Saturday, November 20, 2010

Vôo Livre



Eu não sei esse idioma, confesso.
E, assim, meu sorriso finge entender
Aquilo que já não se faz segredo
E nessa avenida da vida tantas vezes enfeitada
Há cores do que não me comove mais
Mais em um canto surge uma lágrima muda
Uma lágrima santa que grita: Absurdo!
É a solidão de uma lágrima única.
E todo silêncio cresce ao redor.
Silêncio de fêmea que traz nas entranhas da alma uma indignação sufocada.
Sem alarde.
Discreta e morna.
Que assombra os sonhos da mulher.
E essa indignação passeia calmamente por jardins encantados.
Joga runas, ri alto do que não tem mesmo jeito.
O desespero é a matriz dos fracassos.
E mulher foi feita sob encomenda para sagradas esperas.
E assim ela assiste ao mundo.
Ela gira.
Ela gera.
Ela faz fibra da vida e transmuta.
Desespero é redoma de sofrimento.
Mulher cresce quando abraça o vento.
E voa livre muito mais feliz.

Alyne Costa
20/11/2010

Thursday, November 04, 2010

Terapón



Com ela aprendi significâncias e significados...
Aprendi que terapeuta é quem caminha junto. Depois descobri que este caminhar ao lado é por um tempo, depois a vida dá um jeito da gente ir sozinho.
E foi assim no que eu descreveria como um inesperado salto de paraquedas: Salta! Agora é com você. E você tem a obrigação de sobreviver.
Não tivemos tempo de preparar despedidas, de tomar sequer um café naquela cafeteria que tanto gostamos.
Não vivi o luto, não digeri, foi literalmente uma despedida por decreto que nós mulheres muito ladinas entendemos porque sabemos que murro em ponta de faca na melhor das hipóteses gera corte e cicatriz e isso lá no fundo não é melhor pra ninguém.
Mas não posso deixar de ponderar a força da passagem dessa mulher em minha vida, de suas lições e do quanto ela se faz presentes em coisas que tempo, vento, decreto nenhum apaga.
Com ela eu perdi o medo. Medo das paredes da minha casa. Medo do que era meu. Medo dos meus talentos e sonhos. Medo da língua alheia, medo de futrica e de maldade. Com ela eu perdi o medo de ser eu!
Com ela aprendi a assumir meus erros, a pagar o preço deles, a recomeçar, a passar mil vezes pela mesma rua, cair mil vezes no mesmo buraco até um dia desviar o buraco para finalmente descobrir um novo caminho bem diferente daquele por aquela rua.
Com ela eu driblei a oposição e assumi guiada pela luz imensa do meu coração o homem que eu amo e pude então viver pela primeira vez um relacionamento a dois com respeito e amorosidade.
Aprendi a não falar com quem eu não queria, a não sentir culpa por isso, a não deixar minha criança fazer ciranda na hora errada.
Comigo ela já riu, chorou, deu lenço para secar minhas torrentes de lágrimas e me deixou ir apostando na vitória.
Quando eu penso nela eu choro. De orgulho, de saudade e respiro fundo... Bem fundo e entro no meu mundo. Penso que nem sempre importa o que pedimos na vida, vale mesmo o que a vida nos dá e é esse nosso brinde, o que fazemos com ele o significado do nosso caminho.
Para Sônia Nogueira
Alyne Costa
4/11/10

Wednesday, November 03, 2010

Meu Machão



Devia estar na casa dos seis anos quando o ganhei de presente. Era de plástico e imóvel. Usava uma camisa vermelha de mangas compridas onde estava escrito “MACHÃO”, assim mesmo em maiúsculas e possuía a genitália desnuda em contraste.
Foi presente de Tia Marta, sempre provocativa com os sobrinhos. Devo ter ficado rubra a princípio com o presente. Eu acostumada com bonecas bem comportadas ter que lidar com aquele intruso de piroca de fora no meio delas.
Mas achava muito legal aquela camisa vermelha e a palavra “MACHÃO”. Não tivesse ele as pernas grudadas eu juro que lhe arrumava umas calças cumpridas.
Tia Marta ficou muito tempo por perto assistindo minhas reações com o Machão, devia estar se divertindo com meu constrangimento e até brincou comigo, dando vozes e falas ao boneco, entrosando no meio dos outros brinquedos e eu comecei a ganhar intimidade.
Em muito pouco tempo Machão já havia virado o rei do pedaço. Disputado por todas. Era marido de um, amante de outra. E meu reino infantil havia se transformado num mini brega. Eu brincava com muita cautela para não deixar nenhum adulto perceber o potencial de Machão, mas ele havia se tornado uma espécie de atrativo.
Machão ganhou fama e todas as visitas da casa queriam vê-lo. Não sei quem espalhou o boato. No fundo, no fundo, queriam ver o pinto de Machão. Vinham as amigas da minha tia, os rapazes da república pretendente daquelas... Machão era um sucesso. Mas o que ele aprontava mesmo ninguém sabia.
Tia Marta volta e meia aparecia para brincar um pouco, mas ela sequer imagina o que provocou. Meu bonequinho de plástico me iniciou no reino das fantasias. Machão foi meu primeiro símbolo sexual.
Alyne Costa
SSa, 3/11/10