquilo que julgava ser a mais graciosa celebração da sua vida.
A mãe de Manoelzinho num desses pensamentos que só as mães possuem ficou meio intrigada e chamou Manoelzinho no cantinho:
-Filho, pode ter sido algum engano, amanhã você pergunta a seus coleguinhas de quem é o brinquedo, combinado?
Manoelzinho concordou e tratou de fazer a lição. Escola nova, caderno novo, lápis novo e para sua tranqüilidade lá havia um monte de banguelinhas como ele, assim nem teve vergonha de estar sem os dentes da frente.
No outro dia, mal Manoelzinho chegara à escola já sentiu olhares ressabiados dos colegas e muita conversinha no ouvido do outro.
Pouco antes da tia acabar a chamada, Artur gritou, líder:
-Tia, Manoelzinho é ladrão!
Manoelzinho perdeu a cor, o chão, viu um monte de borboleta voando, não conseguia falar nada. Numa escola nova, longe das antigas tias e dos coleguinhas, não sabia o que falar e nem pra onde correr.
A Tia apenas olhou e aquele olhar era uma pergunta.
-Tia, eu não roubei nada, mas ontem em casa achei este boneco na minha mochila, eu já ia perguntar de quem era.
A tia perguntou a quem pertencia o boneco.
Artur, líder, afirmou:
-Tia, é o boneco de Mateus que ele roubou.
Manoelzinho chorava desesperado:
-Não roubei! Não roubei! Não roubei!
Lágrimas copiosas rolavam pela face de Manoelzinho que a princípio estava feliz na nova escola, cheio de sonhos, de encantos com os colegas.
A tia o consolou levando-o para uma salinha onde lhe deu água e acariciou-lhe a face.
Em casa Manoelzinho nada contou à mãe, não queria deixá-la triste. Mamãe andava tão triste, tão preocupada com a faculdade e o trabalho.
Mas ele não conseguia fazer o dever, não entendia porque era tudo diferente da outra escola. Pedia ajuda a mamãe, mas ela não entendia como o filho podia estar sentindo dificuldades em coisas tão bobas, até mais fáceis que na escola anterior. Tentava, tentava, até cansar.
E assim os meses foram se passando, Manoelzinho só tinha uma amiguinha na sala: Maria Angélica que brincava com ele no parquinho. Tinha também um amiguinho da outra série, um ano mais novo que confiava nele, lhe emprestava brinquedos e até trocavam figurinhas.
Mas na sala Manoelzinho ficava mudo, não entendia as tarefas, voava por planetas enquanto a Tia dava as explicações.
Um dia teve reunião no colégio: o dia da entrega do boletim.
Mamãe sabia que algo não estava indo bem, mas foi até a escola para ouvir e depois de ouvir os elogios e os talentos das outras crianças recebeu, por último o boletim do seu filho.
Após contar um pouco os problemas financeiros que atravessava, escutou da Tia uma recomendação de levar Manoelzinho a um especialista, pois o mesmo demonstrava problemas de audição.
Mamãe estremeceu, como pode por tanto tempo não notar alguma deficiência no filho?
Em casa cobria-lhe de carinho e com muito medo, marcou o exame.
Acontece que no dia do exame, Manoelzinho que não era ladrão, também não era surdo, aliás, ouvia muito bem, só que se calava quando ouvia injustiças.
Mesmo assim Manoelzinho continuou na escola, fingindo que não ouvia, orgulhoso da sua inocência e embora a tristeza pesasse em sua face quando ia para escola, nascia quando voltava para casa pelas ruas que atravessa quando Nilson, o ajudante de sua avó ia lhe pegar.
Pelas ruas Nilson contava histórias de bicicletas que voavam, pássaros que tornavam-se automóveis e espingardas que explodiam balões coloridos.
E pelas mãos de Nilson, Manoelzinho atravessa as ruas da dor da desconfiança e do preconceito.
Até que chegou o fim do ano e a turminha estava se organizando para a festa de formatura.
Manoelzinho, embora todos soubessem que não iria formar, era levado aos ensaios. Era ensaio para a missa que seria numa Igreja muito famosa com um padre também muito famoso. Manoelzinho ia também, participando na sua inocência e celebrando a vitória dos outros porque em algum cantinho de seu coração ele sabia que uma dia celebraria a sua vitória.
Mas apareceu um professor de música que ensinava aos meninos os hinos e a voz de Manoelzinho destacou a tal ponto que, impressionado, o professor de canto queria lhe dar destaque.
A Tia resolveu chamar a mãe de Manoelzinho, ele precisava participar da formatura ainda que simbolicamente, seu canto soara diferente.
Mas mamãe não consentiu. A festinha era cara demais pra suas condições.
Bom, Manoelzinho mudou de escola no ano seguinte. Aprendeu, sorriu, freqüentava as festas e dançava alegremente, livre de qualquer rótulo ou preconceito.
Nesta nova escola em que as crianças aprendiam brincando, Manoelzinho aprendeu a ler e a não se calar perante injustiças. Aprendeu a ser aceito e se aceitar diferente. Cantava alegremente, corria e aprendia.
No fim do ano formou-se em menino alegria, livre da dor.

