Sunday, November 30, 2008

Lição de Generosidade


Vinha soberana de sobrinha, fazendo caso algum da chuva que caía e eu pensei na garra daquela mulher com seus oitenta anos enfrentando a chuva, só e desfilando em direção ao ponto de ônibus.

Pensei ainda na graça sua, na singeleza dos adornos, na maquilagem, na roupinha bem passada e vi ela se benzer em frente à capela do português.

Estava parada no ponto de ônibus e ela se aproximou e me disse:

“Seu semblante é sereno e seus olhos sorriem. Seu sorriso traz a beleza de seu coração.”

Nossas sobrinhas se uniram e ela me declamou uma poesia, falava sobre Generosidade.

Não raras vezes o universo escolhe pessoas que sequer conhecemos para acender a chama do nosso coração.

Amigos não conseguem falar, família não consegue entender, colegas têm prioridades demais e a gente precisa prestar muita atenção no que o Universo nos diz.

O Vale dos Rios chegou e ela previu minha ansiedade:
“Vai, meu bem, vai pro seu trabalho...”

Só deu tempo de dizer que ela também era linda e adentrei o buzú.

O cobrador fez cara feia ao dar o troco.

Ah, cobrador, vai ler poesia...

E a BUSTV falava sobre Munique, suas belas Igrejas, seu rio, uma cidade inundada de verde. E me deu vontade de novo de aprender alemão e conhecer Munique.

Segui o dia, sabendo não ser triste meu fim...

Ciente de ser alegre o dia e cada batalha que ele nos traz.

Segui, levando na alma a doce lição da generosidade.

Alyne Costa, novembro de 2008

“Enquanto o tempo não trouxer seu abacate, amanhã será tomate e anoitecerá mamão”

Gilberto Gil

Monday, November 17, 2008

Se eu Pensasse Um Poema


Se eu pensasse um poema, teria ele a mim.

Não seria broto, nem jorro.

Seria o inverso.

Não rangeria os dentes.

Não guardaria a casa.

Não seria lobo, nem cão.

Seria poeminha de estimação.

Se eu pensasse um poema não seria ele a dor.

Porque um poema me explode.

Me abre, me rompe, me cega e me guia.

Um poema não me vive.

Um poema não me come.

Não me embriaga.

Não me mata a fome.

Não me castiga.

Nem mimo, nem intriga.

Se eu pensasse um poema não seria ele esta cor indefinível do crepúsculo.

Das sombras e sobras nos meus contornos.

Nas minhas margens.

Nas minhas sondagens.

Nas minhas obscuras:
Paisagens.

Salvador, novembro de 2008

Sunday, November 09, 2008

Apartada do Cálice


Quando não há mais cálice

Nem mais carne

Nem verbo que aparte a poesia que dobra a alma

Meus Deus, me abraça...

Me pega no colo.

Faz tua vontade.

Te acerca de mim e de meus devaneios.

Emudece meus delírios.

Amansa a ira.

Quando não há mais cálice.

O que apartarás de mim?

Bendigo esta paz que me deste neste fim de tarde.

Essa chuva que cai e que molha os meninos.

Que encharca a terra e traz esse cheiro que me lembra vida.

Bendigo esta chuva, este canto de pássaro, essa fé acesa aqui dentro.

Quando não há mais cálice, pai.

O que apartarás de mim?


Alyne Costa
Salvador, novembro de 2008