Thursday, December 24, 2009

Feliz Ano Bom


Adeus, ano velho com tantos dissabores, dúvidas e lágrimas vãs...
Escorre pelo rio da vida e leva consigo todas as nódoas para que e nem possa me lembrar mais!
Leva consigo os laços rompidos e as torrentes de desilusão.
Os anúncios macabros das manchetes de jornais.
Os falsos comérciais.
A fome, as enxentes, as noites sem lua e os dias sem luz.
Vem, Ano Bom...
Brota em meu peito feito flor sem espinho.
Vem depressa e cantarolando...
Assobia por uma vida mais feliz.
Dobra a página do que já passou e de tudo que não tem remendo.
Assobia uma vida nova, enfim...
Um mundo mais farto e justo.
Um mundo novo, com a santa permissão da esperança.
Te recebo com mãos de fada.
Acendo todas as tochas para que não percas os rumos do bem.
A ti brindo a reconstrução de todos os afetos.
Os trilhos do novo caminho já não são sozinhos.
Vem feito dia ensolarado e qual noite encantada.
Nasce e brilha!
Vem com belas certezas e força de correnteza.
Pula as ondas...
Vem Ano Novo e reitegra, homem e vida.
A ti abro todas as janelas...
Vem com novas cores e em aquarela.
Me acorda com fogos de artifício, para que todas as noites do ano, possas celebrar a vida que flui.
Me faz artesã de uma nova manhã.
Banha o mundo de magia...
Vem Ano Bom, Luz e Alegria.

Alyne Costa
24/12/09

Saturday, December 05, 2009

Devaneios Pof Pof


Existe alguma ternura nos amores à distância, assim como diversas podem ser as formas de amar.
Pro coração poeta, o amor é fonte de onde jorram palavras, devaneios e novas esperanças. É que o poeta não pode sobreviver sem amar. Ou sem sua eterna busca... Ai dos que penam pelo excesso de razão. Dos que não olham pela janela as copas das árvores e não sonham ver nas alamedas tapetes de flores.
Cazuza adorava “um amor inventado”, docemente exagerado... Eu também amo escondido, faço versos melosos, caio no ridículo. Eu danço o amor, eu pinto em telas o amor que não vejo nas novelas.
E ele é muito fácil de amar. Ele é grande e tem a alma confortável. Ele é paciente e leonino. Ele mente com uma suavidade coisas que eu gosto de ouvir. Ele usa uma medalha de Maria de Nazaré. Aquela medalha me deu segurança porque na primeira vez que o vi, tremi de medo... do que poderia sentir.
E ele é tão doce que me deu vontade de amar. Ele não viola, sabe ouvir. Ele está distante. E eu preciso dessa ausência pra não morrer de solidão.
Então eu inventei um sonho: O jogo do Pof Pof. Quando criança eus empre preferi o pula-pula à roda gigante. E sexo com ele, se um dia acontecer, será um Pof Pof.
Ele é desejável e dissimulado. Ele some, ele ri e ele filosófa. Ele tem medo. Ele é humano e músico. Eu sinto vontade de chorar por todos os amores que se foram e pelos que estão por vir.
Talvez seja o frio e o cinza da cidade.
Talvez seja a alma que envelhece e perde a perplexidade.
Eu quero aprender a amar e deixá-lo livre para que ele nunca precise pedir para chegar.
É bem verdade que o jogo do Pof Pof possa nunca acontecer. Mas já me converteu ao abismo dos desejos secretos.
E eu desejo a pele dele, a medalha, a tatuagem, a melancolia, um beijo e o coração.
E enquanto eu espero que ele volte, eu espero a primavera, eu pinto uma tela e fotografo os homens dos tabuleiros de dominó.
Eu espero outubro, mês de Maria.
Eu faço uma novena.
Eu choro.
Eu tento estudar.
Eu procuro um bom emprego.
Eu beijo outras bocas.
Enquanto o coração aprende a amar.


Para meu amigo Luis
Salvador, 16 de julho de 2003

Saturday, November 21, 2009

O Abraço da Consciência Negra


Soam longínquas as espumas brancas dos mares atravessados pelo Navio Negreiro de Castro Alves...
Mas ainda arde a pele açoitada em tantos pelourinhos.
Ainda vive Zumbi nas camisetas coloridas e jamaicanas.
Consciência eloqüente e negra, consciência mãe do Brasil.
Ainda brilham em museus ornadas jóias designadas: escravas.
Ainda há um abismo a separar raças.
Um pai abraça o corpo do filho tombado ao chão.
Cinco horas de abraço.
Amor que não tem cor, nem raça, nem estirpe, nem religião.
Amor que tem a dor do corpo do filho tombado ao chão.
Vidas jovens ceifadas.
Destinos lançados ao léu.
O pai não terá mais vida sem dor.
Mas aquele abraço que me derrubou em lágrimas.
Aquele abraço permanecerá em minha memória e renascerá em cada abraço em meu filho.
Aquele corpo tombado ao chão...
Cada corpo de jovem tombado ao chão.
Leva consigo uma nação.
E leva também as nossas canções de esperança.

Alyne Costa
Salvador, 21/11/09

Para Nilton dos Santos, vigilante, que perdeu o filho de 18 anos na noite em que se comemorava a Consciência Negra

Sunday, November 08, 2009

Mãos


Mora em ti um sentido:
Tato.
Cai-lhe bem o afago.
O cabo de enxada.
O aceno.
Traças arquiteturas do infinito.
Pontes e construção.
Rabiscas atas, assinas duplicatas.
Cai-lhe bem a caneta e o pincel.
Discorres notícias e poemas.
Cava a areia.
Acaricia peles, dúvidas e almas.
Borda um sonho.
Firme, encaixa o prazer.
Trêmula, guia e oscila.
E na ânsia do desconhecido, ergue-se ao céu.
Segura a do irmão e ganha força.
Ergue torres.
Membro,
Segura o planeta!


