Saturday, December 25, 2010

O Menino e o Carrocel



POR ONDE PASSA A CANDURA DO TEU OLHAR
DESPERTAS MEU SORRISO COMO UM RIO QUE CORRE PRO MAR
ME SENTO MUDA, RECOLHIDA NO MEU ÍNTIMO SOPRO INFANTIL
NESSE MEU PEDAÇO DE BEM QUERER!
ESSE, QUE A GENTE OCULTA, MAS TEME PERDER.
OLHO SUAS HÁBEIS MÃOZINHAS DESLIZAREM SOBRE O PAPEL
TINTA, ALGODÃO-DOCE, SORVETE, CARROSSEL...
EU TE VEJO MENINO E JÁ CAMINHAS SOBRE AS NUVENS, ESCUTANDO A VOZ DO VENTO, CRIANÇA COMO TU.
E, ASSIM, COMO UM CARNEIRO ARREDIO, NÃO ESCUTAS A MAIS NINGUÉM...
E EU ME CALO, ABUTRE QUE SOU, ESTARRECIDA QUANDO TE ARRANCO UM NÃO...
E ME ENTORPEÇO VENDO A INOCÊNCIA BAILANDO LIVRE EM SEU CORAÇÃO

ALYNE COSTA
SSA, 29.07.91 PARA MEU IRMÃO RAFA, NOSSO TELENGO-TENGO

Tuesday, December 21, 2010

Contrabaixo


Era só o contrabaixo e a estrela russa que bailava nua.
Solitário na orquestra, pedias um maestro com asas de metal.
E me acordava o barulho do metrô em construção.
Algum espectro ou assombração.
E na avenida carnavalesca que ainda acordava:
Os passos do all star acompanhavam uma gringa qualquer. Sem rebolado.
Palavras em alemão me levaram à janela.
Podia ser um bilhete de loteria, mas era triste e eu via.
Não, não era triste, era sincronicidade.
Era carnaval acordando a cidade.
O contrabaixo agora fazia a melodia no meu coração.
E eu perguntava pela lágrima que não vi de Tereza.
Teria partido de avião ou navio?
As mãos de Tereza tinham rugas frias.
E seu sorriso não dançava valsa.
Amei teus segredos, dissimuladamente...
As tantas histórias.
A gramática rica.
Naquele tempo a minha magreza superava a de Tereza.
Tereza, tristeza que eu nunca compreendi.

Salvador, 21 de dezembro de 2010
Alyne Costa, para Victor Hugo da Rocha

Saturday, December 04, 2010

O Preço da Prudência



Hoje a minha inspiração foi visitada pela prudência... Inúmeras vezes na vida pagamos o preço da nossa imprudência que parei para avaliar o que não pagaremos por sermos excessivamente prudentes?
Desde criança somos brindados com prudentes conselhos dos adultos responsáveis por nossa saúde e bem estar: não ande descalço, não fique no sereno, cuidado com a chuva, saia do sol, e outros, escandalosamente, desarrazoáveis como não tome leite que você acabou de chupar manga, não corra porque você está menstruada...
O universo feminino sem dúvidas é bem mais tolhido por este excesso de zelo que o masculino, mas a prudência cerceia homens e mulheres sem distinção.
Não quero aqui um manifesto à irresponsabilidade. Não. Canja de galinha é saudável sim!
Falo é de quando prudentes demais, econômicos demais, responsáveis demais, deixamos de voar, sonhar, arriscar e assim avançar.
A prudência é uma virtude, mas nenhuma virtude é para fincar-nos ao chão feito árvores. Conheço uma senhora tão prudente com a internet que está perdendo a oportunidade de conhecer a mais dinâmica forma de comunicação do mundo moderno e se privando de ter acesso às maiores galerias de arte do mundo.
Julgando estar sendo “prudente” e evitando ter problemas com sua privacidade, uso irregular de seus dados pessoais, está sendo na verdade preconceituosa com o que desconhece e covarde em enfrentar o mundo novo que se descortina.
Ainda ontem lendo uma manchete de um importante jornal vi que a criminalidade estava levando o medo a nível epidêmico, pois mais de 70% da população sofria de medo o que prejudicava a convivência.
Prudentes, atrás de grades, câmeras, seguranças, pouco a pouco o homem se esconde do homem, tem medo do homem, vai se esvaziando, se esvaindo, se perdendo na sua solidão, trancafiando-se na sua angústia.
É o preço que se paga. Me lembra um livro que li na oitava série intitulado “Bóia, Boi, Bang!”, cuja autoria me escapa a memória e que narrava num trecho: “Metade da humanidade não come e a outra metade não dorme com medo da que não come!”
A nossa prudência já não acalanta o nosso medo. E o excesso de prudência apenas nos mutila os potenciais.
Como um dia cantou o já saudoso poeta Damario Dacruz:

“Tristeza que não vamos por medo dos caminhos...”

