Thursday, February 17, 2011

De Tudo Que Quero Bem




Gosto de gente de pés descalços, sujos da lama da vida...
De ver o arco-íris quando aparece no céu.
Dos sem teto, dos sem lei, dos sem informação...
Gosto dos idosos e dos loucos de todo gênero.
Dos esquecidos nos leitos dos hospitais...
Gosto do meu Amor, do meu filho, das minhas vizinhas.
Dos vendedores de café... E seus carrinhos coloridos.
Do art. 5 da Constituição...
Gosto do Lula e do Saramago...
De tudo que vibra e transforma.
De toda espécie de dança que alguns chamam de Esperança...
Gosto dos que acordam cedo para comprar pão.
Gosto dos que acordam tarde pra fazer canção.
Gosto de desafios e incertezas...
Gosto de Miguel Carneiro e de Bemvindo Sequeira...
De gente que fala sério, mas que também diz asneira.
Mas que faz poesia e um reino de fantasia.
E que faz desse Brasil a terra da alegria!

Alyne Costa
17/02/11

Wednesday, February 16, 2011

Para Entender O Porquê de Alguns Partirem Cedo...



Vivemos incansavelmente, nos entregamos plenamente, amamos, nos expomos, achamos que já choramos tudo, que já estamos prontos, que a vida já nos armou tudo que tinha para armar...
Que estamos prontos, aptos, amadurecidos, retadões, que a parcela do bem diário está em dia, que a cada dia que o sol brilha recomeçamos melhor, que já agradecemos a Deus o suficiente por nossos talentos e virtudes, que já pedimos perdão aos irmãos de jornadas por não sermos perfeitos dado que falíveis e humanos...
Julgamos já ter dito eu te amo o suficiente, ter entendido o quão complexa é nossa cadeia de relações e assim compreendemos que aqueles que mais nos criticam podem estar socialmente mais adoentados do que nós, e, pior, nem terem se dado conta disso. E na sua frágil inocência nos ferem e abandonam no nosso pior momento. E nós que já nos demos conta do nosso “estado” temos a obrigação de perdoar, compreender e sobreviver, por mais que esta tarefa não seja doce e fácil é, sem dúvidas, o caminho...
Nós, os sabichões que nos julgamos paus pra toda obra e que já passamos por todas as experiências dolorosas e de alegria possíveis. No fundo, não vimos e nem sabemos de nada. Não abrimos as janelas pros beija-flores, não rasgamos os peitos pra todos os amores, não sabemos e nunca estaremos preparados pros mistérios dessa vida.
As pessoas mais doces da nossa existência são nos tirada de uma pressa e brevidade estonteantes. Vão-se levemente como os pássaros, com asas de anjos deixando nossos braços vazios do seu abraço, nosso ouvido surdo de sua doce voz com palavras quase sempre certeiras para atingir o coração. Não nos dão oportunidade de despedidas para deixar em nossas as almas a sensação de eternidade.
Pessoas que viveram dignamente sua existência, que se doaram, que nos deixaram mudos, sem saber o que pensar, envoltos numa nuvem imensa de saudade...
Nesse mundo estranho em que muitos perdem o equilíbrio numa briga de trânsito, disparam estrondosas buzinas na mais absoluta desnecessidade, se agridem pelo mínimo, esses anjos que desfilaram e cedo se foram parece que desde cedo sabiam que dinheiro não se come, vai e vem... E com sua arte tocaram nossas vidas, tornando-as mais leves e sublimes, completando cedo suas missões.
É muito fácil aprender a amá-los, difícil é conviver com a falta que faz, com a sensação que não estamos ainda prontos.
Restam canções martelando a alma. “A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte... A gente não quer só prazer, a gente quer prazer pra aliviar a dor...”

Alyne Costa, 16/02/11
Para Neyvan Cruz

Tuesday, February 08, 2011

Qualquer coisa eu chamo a menininha...



Haviam palavras indecisas naquele silêncio forçado. Era a mulher que lavava a louça enquanto ouvia jazz, mas ainda era a menininha que olhava os ladrilhos cerceando os detalhes e procurando formigas.
Seu medo morava em maçãs vermelhas perfumadas. Morava nas panelas inoxidáveis que agora brilhavam. Nas garrafas de vinho vazias, agora empilhadas num cantinho da área de serviço e que, cúmplices, não revelavam seus segredos e até pareciam namoradas das diversas carteiras de cigarros vazias.
Ameixas podres lamentavam não terem se transformado em geléia enquanto as contas chegavam vigorosas sob o tapete da sala trazendo mais transtorno e latas de cerveja que vazias enchiam o lixeiro e assustavam a moça da portaria.
Enquanto o caos parecia bailar o adolescente ruidoso jogava em seu computador noites a fio e gargalhadas assombravam a vizinhança, ao passo que a menininha procurava dar contorno com sua ternura como se doçura pagasse contas.
A menininha descia a praça e suas mãozinhas deslizavam suaves pelas paredes e de vez em quando mais um ladrilho, uma ou outra formiguinha solitária e esquisita. Os pratos todos limpos, os raros copos, as canecas de sopa e de café. O marido que esperava o trânsito desafogar sentiria alivio? Passaria pelo supermercado e traria uma pizza. Sentariam à mesa e esperariam crédulos que o amor não morresse.
A menininha esconderia triste sua decepção pelo saco de jujubas que nunca vinha. Se esconderia num cantinho e a mulher assombrada desligaria a TV na hora do telejornal.
Leria um poema de Cora Coralina, tomaria um pouco de café, olharia mais uma vez o abandono do aquário indignada da sobrevivência dos peixes e até esqueceria da tristeza após o cansaço da casa limpa.
Agora todos os dias seriam assim, dias de limpar a casa e de lavar a alma. Qualquer ameaça de tristeza, eu chamo a menininha...

Saturday, February 05, 2011

Os Quatro Olhos da Escuridão



Os quatro olhos da escuridão me abraçam
Os quatro olhos da escuridão observam meus trôpegos passos
Enquanto dura a espera, a vida se esvai...
O meu cigarro amigo faz cena de me dar abrigo.
Mas meu amor é imenso e não sente culpa.
Anjos coloridos levaram embora meu medo.
Mora no tremor das minhas mãos um chão de incertezas.
E, minh’alma docemente áspera trafega em torrentes de dúvidas.
Sou fêmea e ao passo que envelheço, enloqueço.
E, assim, cresço, numa imensidão sem fim...
Falo dialetos incompreensíveis.
Vejo gnomos em jardins que não existem.
A minha tristeza usa sapatilha e cobra caro sua existência.
A minha tristeza dança em torno de mim.
A minha tristeza se embriaga de perfume vagabundo.
Passeia pela rua com cachorrinho enfeitado de salão.
Esquece a beleza das fotos de Sebastião Salgado.
A minha tristeza não lê jornais, nem vai ao dentista.
Não tem irmão, prima, tio ou avó.
A minha tristeza nunca leu Hermann Hesse.
Não conhece o princípio da dignidade da pessoa humana.
É déspota e tirana.
Não sente fome, sede, frio ou calor.
Não atende telefonemas, não escreve cartas de amor...
Já lhe fechei a porta, mas adentra as janelas.
Rasgou o passaporte.
Me disse que não vai.
Eu que não sei fazer samba...
Apenas pergunto o que será de mim?

Alyne Costa
5/02/11