Alyne Costa
8/11/09

Saturday, October 24, 2009

Para nunca Esquecer - Herman Hesse

"Para que resulte o possível deve ser tentado o impossível."

Herman Hesse


Um mergulho na obra de Herman Hesse é inquestionavelmente aprofundar-se na condição humana. E ao retornar à superfície nos defrontamos com um novo ser. Quer pelo humanismo ou pelo espiritualismo, a obra de Herman Hesse, como todo gênio literário, não apenas marcou gerações, mas atravessou a temporalidade consubstanciando-se numa obra para a humanidade.

A vida do escritor está de certa forma fotografada em sua obra. Suas vivências assinam sua literatura, atuando como divisor de águas. Talvez o adolescente rebelando-se contra a vocação imposta pelos pais nasce em Demian e Peter Camenzind. Ao desvencilhar-se do que foi imposto e, abandonando os rumos traçados pela família, em busca de um outro mundo o Autor que não foge (“Nenhuma dor justifica a fuga”), enfrenta as dilacerações de uma alma adolescente e desenha em sua obra a dor do adolescente de todos os tempos, sua sede de sonhos, suas ânsias e buscas, sua excentricidade , sua fome de exageros e sua necessidade de fantasias.

Jovens que um dia se viram na obra de Hesse, recomendam-no a seus filhos quando percebem nestes a dor da condição do adulto que nasce, para que estes possam também compreender, já que esta dor ninguém anestesia com exceção da própria vida e do passar do tempo. Assim, se não é equívoco dizer que a obra de Hesse, em especial O Lobo da Estepe, marcou a geração da década de 60 é mais acertado concluir que ela atravessou o tempo, tocando as almas de pais e filhos e habitando para sempre os que nela se encontraram e recuperaram suas almas.

Recentemente um post do “twitter” Carlinhos Andrade chamava atenção ao fato que ter relido conforme lhe recomendaram a obra Lobo da Estepe aos 50 anos, vira que de repende havia “caído a ficha”. Exemplo da força e da presença deste Autor que deixa claro em seu conivite: Só para raros, só para loucos.

Mas se a obra de Hesse dilacera almas, acompanhando a evolução do Autor, mergulhamos em rio suave ao lermos Sidarta, quando numa fase mais espiritualizada o Autor nos convida a um mergulho mais íntimo na nossa plenitude existencial.

Talvez isto justifique uma orelha de uma das edições de uma obra do nosso Autor: É preciso que o Autor se queime no fogo de O Lobo da Estepe para depois mergulhar nas águas de Sidarta. O que analisar de um Autor cuja obra se desdobra em diferentes posturas e que atinge a glória de quem soube entender a loucura em Knulp. É, sobretudo, compreende as contradições do próprio Autor que afirma acerca da contradição de sua natureza humanista: “Estou me contradizendo? Muito bem, estou me contradizendo... Contenho multidões!”

E que multidões carrega este Autor? Toda a humanidade, desde a gênese ao caos, à dor do preconceito, da intolerância religiosa, do desrespeito aos loucos aprisionados nos grilhões de manicômios com todos os seus rótulos, do ocaso da existência ao ter presenciado uma guerra. A obra do Autor brinda a humanidade ao contar-lhe a história da própria humanidade, aquela que se busca em páginas de sebos e aquela que há tempos se perdeu.

Um homem me recomendou a leitura de Herman Hesse não para que uma lenda encravasse em minha alma, mas talvez para que eu entendesse o que de humano trago em mim e o quanto me veria em sua obra, ao passo que aprendia acerca da condição do ser humano em face da sua humanidade.

Senhor da consciência de “possuir em seu DNA a história da humanidade”, Herman Hesse brindou à humanidade uma obra capaz de ofertar-lhe sempre uma doce lição. Um lição de perplexidade em face do antagônico, de serenidade frente a inexorabilidade do tempo e de coragem para a necessidade de emergir uma nova forma de se entravar a condição humana. Uma obra que, recheada de fantasia, mistério e amor à vida, pede que sempre seja relida.


Alyne Costa

Salvador, 24/10/09

Friday, October 16, 2009

A Menininha do Vestido Vermelho



Na infância olhamos o mundo com inocência e sonho. O medo é mais medo, a dor é mais dor, o riso é um riso que não quer parar mais e o doce é mais gostoso que colorido.


São nossas primeiras reações perante o mundo que nos parece desmesuradamente grante. O Japão é tão longe e tá embaixo do nosso pé.


A emoção se acumula, ainda que momentânea no peito. Um abafo cresce aliado à uma plena sensação de impotência que faz com que coloquemos a solução nas mãos do adulto mais próximo: e aquele adulto vira um super-herói que não pode falhar.


Lembro-me que aos 5 anos fiz uma viagem com meu pai ao interior. De ônibus, eu e ele. Próximo às nossas poltronas havia outro pai que também viajava com sua filhinha. Ela também de 5 a 6 anos, cabelinho claro, liso e com laço, vestidinho vermelho e sapatinho com meias brancas. Era a versão humanizada da boneca que eu queria ter.


Chegamos a uma cidade qualquer e seu pai desceu. Ela dormia... Eu não, acompanhava cada movimento de face da minha boneca em forma de gente. Meu pai lia algo e de vez em quando tentava me fazer dormir. Mas o ônibus saiu da cidade e o pai da menininha não voltara. Fiquei muda, apavorada e solidária com a garota que, dormindo, nem dera por falta do seu paizinho. Um sufoco enorme tomou meu peito.