Alyne Costa
4/12/2010

Lousa



Hoje me visita uma espécie de prudência.
Como se tivesse febre do seu aconchego e me chamassem Rúbia.
Como se trocada a identidade eu fosse uma nova fábula.
E no fundo do boteco, violinos e oboés, evocassem uma anunciação.
E, talvez, me chamassem Maria Tereza, só para dar as mãos um pouco mais de firmeza.
Para dar aos passos trôpegos, alguma destreza.
E, talvez, certeza, aos novos caminhos.
E eu, vôo e vou, passarinho, sozinho.
Bicando-flor, Joana de Barros, De Moura:
Amarro o laço dos sapatos.
Só pra não tropeçar.
Mas permito quedas novas.
Que vida, Dona Sem Nome e Sem Sobrenome, é de remendo e cicatriz.
E assim, se faça aprendiz.
Refaça-a sempre, na lousa com giz.

Alyne Costa
4/12/2010

Saturday, November 20, 2010

Vôo Livre



Eu não sei esse idioma, confesso.
E, assim, meu sorriso finge entender
Aquilo que já não se faz segredo
E nessa avenida da vida tantas vezes enfeitada
Há cores do que não me comove mais
Mais em um canto surge uma lágrima muda
Uma lágrima santa que grita: Absurdo!
É a solidão de uma lágrima única.
E todo silêncio cresce ao redor.
Silêncio de fêmea que traz nas entranhas da alma uma indignação sufocada.
Sem alarde.
Discreta e morna.
Que assombra os sonhos da mulher.
E essa indignação passeia calmamente por jardins encantados.
Joga runas, ri alto do que não tem mesmo jeito.
O desespero é a matriz dos fracassos.
E mulher foi feita sob encomenda para sagradas esperas.
E assim ela assiste ao mundo.
Ela gira.
Ela gera.
Ela faz fibra da vida e transmuta.
Desespero é redoma de sofrimento.
Mulher cresce quando abraça o vento.
E voa livre muito mais feliz.

Alyne Costa
20/11/2010

Thursday, November 04, 2010

Terapón



Com ela aprendi significâncias e significados...
Aprendi que terapeuta é quem caminha junto. Depois descobri que este caminhar ao lado é por um tempo, depois a vida dá um jeito da gente ir sozinho.
E foi assim no que eu descreveria como um inesperado salto de paraquedas: Salta! Agora é com você. E você tem a obrigação de sobreviver.
Não tivemos tempo de preparar despedidas, de tomar sequer um café naquela cafeteria que tanto gostamos.
Não vivi o luto, não digeri, foi literalmente uma despedida por decreto que nós mulheres muito ladinas entendemos porque sabemos que murro em ponta de faca na melhor das hipóteses gera corte e cicatriz e isso lá no fundo não é melhor pra ninguém.
Mas não posso deixar de ponderar a força da passagem dessa mulher em minha vida, de suas lições e do quanto ela se faz presentes em coisas que tempo, vento, decreto nenhum apaga.
Com ela eu perdi o medo. Medo das paredes da minha casa. Medo do que era meu. Medo dos meus talentos e sonhos. Medo da língua alheia, medo de futrica e de maldade. Com ela eu perdi o medo de ser eu!
Com ela aprendi a assumir meus erros, a pagar o preço deles, a recomeçar, a passar mil vezes pela mesma rua, cair mil vezes no mesmo buraco até um dia desviar o buraco para finalmente descobrir um novo caminho bem diferente daquele por aquela rua.
Com ela eu driblei a oposição e assumi guiada pela luz imensa do meu coração o homem que eu amo e pude então viver pela primeira vez um relacionamento a dois com respeito e amorosidade.
Aprendi a não falar com quem eu não queria, a não sentir culpa por isso, a não deixar minha criança fazer ciranda na hora errada.
Comigo ela já riu, chorou, deu lenço para secar minhas torrentes de lágrimas e me deixou ir apostando na vitória.
Quando eu penso nela eu choro. De orgulho, de saudade e respiro fundo... Bem fundo e entro no meu mundo. Penso que nem sempre importa o que pedimos na vida, vale mesmo o que a vida nos dá e é esse nosso brinde, o que fazemos com ele o significado do nosso caminho.
Para Sônia Nogueira
Alyne Costa
4/11/10

