Thursday, April 30, 2009

Será Arte?


Madame Yvonne Landsberg, 1914, oil on canvas, Philadelphia Museum of Art.


Observo passos mudos na neblina
Homens sem rosto
Apenas um cartão com barra de indicação
Será vida?
Será parte?
Será Arte?
Mulheres sem salto.
Vestidos rotos.
Essa casa não é minha.
Essa rua não é minha.
Esse silêncio não é meu.
Me pertence um grito que ainda não lancei.
Um grito de histeria santa.
Um grito de alegria que eu nunca mais vi.
Dois olhos de serpente lacrimejam.
Será sorte?
Será morte?
Será Arte?
Há algo que ainda me locomove de braços erguidos e risos fáceis.
O que me acende e aquece e até comove.
A pergunta que ainda não fiz.
Ando sem pressa e toco em mãos feitas de mármore.
Será verde?
Será ramo?
Será árvore?
E amanhã, mesmo na chuva, sairei...
Serelepe a buscar flores em meio a arranha-céus
Acácias ternas...
Verbenas e tulipas num vale qualquer.
Mas um desenho rabisca minha mente.
Traça pensamentos distantes e inconseqüentes.
Será demência?
Será clemência?
Será Arte?
Um desenho pousa uma nave na flor da minha angústia.
Luzes coloridas nos semáforos.
Casinhas de barro com bacias de alumínio repletas de doze horas.
A pergunta grita.
Será longe?
Será perto?
Será dentro?
Será fora?
A pergunta dança e sapateia em torno de mim?
Será todo?
Será meio?
Será Arte?

Alyne Costa
30/04/09

Tuesday, April 28, 2009

Decifra-me

Eu sou uma sei lá...
Sei cá, sei ali
Sou também o que não sei
Uma não sei quem
Uma não sei o quê
Uma sabe-se lá o porquê
Eu sou a sobra de tudo que passei
Sou a bandeira de todos os recomeços
Sou fêmea, mentira e gema
Sou a partida e a lágrima lambida
Sou o pico do desespero
Sou o pincel e a aquarela
Sou a tinta azul-verde-e-amarela
Sou a caneta e a página em branco
Sou o teclado e a tela
Sou vários links e formatações
Sou o cochilo e o solavanco
A sujeira do pé do mendigo que dorme nú
Sou a calçada e o banco vazio de uma praça
O vestido de Lady Di num leilão
Sou o pássaro e o alçapão
E nas copas das árvores, meu tapete verde
Sou a fome da multidão
Sou a esperança sadia da utopia
Sou a nevralgia e a solidão
E entre o céu azul e o sol que viola o olho que acorda:
Decifra-me

Salvador, 15/03/03
Breve passagem pelas Flores Mortas do Palhaço

Friday, April 24, 2009

Da Conta de Ninguém





A gente ama a quem quiser e pronto.
A gente ama e não escolhe.
A gente ama pela fragância e pela essência, pela barba, pelo duro que a pessoa dá, pelo amor que a pessoa demonstra em olhares, em gestos e em verdade.
E doa a quem doer.
Eu amo e ninguém tem nada a ver com isso, muito menos com o objeto do meu amor.
Já amei e não fui amada.
Já amei e me precipitei.
Já amei e passei meses me embreagando por um amor não correspondido.
O resto a vida me ensinou e não foi soprando não.
A vida me ensinou com muita porrada e talho de estilete.
Me ensinou a amar sem escolher e aquela coisa do pincípio da isonomia (ria quem quiser) eu levo ao pé da letra.
Todos são iguais e pronto.
E, no amor, todos são diferentes.
Eu amo o joanete dele, os mergulhos filosóficos, a bandeira comunista que carrega na alma.
AMO! AMO! AMO!
Òbvio que jamais vou trocar a aprendizagem de um amor desses pela dinastia dos bonitinhos.
Não quero menininho mais não. Blergh!
Quero amor que me leve pra cozinha.
Pra fazer sopa sem gordura pensando em suas artérias.
Ah... Quero quimeras.
Quero esse amor que me acorda fora de hora, que me levanta a bandeira operária e me traz de volta a coragem de reagir.
Amor morno, apazigua, mas não faz crescer.
Quero amor de corpo, carne, alma, foda, verbo, verso, travesseiro entre as cochas, carinho, choro, carinho, medo, carinho, paixão.
E não adianta oposição.
No amor eu sou conservadora.
Amo, amo, amo.
E não é dá conta de ninguém.

Friday, April 17, 2009

CAMINHO


GUSTAV KLIMT



Pode me cortar em lâminas, já não sangro
As antigas dores agora saltam em jorros
Desdobram-se
Multiplicam
E em meu peito já não habitam
Rodopiam pelo externo
E brota em meu caminho um jardim repleto
Flores, cores, canções...
Pode me amarrar de corda, já não movo
Assisto a um desfile de cascatas com águas rubras
Os meus sonhos saltam os precipícios do que não ultrapasso
E se há dúvida, me abraço
Faceira, mineira, feiticeira
O começo sou eu
O fim sou eu
Mas importa, o meio, o ínterim, o caminho.
Que ninguém faz sozinho.
Vamos de mãos dadas e vidas doadas.


Alyne Costa

Thursday, April 09, 2009

Insignificado

Harmony in Red (The Red Room), 1908, oil on cavas, Henri Matisse




Não sei guardar poemas


Não sei organizar


Não sei metrificar


Não sei rimar rima com lima


Escrevo, assim, num canto qualquer de papel de amendoim torrado,


meu verso guardado,


moído,


transmutado.


Jamais insignificado.





Alyne Costa