Aquilo podia estar ocorrendo comigo. Ficar só, sem conhecer ninguém. E se o pai dela havia a deixado de propósito? Não consegui falar nada, nem comunicar a meu pai, certas coisas que as crianças não entendiam, os adultos achavam perfeitamente normal. Enquanto isso ela dormia, nem sonhava com o risco do abandono. E meu coração apavorado perguntava o que ela faria ao acordar.


Foram dez minutos de agonia, até que o ônibus parou e o pai dela entrou atormentado. Havia por meio de um táxi alcançado a condução já na estrada. Colocou no colo a criança que ainda dormia. Era o herói da garotinha. Ninguém notara a ausência daquele homem. Só eu sofrera aquela angústia muda, chorei temendo o destino daquela menina.


Meu pai também era um herói, mas só percebeu o fato quando o homem readentrou o veículo. Acabei dormindo e não vi a menininha de vestidinho vermelho e laço nos cabelos descer do ônibus em sua cidade destino. Mas ela permanece viva na minha lembrança de infância, idêntica à boneca que eu mais sonhava e que deveria ter mais ou menos a minha idade. Fazia tudo que gente de verdade fazia.


O sono da garota na ausência do pai parecia um zêlo de anjo guardião. E eu permaneci acordada durante aquele episódio, preenchido de medos e suposições tão típicas do imaginário infantil. Permaneci acordada e obtive a minha primeira lição de solidariedade.



Alyne Costa

1998, para meu Pai Roberto, que só me conduziu por caminhos de aprendizagem.

Wednesday, October 14, 2009

Camaleão


Ontem lembrei dos lambe-lambes e dos camaleões da Piedade. Sumiram. E me lembrei dessa música de Caetano.

Acho que vou desenhar camaleões...




Rapte-me Camaleoa

Caetano Veloso


Rapte-me camaleoa
Adapte-me a uma cama boa
Capte-me uma mensagem à toa
De um quasar pulsando lôa
Interestelar canoa...

Leitos perfeitos
Seus peitos direitos
Me olham assim
Fino menino me inclino
Pro lado do sim...

Rapte-me
Me adapte-me
Me capte-me
It's up to me
Coração
Ser querer ser
Merecer ser
Um camaleão...

Rapte-me camaleoa
Adapte-me ao seu
Ne me quitte pas...

Monday, September 28, 2009

Desespero de Vida

Djanira, Anunciacão.




Tentei agarrá-la pelas mãos,

Escorreu-me entre os dedos.

Tentei bebê-la em doses homeopaticas,a conta-gotas...

Dosada.

Fatou-me os efeitos colaterais.

Enfrente-a só...

Fez falta a dádiva maior,

Dividí-la.

Decidi a ela doar-me sem precaucoes.

Rendida.

Sobrei-me inteira e fértil.

Amei o mistério impalpável,

Vida!

Orgasmo infinito.

E quero-te assim.

Com perigos e riscos.

Em total desassossego.


Alyne Costa

setembro;2009

Tuesday, September 15, 2009

Antes dengosa...


Tava me sentindo mal... Mal mesmo: corpo doído, molinha, molinha, tosse e muita tosse, tudo havia começado com uma dor de cabeça.

A tese dos médicos infectologistas vinha à tona: “Só procure as emergências de hospital em último caso, gripe se cura em casa e com boa alimentação e repouso.” Mas a tese se confundia com meus sintomas, eu já me via num quarto de isolamento... Mas faltavam os vômitos, gripe suína apresenta vômitos e não vomitava, mas também não comia, não tinha o que colocar para fora.

Só que os senhores médicos infectologistas das entrevistas aos telejornais se esqueceram de um pequeno detalhe legal: se alguém estuda ou trabalha precisa de atestado médico não dá para apenas comunicar a quem de direito que você está com sintomas de virose (sabe-se lá qual) e que é melhor ficar em casa repousando, tomando sopinha que abarrotar os hospitais.

O fato é que a coisa foi ficando feia e eu não melhorava: emergência, não tinha outro jeito. Ninguém queria ir comigo, culpa de quem? Dessa histeria coletiva que virou a gripe suína e que faz todo mundo esquecer ou sequer pensar no “x” da questão: saúde coletiva, como é que a senhora vai?

Tudo bem, “se Anália não quiser ir, eu vou só...”... Mas Anália foi e eu não fui só. Depois de escolhida a clínica e esperar algumas horas, fazer questão de sentar ao lado de um adolescente que também tinha sintomas de gripe, afinal solidariedade, isso, unir nossos vírus, fui atendida.

O médico foi legalzinho:

-Sintomas de gripe...

-Vai me internar Doutor?

-Não, mas como estamos vivenciando este quadro de gripes mais severas, você vai ficar de observação, vamos fazer o teste, embora os sintomas sejam comuns. Entregue estas requisições à enfermeira nesta sala ao lado...

Bem a sala ao lado não era bem ao lado e àquela altura eu já havia perdido a minha péssima noção de geometria espacial. Sei que ao lado não era. Tinha uma moça de branco que horas antes eu havia visto na portaria da clínica escolhendo um jaleco na mão de uma vendedora ambulante de jalecos( eu nunca imaginei isto, eram jalecos lindos, bordados de florzinha, borboletinhas...)e eu julguei ser uma enfermeira...

-Ei, enfermeira, psiu...

Enfermeira nem thunsk, mas apareceu um rapaz também todo de branco:

-Oi moço, o Senhor é enfermeiro? O médico mandou eu te dar estas requisições de exames...

-Eu não sou enfermeiro não, a enfermeira é ela (nem thunsk, no caso)...

