Thursday, March 30, 2017

Escudos

Ela gosta de roupas claras
E de sentir leveza na alma
Gosta de pessoas do bem
E perfume de alfazema
As vezes chora em calundú
De alegria ou de dor
Noutras é como um raio
Um clarão na tempestade da vida
Gosta de músicas suaves e batuque de tambor
Transmite serenidade, muita luz e muito amor
Faz preces
Acende incensos
É de fibra e de fé
É anjo e é mulher
Gosta de cheiro de mato
Gosta do povo de santo
Que tira maldade e quebranto
Traz no peito uma medalha
O seu cálice é de amor
De flor de verdade e amizade
E seu peito é um escudo
De luz e prosperidade.

Alyne Costa, 30-03-17

Para Margarida Ornelas

Sunday, March 26, 2017

Porta Retrato

Estou no cais de madrugada
No latifúndio da solidão
Flor serena serenando
Minha comigo-ninguém-pode ressuscitou
Virei cigana envolta em cetim brocado amarelo

Sete vezes a espada do Arcanjo quebrou o feitiço
Agora, amo em paz, sem reboliço
As vezes durmo em seu colo moreno
Que, no frio, me acolhe e acode
E já não guardo segredo

No meu peito, cravados como punhais
Cochicham os girassóis de Van Gogh
Tristes e quase apagados, desgastados pelo poente
E em algum canto guardado
Está aquele poema do guardanapo

Sou barroca e minha sina é em rococó
Se ando descalça é porque quebrou meu salto
E humildemente rogo-te um trato:
Vela para que os dias sejam limpos como o sol
Que numa hora solta lhe envio por e-mail
Um alfazema, um verso, um retrato e um beijo de batom barato.

Alyne Costa, 26-03-17


Friday, March 10, 2017

Segredos

As minhas mãos são plataformas firmes
Os meus pés seguem em passos fortes
O meu olhar é sereno da madrugada
Da lua encantada que me abrigou
E o tempo clareia meu destino
Voando numa nebulosa
Ando até atrevida
De braços dados com a vida
Guardo um segredo no cofre do coração
Faço preces de ciganas
Defumo a casa
Canto pra todos os anjos
E, ainda, com sorriso de menina
Recomeço a sonhar
A minha poesia passeia
Por florestas e por oceanos de mitos
Faço chá encantado pra ter sonhos de amor
E tatuado no meu peito:
O rodopio de um beija-flor.

Alyne Costa, 10/03/17

Saturday, March 04, 2017

De vez em quando você para numa esquina da vida e vê quanta estrada já percorreu...
Quantos caminhos trilhados, quanta pressa desnecessária, quantas palavras proferidas ao acaso que nunca deveriam ter saído.
A quantas pessoas você se doou e tão poucas ficaram.
E nessa esquina da vida já com alguma maturidade você se percebe consciente que a vida é seletiva por mais que você não seja. Indefectivelmente a vida seleciona quem fica e quem vai.
Eu gosto das coisas simples, das pessoas simples, de quem não faz alarde, de quem se dedica a sutilezas e detalhes.
Esse carnaval parou em minhas mãos um livrinho de Paulo Coelho da revista Caras. Eu não tenho vergonha de dizer que gosto de Paulo Coelho. Acho ele um grande contador de histórias... E, decididamente, não é um momento em minha vida pra ler Nietzche. É um momento pra ler coisas leves, acender incenso, fazer orações, encontrar pessoas leves, parecidas com você, mais preocupadas com um mundo melhor que com a conta bancária.
A vida requer pausas, atalhos, cheiro de terra molhada, visões de anjos, meditação e poesia.
Estou dando uma pausa na vida. Estou me dando ao luxo de ser extremamente irresponsável. Pois não é que foi num livro de Paulo Coelho que eu aprendi que a raiz latina da palavra responsabilidade é a capacidade de responder, de reagir. Nesse momento eu literalmente não tenho capacidade de responder.
Outro dia eu tava numa consulta odontológica e a dentista muito doce que me atendeu me disse que a gente vive num mundo que a gente não pode dizer nem aonde a gente trabalha porque as pessoas se tornaram abusadas demais.
Eu que me achava a maluca da história me dei conta que não estou sozinha. Eu sou fichinha. A sociedade está extremamente adoecida e isso é falta de uma visão espiritual da vida. É falta de fé. É falta de se permitir amor. É falta de ética e é falta de sensibilidade.
Virou uma confusão e eu tô fora, viu? Tô avisando que tô fora dessa vibe maluca. Quando estudei Barroco com Madalena Ferreira, ela falava que esta era a arte do desequilíbrio e que quando o artista tá desequilibrado ele exagera. A humanidade tá exagerando. E eu não tô nem aí. Dou graças a Deus quando a bateria do celular descarrega, aprendi a falar com poucos, a acreditar em poucos, a me entregar a poucos, mas a me dedicar a causas mais nobres.
Só leio o que quero, só falo com quem eu quero, mas amo. Amo e muito. E não vou desistir de amar, mas gente falsa, oportunista e interesseira tô fora. Só faço o que eu gosto. Só como o que eu gosto.
A vida foi extremamente seletiva e esse novo caminho que estou trilhando é cheio de magia.
É leve, suave e, docemente, irresponsável. E vou cantar Raul! "Ô Ô Ô seu moço do disco voador, me leve por aí pra onde você for... Ô Ô Ô seu moço..."
Alyne Costa, 4/03/17