Wednesday, November 03, 2010

Meu Machão



Devia estar na casa dos seis anos quando o ganhei de presente. Era de plástico e imóvel. Usava uma camisa vermelha de mangas compridas onde estava escrito “MACHÃO”, assim mesmo em maiúsculas e possuía a genitália desnuda em contraste.
Foi presente de Tia Marta, sempre provocativa com os sobrinhos. Devo ter ficado rubra a princípio com o presente. Eu acostumada com bonecas bem comportadas ter que lidar com aquele intruso de piroca de fora no meio delas.
Mas achava muito legal aquela camisa vermelha e a palavra “MACHÃO”. Não tivesse ele as pernas grudadas eu juro que lhe arrumava umas calças cumpridas.
Tia Marta ficou muito tempo por perto assistindo minhas reações com o Machão, devia estar se divertindo com meu constrangimento e até brincou comigo, dando vozes e falas ao boneco, entrosando no meio dos outros brinquedos e eu comecei a ganhar intimidade.
Em muito pouco tempo Machão já havia virado o rei do pedaço. Disputado por todas. Era marido de um, amante de outra. E meu reino infantil havia se transformado num mini brega. Eu brincava com muita cautela para não deixar nenhum adulto perceber o potencial de Machão, mas ele havia se tornado uma espécie de atrativo.
Machão ganhou fama e todas as visitas da casa queriam vê-lo. Não sei quem espalhou o boato. No fundo, no fundo, queriam ver o pinto de Machão. Vinham as amigas da minha tia, os rapazes da república pretendente daquelas... Machão era um sucesso. Mas o que ele aprontava mesmo ninguém sabia.
Tia Marta volta e meia aparecia para brincar um pouco, mas ela sequer imagina o que provocou. Meu bonequinho de plástico me iniciou no reino das fantasias. Machão foi meu primeiro símbolo sexual.
Alyne Costa
SSa, 3/11/10

Monday, October 11, 2010

Banho de Cachoeira


Ando com nervos em êxtase
Tão sem saco que nem esmalte de unha quero tirar...
E quem precisa de um crime de novela?
Basta o debate dele com ela.
Bastam os novelos que a vida revela...
Não acredito em manchetes de jornais.
Prefiro o absurdo que ninguém é capaz.
Ficar muda e captar sinais.
Encontrar ET’S em Minas Gerais.
Eu sinto sede, eu tenho cisma, eu sinto sono.
Eu perdi a hora, eu perdi o ritmo, eu perdi o rumo.
Eu não me emendo, eu não me entendo, eu não me aprumo.
Não lavo a loça, já não sou moça e nem me arrumo.
Meu time perdeu, meu dente doeu, meu filho cresceu.
Não rôo unha, mas como a cutícula.
Me apareceu uma pedra na vesícula.
Tô que nem Tiririca: Pior não fica.
Já não tenho medo, mas guardo segredo.
Uma parte de mim apodreceu.
A outra parte amadureceu.
E uma mulher se edificou.
Inteira e apesar das cicatrizes, colhe flores e serenidade.
O futuro é um navio sem rumo certo.
Quero um banho de cachoeira.

Salvador, 11/10/10, Alyne Costa

Saturday, July 24, 2010

Aprendizado


Gustav Klimt

Em nossos olhares um estranho ballet de reminiscências.
De dúvidas são feitas o Amor.
No porão das minhas angústias não há mais nenhum medo.
Nenhum sigilo ou segredo.
O cofre de minh’alma arrombado.
Vísceras expostas, saudades mutiladas.
Meias-verdades inacabadas.
Estou triste. Só isso.
E sei como bem vinda é a alegria.
Mas permaneço triste.
Essa tristeza que parece até edificar a vida.
E que, como troco, lhe dá algum sentido.
Logo, logo ela passa e volto a ver meninas com tranças dançando na chuva.
Mas deixa eu vivê-la: errado ou certo, aprender com ela.
Deixa ela escorrer em minhas lágrimas mudas até o final.
Logo amanhecerei sorrindo, cantando, dançando e feliz.
É que dessa tristeza eu sou aprendiz.