E saiu com minhas requisições na mão como se enfermeiro fosse!

Alguém que não lembro quem me encaminhou ao frigobar, uma caminha embaixo de um gigantesco ar condicionado que me levou a crer que se não fosse gripe suína, morreria eu de hipotermia (menos mal, não dói, dizem que é uma morte suave...). A esta altura Anália sentava-se ao meu lado e meus olhos lhe diziam o grau de meu desespero.

Ninguém passava a não ser uma faxineira de cabelos vermelhos a quem tive coragem de perguntar:

-Não tem uma cobertinha aí não?

A resposta foi pressa, muita pressa, todos apressados e um barulho de conversas alto, Jaleco Bordado ou Nem Thusk falava com suas colegas e uma novata, coisas leves, tudo muito suave:

-Ai que sapatinho lindo, comprou aonde?

E eu lá até que as lágrimas começaram a descer a princípio tímidas e paulatinamente foram se tornando copiosas, vertentes... Um rio. Choro de quem está doente e não sabe o que tem, choro de solidariedade com a velhinha do lado que estava com infecção intestinal após comer um bobó de camarão, choro por Filipe de 15 anos com virose, um adolescente enorme que eu daria uns vinte anos e bem mais sortudo que eu porque lhe arranjaram uma cobertinha, deve ser coisa de plano de saúde: Plano especial: direito à cobertinha, Plano individual: direito a lençol e Plano Enfermaria: frigobar.

O Quase-Enfermeiro que havia levado minhas requisições passou por mim e ao ver as lágrimas jorrando perguntou à Anália:
-Tá emocionada é?

Anália não disse nada e logo depois apareceu um cara bem legal que me levou ao raio-x, me sentou numa cadeira de rodas porque segundo ele eu estava muito emocionada e aí foi massa, subimos o elevador, tirei o raio-x logo depois de cumprir a exigência de tirar minha medalhinha de São Jorge e voltei com o rapaz legal a quem até perguntei se era ele que ia tirar meu sangue, mas não era...

De volta ao frigobar, Doutor passou por lá e eu lhe passei um rabo de olho furioso depois fingi que não era com ele e ele ao perceber perguntou a Anália:

-Tá afetada, é?

Anália apenas respondeu:

-Ela tá nervosa.

Afetada! Filho da mãe! Só porque eu disse que tomava remédio controlado... Pronto, isso me deu a certeza que minha fama de louca havia cruzado todas as fronteiras e talvez até tenha sido flagrada num de meus pitis tradicionais e colocada, sem saber, no yotube.

A espera continuava, agora pela coleta do sangue... Enquanto cabelo vermelho passou de novo com sua vassoura poderosa.

A velhinha do bobó recebeu liberação enquanto suas amigas lhe aquietavam o espírito dizendo que aquilo era preocupação...

A mãe de Felipe reclamou do lanche que não vinha porque Felipe estava sem almoçar, viera direto do colégio pra clínica. De fato, Felipe estava de farda... Pouco tempo depois veio o lanche de Felipe. Planos de saúde me aguardem: Agora só faço Plano categoria Felipe!

Eu tava com uma fome incontrolável quando a moça da coleta de sangue chegou, muito simpática, olhou meus braços e disse que parecia dengue aquelas manchas na pele.
Manchas na pele? Eu não tinha percebido nenhuma mancha na pele e falei-lhe docemente que deveria ser a marca do meu casaco. Ela respondeu tão docemente que com muita inveja de Felipe arrisquei:

-Aqui não sai uma coisinha pra comer não?

-Vamos ver...

Estou vendo até hoje...

Anália já impaciente também resolveu perguntar a jaleco bordado quanto tempo dava o resultado do exame e chegou com a resposta: uma hora e meia...

Ai começou a vontade de fumar, quebrei o protocolo e procurei uma saída, tinha cigarro na bolsa, só não tinha fósforo. Saí à procura de fósforo como se nada estivesse acontecendo e ninguém com fósforo...

Pedi a Anália encarecidamente para arrumar um fósforo e esta recusou-se foi quando cabelo vermelho passou para lavar as mãos e eu vi nos olhos de cabelo vermelho que ela era fumante (batata!):

-Moça, vem cá, a senhora fuma?

-Fumo, mas não aqui!

-Não tem como a senhora me arrumar um fósforo não?

-Tenho não, mas tinha um senhor fumando lá fora agorinha...

Desci voando e ninguém com cara de fumante. Cheguei tarde.Subi de novo e após a tentativa mafiosa de descolar um fósforo com cabelo vermelho, optei por usar as vias legais e dirigi-me a jaleco bordado:

-Moça eu posso dar uma saidinha para fumar?

Jaleco, respondeu numa ternura que me fez entender todas as florzinhas bordadas que usava:

-Você ainda não sabe o que você tem... Tome uma água gelada e descanse...

E me trouxe uma água gelada que funcionou!

Logo em seguida Doutor voltou, me chamou e me disse que eu estava bem, mas que tinha dengue o que me fez gelar de temor à dengue hemorrágica:

-Eu já tive dengue...

E ele respondeu sorridente:

-Você é muito dengosa. Aguarda só mais um pouco que você vai ser liberada.

Bem, antes dengosa que afetada, voltei ao frigobar até que chegou a enfermeira da noite e Ari baba pra lá, Ari baba pra cá, tic, muito fuzuê... E falando com as outras em caminhodasindianês perguntou que médico estaria no plantão.

