Tuesday, May 25, 2010

Minha Terra É O Mundo




Sou de tantas terras que já nem me lembro mais...
Terras de paus-brasis, Caetités, Igaporãs e Serras Gerais.
Sou da porção que cabe, neste latifúndio de mundo,
Cada qual no seu pedaço...
No seu cantinho de mundo.
Eu sou de tudo que é lado que é feito de cantoria,
Onde meu peito rebenta, chora de pura alegria.
Eu sou de qualquer lugar e feita de qualquer sorte.
Sou flor na invernada e alforria na morte.
Sou preguiçosa e sem rumo, uma cabeceira de rio que depois escorre manso:
Pra assombrar num vazio de uma cachoeira alta.
Sou moça já nos quarenta.
De quarentena da vida.
Por isso pergunte de onde vim:
Do vente de minha mãe e do prazer de meu pai, mas nunca de onde sou.
Sou apenas de onde estou:
Uma labareda acesa:
Ora riacho, noutra correnteza.
Que essa vida, amiúde, é feita de muita aspereza.
E se nasci d’um grito profundo :
Minha terra é o Mundo!

Alyne Costa
23/05/10

Wednesday, May 19, 2010

Poetas Anônimos


Somente tua alma foi dilacerada.
Pouco importa tuas contas dadas.
Regras, leis, CLTs, anúncios de jornal...
És sempre o culpado. Há os que amem os poetas anônimos, os que se rasgam e não se entregam...
Há também aqueles que só te consideram enquanto poetas íntegros: que se dilaceram...
Há os que esperam suas vestes rasgadas,
Suas noites insones...
Seus versos dobrados sob o papel.
Aí, eis poeta!
Com chances, passaportes, canudos...
Flores, belas vestes, escudos...
Das suas dores ninguém quer saber, poeta!
Ela e sua e só a ti pertence!

O apogeu de todo mal.
Que importa o que importa se não pagastes a conta?
O sanatório?
A exoneração?
A aposentadoria por invalidez?
Não pagastes a mensalidade da filha da filosofia....
A mãe de tua agonia.
E agora poeta?
Para que comprastes brigas?
Para ouvir a lei mais rica de quem se corrompe ao mal?
Vai, poeta, cala-te, agora....
Paga tua conta e vai embora....
Entender e a veia matriz do maior mal.
E já que não tens dinheiro, vendas canções de fevereiro.
Massagens embaixo do chuveiro.
Faz propaganda enganosa.
Vai poeta, feito em riso e prosa.
Esquece as lágrimas vãs...
Vá aos bréus do coachar das rãs...
Finges que ris e coachas, a dor do que não foi par perfeito.
Chora pelo que lhe é de direito.
Grilha feito grilo, coacha feito rã...
Vai poeta timoneiro, acende na tocha uma nova manhã...
Paga a conta e some do mapa....
Esquece setas e rumos....
Segue amanhã que amanhece e o sol que, de graça, aquece....
Teu poema não requer timoneiro...
Seu verbo não tem tesoureiro...
Paga, poeta a última taça.
Arregaça a manga e ameaça.
Abraça a vida como sua.

Alyne Costa
Maio de 2010

Friday, May 07, 2010

Aviso da Lua Que Menstrua


Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos..
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!

Elisa Lucinda

Saturday, May 01, 2010

Cortinas

Porque eu talvez tenha me dividido em viver o que não havia ainda vivido.
E antecipado o tempo, feito flor de ressentimento.
E porque muitas vezes visito o passado, criando afeto feito gado.
E porque lembro bem dos meus tempos de criança, sempre me surge esperança.
Quando eu já não agüento mais.
Me lembro dos tempos em que meu avô partia melancia:
A faca em sua mão desenhando as talhadas...
Eu sempre ganhava o miolo: a parte mais doce e suculenta.
Meu avô assim, me abria as cortinas da vida.

Alyne Costa
1/05/10