Saturday, October 24, 2009

Para nunca Esquecer - Herman Hesse

"Para que resulte o possível deve ser tentado o impossível."

Herman Hesse


Um mergulho na obra de Herman Hesse é inquestionavelmente aprofundar-se na condição humana. E ao retornar à superfície nos defrontamos com um novo ser. Quer pelo humanismo ou pelo espiritualismo, a obra de Herman Hesse, como todo gênio literário, não apenas marcou gerações, mas atravessou a temporalidade consubstanciando-se numa obra para a humanidade.

A vida do escritor está de certa forma fotografada em sua obra. Suas vivências assinam sua literatura, atuando como divisor de águas. Talvez o adolescente rebelando-se contra a vocação imposta pelos pais nasce em Demian e Peter Camenzind. Ao desvencilhar-se do que foi imposto e, abandonando os rumos traçados pela família, em busca de um outro mundo o Autor que não foge (“Nenhuma dor justifica a fuga”), enfrenta as dilacerações de uma alma adolescente e desenha em sua obra a dor do adolescente de todos os tempos, sua sede de sonhos, suas ânsias e buscas, sua excentricidade , sua fome de exageros e sua necessidade de fantasias.

Jovens que um dia se viram na obra de Hesse, recomendam-no a seus filhos quando percebem nestes a dor da condição do adulto que nasce, para que estes possam também compreender, já que esta dor ninguém anestesia com exceção da própria vida e do passar do tempo. Assim, se não é equívoco dizer que a obra de Hesse, em especial O Lobo da Estepe, marcou a geração da década de 60 é mais acertado concluir que ela atravessou o tempo, tocando as almas de pais e filhos e habitando para sempre os que nela se encontraram e recuperaram suas almas.

Recentemente um post do “twitter” Carlinhos Andrade chamava atenção ao fato que ter relido conforme lhe recomendaram a obra Lobo da Estepe aos 50 anos, vira que de repende havia “caído a ficha”. Exemplo da força e da presença deste Autor que deixa claro em seu conivite: Só para raros, só para loucos.

Mas se a obra de Hesse dilacera almas, acompanhando a evolução do Autor, mergulhamos em rio suave ao lermos Sidarta, quando numa fase mais espiritualizada o Autor nos convida a um mergulho mais íntimo na nossa plenitude existencial.

Talvez isto justifique uma orelha de uma das edições de uma obra do nosso Autor: É preciso que o Autor se queime no fogo de O Lobo da Estepe para depois mergulhar nas águas de Sidarta. O que analisar de um Autor cuja obra se desdobra em diferentes posturas e que atinge a glória de quem soube entender a loucura em Knulp. É, sobretudo, compreende as contradições do próprio Autor que afirma acerca da contradição de sua natureza humanista: “Estou me contradizendo? Muito bem, estou me contradizendo... Contenho multidões!”

E que multidões carrega este Autor? Toda a humanidade, desde a gênese ao caos, à dor do preconceito, da intolerância religiosa, do desrespeito aos loucos aprisionados nos grilhões de manicômios com todos os seus rótulos, do ocaso da existência ao ter presenciado uma guerra. A obra do Autor brinda a humanidade ao contar-lhe a história da própria humanidade, aquela que se busca em páginas de sebos e aquela que há tempos se perdeu.

Um homem me recomendou a leitura de Herman Hesse não para que uma lenda encravasse em minha alma, mas talvez para que eu entendesse o que de humano trago em mim e o quanto me veria em sua obra, ao passo que aprendia acerca da condição do ser humano em face da sua humanidade.

Senhor da consciência de “possuir em seu DNA a história da humanidade”, Herman Hesse brindou à humanidade uma obra capaz de ofertar-lhe sempre uma doce lição. Um lição de perplexidade em face do antagônico, de serenidade frente a inexorabilidade do tempo e de coragem para a necessidade de emergir uma nova forma de se entravar a condição humana. Uma obra que, recheada de fantasia, mistério e amor à vida, pede que sempre seja relida.