Não era médico, era médica a que me liberou e que me deu um atestado de um dia sob a alegação de que “dengue não era doença” e que “caso os sintomas piorem retorne à emergência...”.
Tá tudo bem, dengue não é doença, o Brasil fica na Oceania, pobre Felipe nem seu Plano nos salva mais... Certo é que antes dengosa que afetada!
Alyne Costa
Setembro de 2009

Monday, September 07, 2009

Samba de Encomenda

Noel Rosa, foto retirada do site www.aguaforte.com



Se duvidar eu te faço um samba, amor
Como aqueles de Noel
Com endereço e rumo certo
Com letra bordada no papel.
Te faço um samba já que não sei sambar...
Limpo seu uniforme
Te vejo desfilar...
Preparo sobremesa para após o jantar.
Te dou até a malandragem que restou
Na alma da poeta que não desanimou
E se me prometeres qualquer carinho
Eu faço um samba alegre, com jeitinho
De cabocla ouriçada que aprende a sambar
Para até mais tarde contigo ficar
Pelas alamedas da boêmia
E encomendo sobras de alegria
Nem mesmo há motivo para chorar
Se ainda duvidas te acordo com um samba
Daqueles de carteira de gente bamba
E se não tenho roupa para ir contigo
Alugo com a grana de qualquer amigo
Uma fantasia de passista
Que sacode um samba que dorme na alma
Feito de encomenda e de desafio
De puro amor, loucura e desvario.

Alyne Costa, 7/09/09

Saturday, August 29, 2009

A Teu Dispor

Foto by Alyne Costa



De tanto esperar recrio tua presença
Entre miragens e guetos
Armo um altar de acácias
Limpo o assoalho dos passos que não dei
Rabisco, altiva e fria música francesa
Assobio e presto atenção num canto de bem-te-vi
Lembro que hoje não vi beija-flor
Nem graça nos azulejos antigos da cozinha
Hoje dormi na tua presença e nela fiz festa
Hoje seu abrigo foi meu ritmo favorito
E enquanto a lua cresce
Me agasalho a teu dispor.
Deixo penetrar por meus dedos os grãos da terra
Fecundo em mim um reino novo
Com cheiro de melancia e mala vazia
Peguei o último vagão.
E cheguei a tempo de rir do destino.

Alyne Costa
Salvador, 29/08/09

Thursday, June 18, 2009

Véspera

Foto retirada do site www.japiassu.com.br



Antes batia-me a porta...
Agora sobe sem anunciar as escadas:
Ignoras o cadeado.
E me trancafia entre segredos que não me tormentam.
Antes calava ante minha dúvida maior.
Tinhas vergonha de peido.
E arriscavas cantigas ao microfone.
Tudo para me comover?
Ou talvez tornar-se algo que simplesmente inexiste.
Hoje meu amor não navega, voa.
Hoje faz de meu dono sem escravizar.
Sabiamente tolera o que irrita.
Ri das minhas bobeiras e me faz mais fêmea que jamais supus.
Hoje esse amor sobe elevador.
Interfona avisando a chegada.
Tem ética singular e anda de tênis pelas calçadas.
Meu amor anda passo a passo comigo, mesmo em tua ausência.
Tem e-mail, endereço e telefone fixo.
Amor que feito ave pousou na adolescente que sem sentir virou loba.
Amadureceu.
Crou vôo próprio e asas firmes.
Amor que ouve Vanessa da Mata e Vander Lee.
Amor que aconchega e abraça se faz frio.
Que sussurra a alma encantos celestes.
Amor sem fronteira.
Com cabeceira de cama enfeitada.
Plantas espalhadas pela casa e encontros inusitados.
Amor de surpresa com sabor de sobremesa.
Amor sadio, maduro e irreverente.
Amor de quem sabe e sente.

Para Tonga
18/06/09

Sunday, May 31, 2009

Terra Mater


Entre hortências e pés de café
Sonho virar parteira
E as raízes que sugam o néctar do solo me sussurram segredos antigos
Que no coração da natureza tanto faz bicho ou gente
Flor ou semente
Beija-flores rodopiam
E entre um ou outro ninho de passarinho
Um vaga lume percorre a noite sozinho
Sinto cheiro de vida
E uma brisa leve acalanta qualquer receio
Aprendo manha de serpente
E a mata ganha forma de gente
Já nada mais sou que parte deste ciclo da vida
Vida campesina possível e real
E a mão do poeta colhe as hortaliças viçosas
A mão da poeta prepara um café
E tudo passa a ter um sentido que a mente não compreende
Porque nem tudo é passível de compreensão
Basta os sinais lidos pelo coração
Que atravessa a mata e escala as montanhas
Que rocha, bicho, água, flores e ervas dão a lição
Terra Mater, mãe da vida
Da flora e fauna, da gente oprimida.
Mãe de acalanto profundo.
De respeito à natureza e ao mundo.


Alyne Costa

Maio de 2009
Para Dato e Telma

Friday, May 15, 2009

Flor de Pensamento


No infinito onde habito apenas reinam pensamentos
Com cores claras e alguma saudade até do tempo que era criança
No carnaval minha mãe fazia fantasias...
Com mãos de fada que nunca machucam.
Inexoravelmente a vida passa:
Perdas, ganhos, disputas com a própria vida.
E ela, a vida, nos absorve...
Amigos que vão, amores que chegam e nos arrancam do chão.
O resto é colheita das boas.
Que vida é feito solo para ser arado.
Planta para ser regada.
E precisamos acertas nas palavras...
Nos diálogos íntimos que traçamos com os fantasmas que nos perseguem.
Se for medo ou solidão, apago-os.
E enfrento de sorriso amarelo estas condições que o mundo impõe.
Coisas de cidade grande de vez em quando perdem a graça.
E até escada rolante vira bicho estranho.
Mas a gente vai crescendo, às vezes sem poda.
Noutras sem achar graça nenhuma.
Algumas morrendo de rir de um teatro que nos envolve e sem querer estreamos.
Como se vida fosse reino encantado de novela.
E em passos miúdos, sigo rumos que eu mesma traço.
Já sem pressa e sem fazer caso de certezas.
Que a vida é feito rio que lava tudo...
Até as nódoas de uma alma que somente pede paz.