Para Victor meu filho, graduado em boa vontade,
Brumado, 16 de janeiro de 2007

Tuesday, January 09, 2007

R. Godá


Hoje amanheci com espírito cafundoesco. Nunca mais a alma cafundoal havia me invadido. Tava em Salvador, de recesso. Não sei como alguém pode cometer a heresia de residir em Salvador e não freqüentar o Solar do Unhão, máxime de não visitar os salões de arte do MAM... Desde que fui ao primeiro, não me lembro o número exato, não perco nenhum.
Ali uma frase me entrou pelas entranhas e me fez optar por morar (um tempo) no interior. Ei-la: “A necessidade obriga”.
Sim a necessidade obriga, ver arte, sentir arte é uma necessidade. Comer, vestir, criar filho, chorar, querer pedir demissão, querer voltar correndo pra alguém que lhe queira bem: A necessidade obriga. E obriga de diferentes maneiras.
Pois bem voltemos ao MAM, ou melhor narrarei a visita.
Começava a tarde eu tinha que dar uma passada em Sossó (minha psiquiatra que cura surto com uma simples pousada de seus olhos escandalosamente lindos em semblantes) para pegar umas receitas, tava com pânico, fobia, angústias de fim de ano represadas e marquei pela tarde. Chamei Victor para ir comigo, o moleque nem ta saindo viciado que é em Tibia (lololo maldito tibia), com muitas juras consegui sair e fiz algo que mais me dava saudade de Salvador, andar pelas ruas do centro.
Saltei na João das Botas e subi no centro médico, lá no segundo andar dei um abração em Del, coisa boa é abraçar Del e sentir sua energia, vale tanto quanto uma consulta. Não tive saco de esperar a consulta precisava passar nas Paulinas e comprar uns santinhos que pretendia tornar obra de arte e acabaram santinhos propriamente ditos, destribuidos para quem quero bem, um montão de gente recebeu e ainda está recebendo meus santinhos das Paulinas.
Logo depois do centro médico Victor cismou que queria andar pelo campo grande e cismou que alguma pomba iria fazer algo nada asséptico em sua cabeça. E, assim, entre o olho no pombo e outro no caboclo expliquei um pouco sobre o dous de julho, caboclo, árvores e seguimos pela Avenida Sete. Tinha um miserável do camelô vendendo camisas de times de futebol estrangeiros, aí pronto lá se foram 15 reais numa camisa do Manchester (nem sei se correta a grafia) e ele começou:
-Tô cansado, não vou ver unhão nenhum.
-Calma, filhoco, a gente vai nas paulinas, compra os santinhos e pro Solar é só descer uma laderinha...
Santinhos adquiridos, retorno, aflitos, mirante, ladeira,menino reclamando da ladeira, mãe explicando seu avô morou ali,no meio da ladeira vi um amigo de meu amigo, João da Mostarda que meu amigo chama de João da Salsicha, a pessoa que nos apresentou uma salsicha com mostarda que um austríaco maníaco com higiene vende num bistrô. Perguntei ao amigo do meu amigo se ele era ele, sim ele confirmou ser ele, ele mesmo, surpreendi-me com minha memória visual pois o rapaz estava sem barba e de cabelos cortados, perguntei se sabia até que horas estava aberta a exposição, afirmou não saber pois voltava do cinema.
Jesus que morreu na cruz como um ser pensante residente em salvador não sabe desse salão? Eu fico louca quando tem salão. Ligo pra todo mundo ir ver, quando posso vou duas, três vezes e dessa vez levei Victor que só parou de reclamar depois de uma coxinha com catupiry que me custou os olhos da cara e uma Fanta na lanchonete da sala de Arte. O bom é que ele curtiu a exposição.Um obra com dinheiros de artistas baianos, muito boa, uma instalação com objetos e fotos de presídio (essa o moleque se amarrou) Ele sempre gosta. Eu fiquei eufórica com esse 13º Salão por ver novamente uma obra de R. Godá. R. Goda é um artista goiano, este ano foi merecidamente premiadooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
Ui. O teclado desparou.
Premiado! O trabalho dele tem por bases algo entre polias e motores que sugere alguma ficção ou dificuldade com mecânica em física. O fato é que seus trabalhos são muito bons e várias vezes já foram selecionados pros salões do MAM, pelo menos umas três. A deste ano foi a melhor que vi. Outro fato é que não sei absolutamente nada sobre R. Goda. Só sei que é de Goiânia. Procuro por ele no google e não acho nada. Me dá um desespero incrível.
“A necessidade obriga” – Quem será R. Goda?