O Primeiro Encontro da Menina com o Louco
Já fazia meses que o telefone não tocava aos domingos,
aqueles domingos da década de 80, embalados ao programa de Silvio Santos, e a
mocinha adolescente esperava o telefone tocar com ansiedade, ao menos para
receber alguma notícia. Mas quando a noitinha ia embora perdia a esperança e
recolhia-se aos livros: Confissões de Santo Agostinho e entre outros, Os Morros
dos Ventos Uivantes.
Um dia, um domingo a noite sua mãe lhe avisou:
- Amanhã você não vai ao Colégio, seu Tio Venceslau quer te
ver.
A menina que tivera terno contato com o tio na infância,
recebeu a notícia com algum conforto, já fazia um tempo que não via o tio e nem
sabia que o mesmo estava residindo na capital.
Logo cedo, tomou banho e vestiu roupa e sapato novo, como
lhe recomendara a mãe e desceu ao pátio/estacionamento do condomínio esperar
com um misto de curiosidade e saudade o tio que chegou num Monza cor de Vinho,
muito bonito e possante.
O tio abriu com delicadeza a porta do carro, mas seu olhar
escondia um misto de apreensão e tristeza, e seus olhos evitavam olhar a
mocinha bem vestida, silêncio por quase todo percurso até que a menina, muito
corajosamente resolveu quebrar o silêncio já impaciente.
-Tio, vamos encontrar minha tia?
-Não, seu pai está chegando de viagem, está doente e quer
vê-la. A esta altura está nos esperando e já, já chegamos.
Quando chegaram ao local, que na realidade era um sanatório
psiquiátrico próximo ao Aquidabã a menina reconheceu o primo adolesce que viera
acompanhando seu pai, juntamente com o motorista e um senhor que anos depois a
menina descobriu ser um oficial de justiça, viera ser internado por ordem
judicial.
Ansiosa a menina olhou o pai descer do carro, cabelos
crescidos desalinhados, barba de profeta e sujo, embrulhado numa coberta dorme
bem, irreconhecível, não parecia aquele homem bonito que costumava lhe levar ao
Cine Art 1 no Politeama e ao restaurante Kaulon, sempre assediado por muitas
mulheres e que cheirava a Patchouli.
A primeira reação da menina foi correr, amedrontada e
perplexa, mas diante o pito do tio e o olhar carinhoso do primo aquietou-se e
acompanhou ouvindo o desenlace da situação...
O tio falava ao psiquiatra sobre a diferença de idade entre
os pais já idosos e seu irmão caçula acometido de esquizofrenia e aposentado de
um banco importante.
Uma semana depois a menina voltou para uma visita e
encontrou o pai já reconhecível, limpo, cabelos cortados e vestido com roupa da
instituição, o pai estava com seu belo sorriso comprometido e as mãos queimadas
de cigarros, mas conversaram e riram e o pai lhe apresentava os amigos, a
maioria alcóolatras, também reclusos.
Desde então a menina conheceu a loucura de perto e passou a
não esperar muita coisa da vida e muito dos livros que lia com afinco e que
garantia boas notas em redação e língua portuguesa no colégio.
A mocinha bem vestida e o pai enlouquecido, tanta ternura e
fragilidade naqule encontro que a mocinha passou a saber que não poderia
esperar muito do pai além das belas canções no violão em momentos mágicos e
insubstituíveis. Também passou a esperar pouco da mãe que grávida de outra
união não lhe acompanhara como se a deixasse sozinha na ponte entre a lucidez e
a loucura.
Alyne Costa
17.10.2025
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