Alyne Costa
15/05/09

Sunday, May 10, 2009

Coisa de Mãe


Como este ventre gerou o que não me pertencia...
Aparo minhas dúvidas como se assistisse meu filho escolher bola de gude.
E aprendo a enfrentar as dúvidas dele que tanto me aquecem.
Aprendo mais quando estudo com ele.
E o Egito me parece tão perto na hora da revisão.
Se os vídeos do Yotube não me seduzem...
O fazem bastante as gargalhadsa de menino que cresce, rebelde e sagaz.
Sou uma mãe que nunca teve avental....
Muito menos pantufas.
Sou mãezinha, assim:
De misturar atum e arroz e inventar que é um prato mexicano.
De inventar lendas e cantar musiquinhas da primeira escola.
De dar xodó na hora certa e chorar em horas erradas.
Sou mãe e aprendo.
Mais que professora.
E se erro muito.
É que nada, nem manacá, nasce perfeito.
A vida me rega e eu cresço com filho.
E feito passarinho, aqueço o ninho.
E filho cresce comigo.



Para Victor

10/05/09

Tuesday, May 05, 2009

Caduca


De volta ao altar, ergo as mãos
Mas as palavras que me saem, não são preces
Calo minha oração enquanto admiro as rugas que me nascem
E sonho envelhecer nos braços dele
Em seu desvelo, enrolo-me feito novelo
E como em sonho, acendo velas pelo porvir
Lembro as longas e enrugadas mãos de meu avô
Pela manhã rego as mudinhas das plantas
E a palavra de amor, viola o silêncio com um telefonema
E o dia assim amanhece, com promessas claras
E cheiro de bolo frito de tapioca e sal
Mesmo se chove as manhãs são claras
Cheias de esperanças novas
Volto ao altar e ergo as mãos
De puro agradecimento, Deus, é feita minha poesia
Assim, calma, sem estardalhaço
Feito aposta de menino
Mas eu queria mesmo era ter mãos encantadas
Para aparar o intangível do amor que o céu derruba em mim
Aparar e colocar em taças
Servir a quem se achega como de costume
E essa vida que faz pouco caso de ser entendida
É meu valioso dom
E ela não é mais minha e nunca o foi somente
Ela é teia de um fio maior
Tecido dia a dia
Hora em porão de dúvida, outra em despensa cheia de amor
É a velhice que chega ainda tímida
É a vida florindo a graça de quem cresceu.

Alyne Costa
5/05/09

Thursday, April 30, 2009

Será Arte?


Madame Yvonne Landsberg, 1914, oil on canvas, Philadelphia Museum of Art.


Observo passos mudos na neblina
Homens sem rosto
Apenas um cartão com barra de indicação
Será vida?
Será parte?
Será Arte?
Mulheres sem salto.
Vestidos rotos.
Essa casa não é minha.
Essa rua não é minha.
Esse silêncio não é meu.
Me pertence um grito que ainda não lancei.
Um grito de histeria santa.
Um grito de alegria que eu nunca mais vi.
Dois olhos de serpente lacrimejam.
Será sorte?
Será morte?
Será Arte?
Há algo que ainda me locomove de braços erguidos e risos fáceis.
O que me acende e aquece e até comove.
A pergunta que ainda não fiz.
Ando sem pressa e toco em mãos feitas de mármore.
Será verde?
Será ramo?
Será árvore?
E amanhã, mesmo na chuva, sairei...
Serelepe a buscar flores em meio a arranha-céus
Acácias ternas...
Verbenas e tulipas num vale qualquer.
Mas um desenho rabisca minha mente.
Traça pensamentos distantes e inconseqüentes.
Será demência?
Será clemência?
Será Arte?
Um desenho pousa uma nave na flor da minha angústia.
Luzes coloridas nos semáforos.
Casinhas de barro com bacias de alumínio repletas de doze horas.
A pergunta grita.
Será longe?
Será perto?
Será dentro?
Será fora?
A pergunta dança e sapateia em torno de mim?
Será todo?
Será meio?
Será Arte?

Alyne Costa
30/04/09

Tuesday, April 28, 2009

Decifra-me

Eu sou uma sei lá...
Sei cá, sei ali
Sou também o que não sei
Uma não sei quem
Uma não sei o quê
Uma sabe-se lá o porquê
Eu sou a sobra de tudo que passei
Sou a bandeira de todos os recomeços
Sou fêmea, mentira e gema
Sou a partida e a lágrima lambida
Sou o pico do desespero
Sou o pincel e a aquarela
Sou a tinta azul-verde-e-amarela
Sou a caneta e a página em branco
Sou o teclado e a tela
Sou vários links e formatações
Sou o cochilo e o solavanco
A sujeira do pé do mendigo que dorme nú
Sou a calçada e o banco vazio de uma praça
O vestido de Lady Di num leilão
Sou o pássaro e o alçapão
E nas copas das árvores, meu tapete verde
Sou a fome da multidão
Sou a esperança sadia da utopia
Sou a nevralgia e a solidão
E entre o céu azul e o sol que viola o olho que acorda:
Decifra-me