Alyne Costa, Julho de 2010

Thursday, June 03, 2010

A Esperança e As Caravelas


Blue Nude II Henri Matisse

Por entre avenidas e flores
Meu ressentimento primeiro
Holofotes anunciam guerras
E meu canto sereno apenas pede: Paz
As minhas lágrimas mudas molham as calçadas
E um vendedor de balas distraído anuncia uma alegria fugaz
Sozinhos meus passos seguem em paz.
Em busca de um caminho que já não me lembro mais.
Pouco importa, tanto faz.
A fria indiferença ante anúncios de jornais.
Aqui jaz a vida: mutilada, esquecida.
Também se foi a crença e um bocado da fé.
Esperança, teu nome é de mulher.
Possuis em teu ventre o dom de gerar.
Tecelã do fio da vida: borda um novo amanhã.
Com meninos brincando em carrinhos de rolimã.
Vai, analfabeta e aprendiz, bailarina ou atriz.
Rabisca um mundo novo no quadro de giz.
Reconstrói e apaga de uma vez quanta atrocidade persistir e surgir.
Faz com sua delicadeza um mundo com poesia de Gentileza.
Em que a gente não sucumba ante à dor e à vil esperteza.
Traça em sua tela um mundo de novas caravelas.
Descobridoras de novos corações e talento.
Bane de uma vez o lamento.
E agasalha meu sonho, de menina e de mãe.

Alyne Costa
Junho de 2010

Tuesday, May 25, 2010

Minha Terra É O Mundo




Sou de tantas terras que já nem me lembro mais...
Terras de paus-brasis, Caetités, Igaporãs e Serras Gerais.
Sou da porção que cabe, neste latifúndio de mundo,
Cada qual no seu pedaço...
No seu cantinho de mundo.
Eu sou de tudo que é lado que é feito de cantoria,
Onde meu peito rebenta, chora de pura alegria.
Eu sou de qualquer lugar e feita de qualquer sorte.
Sou flor na invernada e alforria na morte.
Sou preguiçosa e sem rumo, uma cabeceira de rio que depois escorre manso:
Pra assombrar num vazio de uma cachoeira alta.
Sou moça já nos quarenta.
De quarentena da vida.
Por isso pergunte de onde vim:
Do vente de minha mãe e do prazer de meu pai, mas nunca de onde sou.
Sou apenas de onde estou:
Uma labareda acesa:
Ora riacho, noutra correnteza.
Que essa vida, amiúde, é feita de muita aspereza.
E se nasci d’um grito profundo :
Minha terra é o Mundo!

Alyne Costa
23/05/10

Wednesday, May 19, 2010

Poetas Anônimos


Somente tua alma foi dilacerada.
Pouco importa tuas contas dadas.
Regras, leis, CLTs, anúncios de jornal...
És sempre o culpado. Há os que amem os poetas anônimos, os que se rasgam e não se entregam...
Há também aqueles que só te consideram enquanto poetas íntegros: que se dilaceram...
Há os que esperam suas vestes rasgadas,
Suas noites insones...
Seus versos dobrados sob o papel.
Aí, eis poeta!
Com chances, passaportes, canudos...
Flores, belas vestes, escudos...
Das suas dores ninguém quer saber, poeta!
Ela e sua e só a ti pertence!