Alyne Costa

Salvador, 24/10/09

Friday, October 16, 2009

A Menininha do Vestido Vermelho



Na infância olhamos o mundo com inocência e sonho. O medo é mais medo, a dor é mais dor, o riso é um riso que não quer parar mais e o doce é mais gostoso que colorido.


São nossas primeiras reações perante o mundo que nos parece desmesuradamente grante. O Japão é tão longe e tá embaixo do nosso pé.


A emoção se acumula, ainda que momentânea no peito. Um abafo cresce aliado à uma plena sensação de impotência que faz com que coloquemos a solução nas mãos do adulto mais próximo: e aquele adulto vira um super-herói que não pode falhar.


Lembro-me que aos 5 anos fiz uma viagem com meu pai ao interior. De ônibus, eu e ele. Próximo às nossas poltronas havia outro pai que também viajava com sua filhinha. Ela também de 5 a 6 anos, cabelinho claro, liso e com laço, vestidinho vermelho e sapatinho com meias brancas. Era a versão humanizada da boneca que eu queria ter.


Chegamos a uma cidade qualquer e seu pai desceu. Ela dormia... Eu não, acompanhava cada movimento de face da minha boneca em forma de gente. Meu pai lia algo e de vez em quando tentava me fazer dormir. Mas o ônibus saiu da cidade e o pai da menininha não voltara. Fiquei muda, apavorada e solidária com a garota que, dormindo, nem dera por falta do seu paizinho. Um sufoco enorme tomou meu peito.


Aquilo podia estar ocorrendo comigo. Ficar só, sem conhecer ninguém. E se o pai dela havia a deixado de propósito? Não consegui falar nada, nem comunicar a meu pai, certas coisas que as crianças não entendiam, os adultos achavam perfeitamente normal. Enquanto isso ela dormia, nem sonhava com o risco do abandono. E meu coração apavorado perguntava o que ela faria ao acordar.


Foram dez minutos de agonia, até que o ônibus parou e o pai dela entrou atormentado. Havia por meio de um táxi alcançado a condução já na estrada. Colocou no colo a criança que ainda dormia. Era o herói da garotinha. Ninguém notara a ausência daquele homem. Só eu sofrera aquela angústia muda, chorei temendo o destino daquela menina.


Meu pai também era um herói, mas só percebeu o fato quando o homem readentrou o veículo. Acabei dormindo e não vi a menininha de vestidinho vermelho e laço nos cabelos descer do ônibus em sua cidade destino. Mas ela permanece viva na minha lembrança de infância, idêntica à boneca que eu mais sonhava e que deveria ter mais ou menos a minha idade. Fazia tudo que gente de verdade fazia.


O sono da garota na ausência do pai parecia um zêlo de anjo guardião. E eu permaneci acordada durante aquele episódio, preenchido de medos e suposições tão típicas do imaginário infantil. Permaneci acordada e obtive a minha primeira lição de solidariedade.



Alyne Costa

1998, para meu Pai Roberto, que só me conduziu por caminhos de aprendizagem.

Wednesday, October 14, 2009

Camaleão


Ontem lembrei dos lambe-lambes e dos camaleões da Piedade. Sumiram. E me lembrei dessa música de Caetano.

Acho que vou desenhar camaleões...




Rapte-me Camaleoa

Caetano Veloso


Rapte-me camaleoa
Adapte-me a uma cama boa
Capte-me uma mensagem à toa
De um quasar pulsando lôa
Interestelar canoa...

Leitos perfeitos
Seus peitos direitos
Me olham assim
Fino menino me inclino
Pro lado do sim...

Rapte-me
Me adapte-me
Me capte-me
It's up to me
Coração
Ser querer ser
Merecer ser
Um camaleão...

Rapte-me camaleoa
Adapte-me ao seu
Ne me quitte pas...