Salvador, 15/03/03
Breve passagem pelas Flores Mortas do Palhaço

Friday, April 24, 2009

Da Conta de Ninguém





A gente ama a quem quiser e pronto.
A gente ama e não escolhe.
A gente ama pela fragância e pela essência, pela barba, pelo duro que a pessoa dá, pelo amor que a pessoa demonstra em olhares, em gestos e em verdade.
E doa a quem doer.
Eu amo e ninguém tem nada a ver com isso, muito menos com o objeto do meu amor.
Já amei e não fui amada.
Já amei e me precipitei.
Já amei e passei meses me embreagando por um amor não correspondido.
O resto a vida me ensinou e não foi soprando não.
A vida me ensinou com muita porrada e talho de estilete.
Me ensinou a amar sem escolher e aquela coisa do pincípio da isonomia (ria quem quiser) eu levo ao pé da letra.
Todos são iguais e pronto.
E, no amor, todos são diferentes.
Eu amo o joanete dele, os mergulhos filosóficos, a bandeira comunista que carrega na alma.
AMO! AMO! AMO!
Òbvio que jamais vou trocar a aprendizagem de um amor desses pela dinastia dos bonitinhos.
Não quero menininho mais não. Blergh!
Quero amor que me leve pra cozinha.
Pra fazer sopa sem gordura pensando em suas artérias.
Ah... Quero quimeras.
Quero esse amor que me acorda fora de hora, que me levanta a bandeira operária e me traz de volta a coragem de reagir.
Amor morno, apazigua, mas não faz crescer.
Quero amor de corpo, carne, alma, foda, verbo, verso, travesseiro entre as cochas, carinho, choro, carinho, medo, carinho, paixão.
E não adianta oposição.
No amor eu sou conservadora.
Amo, amo, amo.
E não é dá conta de ninguém.

Friday, April 17, 2009

CAMINHO


GUSTAV KLIMT



Pode me cortar em lâminas, já não sangro
As antigas dores agora saltam em jorros
Desdobram-se
Multiplicam
E em meu peito já não habitam
Rodopiam pelo externo
E brota em meu caminho um jardim repleto
Flores, cores, canções...
Pode me amarrar de corda, já não movo
Assisto a um desfile de cascatas com águas rubras
Os meus sonhos saltam os precipícios do que não ultrapasso
E se há dúvida, me abraço
Faceira, mineira, feiticeira
O começo sou eu
O fim sou eu
Mas importa, o meio, o ínterim, o caminho.
Que ninguém faz sozinho.
Vamos de mãos dadas e vidas doadas.


Alyne Costa

Thursday, April 09, 2009

Insignificado

Harmony in Red (The Red Room), 1908, oil on cavas, Henri Matisse




Não sei guardar poemas


Não sei organizar


Não sei metrificar


Não sei rimar rima com lima


Escrevo, assim, num canto qualquer de papel de amendoim torrado,


meu verso guardado,


moído,


transmutado.


Jamais insignificado.





Alyne Costa

Wednesday, March 04, 2009

TRIGÉSIMA LEVA DIVERSOS AFINS

Querido leitor,

Celebrando trinta jornadas culturais, a Revista Diversos Afins apresenta outras leituras e expressões. Os traços apontam em múltiplas direções:

- Nos contornos poéticos de Valéria Freitas, Luciano Fraga, Célia Musilli, Alyne Costa, Mônica de Aquino e Lívia Soares

- Numa entrevista com o poeta Antonio Cícero

- Nas feições humanas da arte realista de Mauricio Takiguthi

- Na densidade das linhas de Mariza Lourenço e Roberta Tostes

Outras tantas percepções desfilam aqui:

www.diversos-afins.blogspot.com

Saudações culturais,

Fabrício Brandão & Leila Andrade – LEVEIROS

Sunday, February 22, 2009

Guerreiros da Paz




Salve os guerreiros da luz
Salve os guerreiros da paz
O tapete de cravos brancos que cruza a avenida
E saúda a Rainha do Mar
Odoyá
Filhos de todas as tribos
Gingas de cada lugar
Brilham em prata da Lua
Branco das ondas do Mar
Filhos de Gandhy
Filhos gigantes de Yemanjá
Odoyá
Abram alas
Abram os braços
Abram as mentes
Desatem os laços da dor
Reinam por toda avenida
Com trajes em azul e branco
Agogô, alfazema e colar de contas
Que encantam meninas
São guias de paz e de amor
E seguem serenos, sorrindo
Seus hinos são cantos de paz
Cantados por todas as raças
Cantados por todos os povos
Cantados por todas as línguas
A bênção dos orixás
São filhos de todo esse mundo
Que ainda acredita na paz
E o tapete branco lava a alma
Peles claras e escuras
Dentes alvos e estandartes
Seguem serenos, sorrindo
Gandhys de todas as partes.


Alyne Costa
22 de Fevereiro de 2009


“Tem um mistério que bate no coração, força de uma canção que tem o dom de encantar.”

Friday, February 20, 2009

CARNAVAL

Havia um tempo em que alegria era inocência.
Atrás da máscara a face da verdade.
A sede da liberdade.
Soltando amarras.
Soltando o riso.
Soltando a essência.
Hoje, não há máscaras.
As máscaras são autônomas, perenes.
Hoje a festa busca o capital.
E prende a alegria.
Segrega o riso.
Dilacera a essência.
Mas ainda assim, eis a festa.
Completa.
Real.
Viva!!!
Eis a festa solitária dos que ainda brincam um carnaval.