O apogeu de todo mal.
Que importa o que importa se não pagastes a conta?
O sanatório?
A exoneração?
A aposentadoria por invalidez?
Não pagastes a mensalidade da filha da filosofia....
A mãe de tua agonia.
E agora poeta?
Para que comprastes brigas?
Para ouvir a lei mais rica de quem se corrompe ao mal?
Vai, poeta, cala-te, agora....
Paga tua conta e vai embora....
Entender e a veia matriz do maior mal.
E já que não tens dinheiro, vendas canções de fevereiro.
Massagens embaixo do chuveiro.
Faz propaganda enganosa.
Vai poeta, feito em riso e prosa.
Esquece as lágrimas vãs...
Vá aos bréus do coachar das rãs...
Finges que ris e coachas, a dor do que não foi par perfeito.
Chora pelo que lhe é de direito.
Grilha feito grilo, coacha feito rã...
Vai poeta timoneiro, acende na tocha uma nova manhã...
Paga a conta e some do mapa....
Esquece setas e rumos....
Segue amanhã que amanhece e o sol que, de graça, aquece....
Teu poema não requer timoneiro...
Seu verbo não tem tesoureiro...
Paga, poeta a última taça.
Arregaça a manga e ameaça.
Abraça a vida como sua.

Alyne Costa
Maio de 2010

Friday, May 07, 2010

Aviso da Lua Que Menstrua


Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos..
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!

Elisa Lucinda

Saturday, May 01, 2010

Cortinas

Porque eu talvez tenha me dividido em viver o que não havia ainda vivido.
E antecipado o tempo, feito flor de ressentimento.
E porque muitas vezes visito o passado, criando afeto feito gado.
E porque lembro bem dos meus tempos de criança, sempre me surge esperança.
Quando eu já não agüento mais.
Me lembro dos tempos em que meu avô partia melancia:
A faca em sua mão desenhando as talhadas...
Eu sempre ganhava o miolo: a parte mais doce e suculenta.
Meu avô assim, me abria as cortinas da vida.

Alyne Costa
1/05/10

Saturday, April 03, 2010

Nunca se sabe se um anjo está no começo ou no fim da fila...


Acredito mesmo que de pequenos gestos ou posturas mentais podemos abreviar caminhos e atrairmos situações.
Gentileza e cordialidade nada nos custam, mas podem e como enriquecer nossas vidas e as que com elas se entrelaçam.
No meu trabalho lido diuturnamente com pessoas com determinados tipos de problemas a serem resolvidos. São estas pessoas que ao pagarem impostos, pagam também meu salário e, ciente que devo atendê-las, orientá-las e encaminhar a resolução de seus problemas optei por tornar este momento mais leve, para as duas partes.
Certa ocasião, uma pessoa me questionou:
“_ É assim todo dia? Como é que você agüenta ouvir tanto problema?”
Apenas respondi:
Alguém tem que ouvir!
Inúmeras vezes o que a pessoa apenas precisa é ser ouvida. Não que eu seja um exemplo sublime de paciência. Decididamente não o sou. Mas acredito mesmo que se você conseguir ouvir, dar um sorriso, olhar para a carteira de identidade do cidadão, fazer uma pergunta sobre sua cidade natal, dizer um elogio sincero à sua caligrafia, você estabelece um outro parâmetro de relação e a tarefa de ouvir que para muitos poderia ser um estorvo, se torna leve e enriquecedor.
Saber ouvir o outro, olhar nos olhos, sorrir sincero não custa nada, afinal como cantou o sábio Gonzaguinha: “Cada pessoa sempre é a marca das lições diárias de outras tantas pessoas.”
Quarta-feira a tarde meu filho me acompanhou à médica. Na saída precisei passar no banco para tirar o dinheiro para ele assistir ao jogo do Vitória. Ao entrar no banco havia uma fila. Imaginei que a fila havia se formado por estarem alguns dos caixas-eletrônicos com defeito. E permaneci na fila até perceber que uma garota se aproximou de um dos dois caixas eletrônicos e só então questionei para uma funcionária qual o destino daquela fila e ao ser informada que era para pessoas com dificuldade em lidar com o terminal eletrônico, me retirei e aguardei em direção aos caixas eletrônicos que estavam operando normalmente.
Poucos instantes depois um senhor se aproximou e me perguntou:
“-Esta fila é para que?”
Respondi:
-Depois de alguns minutos nela sem saber descobri que é para as pessoas que vão utilizar os caixas eletrônicos com auxílio da funcionária do banco.
Ele abriu um sorriso enorme e me disse que aguardaria sua vez atrás de mim.
Como ele trazia um livro grande sobre o braço, perguntei curiosa:
-Este livro é uma bíblia?
Ele me respondeu:
“_Sim, é uma bíblia, é sempre conveniente trazermos um bom livro às mãos, principalmente quando não sabemos o momento em que enfrentaremos filas.”
Ao observar o sorriso largo e a gentileza daquele senhor, eu comentei alegremente:
-Seu sorriso é igual o de meu primo Claúdio.
Ante a informalidade de meu comentário, ele apenas me perguntou:
“_ E esse Claúdio é gente boa?”
Respondi com toda minha sinceridade que era gente muito boa!
Ele sorriu agradecido.
E eu sai do banco sorrindo com a clara certeza que havia encontrado um anjo.