Alyne Costa
7 de fevereiro de 2002

Friday, February 13, 2009

Porta Jóias

Eva Yerbabuena, bailarina flamenca


Na minha caixinha de música
A bailarina dança mal-assombrada
Nenhuma jóia guardada
Nem sabonete de motel
Na minha caixinha de música
Alguns alfinetes espetam verdades
Antigas cartas de amor
Sonetos que nem me lembrava mais
Letras de velhas canções
Riscos e rabiscos
Poemas eróticos
Alguns botões.
Na minha caixinha de música
Canhotos de filmes
Cheiro de mofo
Frasco vazio de um patchouli
Na minha caixinha de música
Retratos partidos ao meio
Recortes de modelo
Moldes de boa menina
Receitas de vizinhas
Na minha caixinha de música
Há um tempo que ainda não passou
E mora na saudade.
Outro tempo que ainda não veio.
Se dilata em ansiedade.
Na minha caixinha de música
Dobradiças enferrujadas
Veludo devorado por traças
E qualquer coisa que eu ainda ache graça.
Um antidepressivo vencido.
E a melodia que atravessa o tempo.




Alyne Costa



Salvador,13/02/2009

Friday, February 06, 2009

As Diferentes Faces do Amadurecer


Foto retirada do site: http://kerolasaber.blogs.sapo.pt/arquivo/2005_10.html



Aprendo o quanto amadurecer pode nos proporcionar um enriquecimento de vida.


Vida, assim, dividida, sempre nova, fértil, plena, encantadora, mas na qual não podemos apagar as cicatrizes da alma. As marcas das experiências ficam, nos constroem.


Antes eu julgava que o coração criava crostas e íamos nos tornando mais resistentes às emoções: mortes não nos causavam tanto assombro, decepções não nos levavam ao chão, as perplexidades diminuíam e a aventura de estar vivo parecia cada vez menos excitante.


É claro que amadurecer nos torna fortes e isto não tem nada com a quantidade de anos vividos. Amadurecer tem muitas faces.


Amadurecemos muito com os sofrimentos, as perdas, a distância, a saudade, os diversos “pra sempre” e “nunca mais”, mas amadurecemos também com experiências únicas de encontros na vida.


Amadurecer não significa perder o encanto pelas coisas que vivenciamos, antes saboreá-los com menos pressa e mais ternura.


Amadurecer não significa perder a vibração e a magia perante o novo, mas vibrarmos numa outra faixa, com mais responsabilidade pelos nossos sentimentos e pelos alheios.


Amadurecer é a incrível descoberta de um eu profundo e paradoxalmente jovem, novo, sedento de releituras.


Isso porque o nosso olhar muda. Passamos a ver a vida sob uma ótica mais amena, menos rigorosa, mais terna e mais valorizadora dos pequenos encantos do cotidiano, antes quase imperceptíveis.


O amadurecimento pode nos vestir sob diferentes aspectos: filhos, lutos, rompimentos, crises e descobertas. Toda gama de relações e fatos que nos circundam acenam para essa evolução do eu que assim, se descobre, se desnuda, transmuta e cresce. Mas este crescer não tem sentido se é um crescer solitário e silente.


Amadurecer/Crescer significa também ramificar e se abrir, expor ao mundo, ao vizinho, ao amigo, ao colega de trabalho a riqueza de nossas experiências. Isso é saber amadurecer junto, trocando, cedendo, doando parte de sua alma ao mundo, que como cada um de nós também amadurece.


Mas o mundo é outra história e a história é cíclica... Porém, jamais igual. Amadurecer não é virar Mamãe e Papai, Vovô e Vovó... Não é repetir atos, padrões, certezas e regras. Amadurecer é se descobrir: limites e potencialidades. É querer continuar bebendo no pote da vida, mas perder (ganhar) um pouco mais de tempo apreciando o sabor.


Amadurecer é estar aberto sempre, é ter menos “pé atrás”, é aprender a depositar confiança nas pessoas, pois estas são seres humanos e não ciladas. É ir ao encontro do outro menos desarmado já que a vida urge e não viemos ao mundo apenas para guerrear, precisamos também de doçura e de paz.


Amadurecer significa ver encanto nas coisas mais ínfimas, mas que mais nos tocam a alma e nos transformam como seres humanos.


Amadurecer é não só aprender com os erros a não repeti-los, mas, sobretudo perceber que errar é inerente à natureza humana e, assim, devemos ser mais flexíveis com os que erram conosco.


Amadurecer é muito mais que esta maravilhosa descoberta do “eu”... Amadurecer é a deliciosa descoberta do “outro”... E como um dia afirmou Drummond: “Aprendi novas formas de amar e tornei outras mais belas”. Talvez amadurecer seja exatamente a afirmação da necessidade de descobrirmos, inventarmos, pela nossa sobrevivência, novas formas de Amar.




Alyne Costa








Texto também públicado no site: www.somostodosum.ig.com.br

Tuesday, February 03, 2009

Baile

Modigiliani, Red Nude (Nude on a Cushion)1917Oil on canvas Private collection



Quero tudo distante e tão perto
Nada a ponto de arriscar
Cultuo as mais remotas tradições
E de joelhos te rogo um beijo
Prendo os cabelos desejando que os solte
Que os puxe.
Preparo-te amor um alimento, com zelo de mãe.
Panelas ao fogo enquanto pito.
Preparo-te amor a sobremesa.
Preparo meu corpo sem qualquer fadiga.
Hidratante, creme dental, calcinha nova.
Preparo-te os aposentos e espirro perfume.
Sobre os travesseiros, alecrim.
Preparo-te uma noite sem assombros.
Sem notícias, sem celular.
Preparo o meu sexo.
Como se prepara um carinho.
Te acerca de mim que a noite é calma.
E sonho meus galopes no infinito de nós dois.
Me pega no colo que ainda sou criança.
Faz-me brinquedo e ri dos meus calundus.
Preparo-te canções de amigo.
Que a noite é tua.
Tira-me pra dançar?