Alyne Costa 3/04/09

Sunday, March 14, 2010

Aflição


Rio de Contas - Ba


As questões que me trazem não me remetem a nenhum absurdo.
São questões apenas para os gênios que desistiram de amar...
Mas aprendo a conviver com elas e me permito a redemoinhos d’alma.
Sumo...
Fico distante.
Dispersa, para ver melhor.
Apreendo os segredos de tuas rugas.
E, na saudade, cheiro a essência em tuas vestes.
É que isso que chamam de Amor não é lá coisa de ciência.
É coisa simples de se viver com consciência.
E entre o Amor e as questões que me trazem.
Prefiro apenas muda o Sentir.
Porque tuas questões pertencem a ti.
A mim, pertencem as dúvidas que sequer nasceram,
Ou ainda verdes, pedem...
Aguardam o estio ou a tempestade para desabarem todas.
São como frutos de tudo que não respondi.
Das vezes que me calei e de outras que gritei ao infinito.
Essa coisa de quaresma me deixa mesmo em pleno estado de aflição.
E, aflita, viajo a templos que não te são permitidos.
É que essa coisa de Amor não precisa de definição.

Alyne Costa
14/03/09

Monday, March 01, 2010

Carta do Cacique Seattle


Carta do cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, a Franklin Pierce, presidente dos EUA, em 1854

A carta

“O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d’água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.”

Monday, January 11, 2010

Eu Quero a Esperança!


“Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.”
Cecília Meireles (Meu Sonho)


O que esperar de um ano que começa?
Lembro de um poema de Drummond: “Quero ver o mundo começar a cada começo de Janeiro como o jardim começa da imaginação do jardineiro.”
Quase todo começo de ano vem assim: votos de felicidades, listas de planos ainda que nem sejam traçadas no papel, e-mails a amigos queridos, distantes ou não, perdões, reflexões, quebras de antigos paradigmas... A gente queria na verdade era nascer de novo...
Nascer de novo não é tarefa impossível, principalmente para os que têm alma de poeta.
A gente pode optar por renascimentos diários quando escolhemos adentrar no nosso próprio ritmo, nossa capacidade de reinventar-se, de desenhar novas janelas e abri-las para a vida.
Dedicar atenção aos pequenos gestos, aos detalhes dessa vida rica, bela, com um sol que nasce e morre para que possa aparecer a lua. E se há tempo nublado, turvo que nos impeça de ver a vida assim, podemos recorrer a tinta e pincel e pintar a vida com cores que nós mesmos escolhemos.
Os dias podem começar com manchetes de jornal, mas estas bem que podem ser acompanhadas por um belo poema de Quintana... Viver requer dieta de alma, precisamos começar a vida de cada dia nos nutrindo de coisas raras como o vinho tal como a Esperança.
Elis Regina com sua maestria cantou um dia: “Eu quero a esperança de óculos.”
E o que pode ser a Esperança de óculos?
Me parece que quando a Esperança anda míope ou astigmata, não conseguimos visualizar bem as coisas com mais sabor e suavidade. Ficamos com o foco da vida em órbita, quase cegos, sem rumo, sem alcance, sem poder dimensionar o valor de qualquer acontecimento ou sentimento. Como se, em meio a grades e cadeados, não conseguíssemos achar as chaves tão a nosso alcance.
A Esperança de óculos nos permite mais do que possamos imaginar. Além de visualizarmos as chaves, vemos escadas, ferramentas, flores, bandeiras, pássaros e aviões.
Podemos sim escolher a capacidade da nossa Esperança! Ampliar sua força, dar-lhe mobilidade, voar com ela e encontrar surpresas e soluções. Tê-la míope ou com óculos. Vermos sombras ou árvores. Traços ou riachos. Pedras ou cachoeiras. Manchas ou flores.
Eu escolho: “A esperança de óculos”.

Alyne Costa
11/01/10