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  A delicadeza cura Em “Caminhos do Coração” Gonzaguinha canta que aprendeu que se depende sempre de tanta, muita e diferente gente... De fato cada um dá o que tem, o que nutre no fundo da alma, uns dão indiferença, ausência, outros, estupidez, alguns outros dão cuidado, afeto, caridade e a fina flor da amizade. Acometida de uma forte gripe alérgica que me levou a adiar compromissos importantes para minha vida, pude observar que nem sempre é preciso desacreditar das pessoas, enquanto uns seguem sua saga louca por dinheiro, bens, status, outros possuem outro paradigma de valores. E, a essa altura da vida, convém saber bem efetuar escolhas de quem você tem do seu lado na sua construção diária de afetos. Ter afeto é nutrir responsabilidade sobre o outro, não a de pagar conta, sabe? Essa tem que ser dividida, mas a responsabilidade de oferecer ao outro o que o outro lhe oferece. A reciprocidade é matriz dos indissolúveis afetos. É aquela que destrava a chave e abre porta para...
  No Azul das Orcas   As baleias possuem segredos. No absurdo abismo entre o mar e o sol. Seu profundo alento. Seu absinto. Seu desejo extinto. Como atrás de toda festa há uma seresta. Cuidado com a moita. Atrás de uma fotografia num álbum de viagens ou casamento: Um só lamento. Os esquecidos Os fora de padrão Os loucos Os mortos As bruxas As santas As tontas As tantas E o segredo já morreu. Atrás de um bob e uma toca. Dentro de uma caixa de bis.   Alyne Costa, 2022
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  Dois Retratistas Lugar comum em cidades do interior nos velhos tempos e figura ímpar para lá de importante era o retratista. Sempre chamados para os eventos mais importantes como batizados, casamentos, eram eles que registravam com suas lentes em seus laboratórios a história local, crianças, casais e festejos, nada escapava de suas lentes vorazes. Em Igaporã, havia, como sempre, uma certa peculiaridade. Ali não havia um só retratista, eram dois: Seu Zé e Seu Aloísio, retratistas. Os dois eram vizinhos de parede meia e nunca se ouviu falar de qualquer desavença entre ambos. Exerciam seu labor coincidente na maior pacificidade e não me lembro de um ter mais fama ou ser considerado melhor ou com mais virtudes na arte da fotografia que outro. Se alguém tinha preferência seria tão somente pela disponibilidade momentânea. Assim, nos antigos carnavais e festejos santos tirava-se muitos retratos e depois ia até à residência do respectivo retratista pagar e receber a foto. A...
  Templo Meu corpo é meu templo Sagrado em mim Minha missão e meu segredo Toca-o quem eu permitir E, por ser tão meu e tão sagrado As vezes leve, noutras cansado Guardo-o, volupstuosamente, para quem sinto amado.   Alyne Costa, 7/03/2025  
  Travessia e Silêncio   Muitas vezes o silêncio fala. Fala quando cala a alma. Fala quando sopra ao mundo. A dor de ser vivente e diferente. A dor que ninguém mais sente. Ser gente dói. Sentir dói. Amar dói. Partir dói. Uma dor que somente o silêncio traduz. Na travessia que é: Viver e Morrer.   Alyne Costa, 06/03/25
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 Diálogo solitário com Hilda Hilst Hilda, foi um absurdo ler Do Desejo naquela praia. Areia, cerveja, suor e sono e a curiosidade por certo. Aqueles versos xerocados e encadernados que eu lia ávida me transportavam para um Universo do que jamais eu tocaria. Desejo do diferente e talvez à época um delinquente ou marginal. Entre tanta novidade daquela literatura que se descortinava eu adormeci e o mar algum tempo me acordou a tempo de salvar a encadernação. Hilda, falam mal de mim como falaram mal de ti, mulheres que escrevem rompem tabus e trazem medo. Mas de fato esse lapso de tempo que nos distancia, me traria várias universidades, idiomas, títulos, casamentos, filhos, esperas, buscas e confrontos. Te fizeste arquiteta de ti mesma no teu lirismo beirando a embriaguez sutil dos primórdios dos meus primeiros versos. Não fui arquiteta de mim mesma, como tu fostes, fui algoz, juíza e talvez abrigo de mim mesma. As minhas sabotagens só amputaram as minhas dores. Os meus indeléveis vers...
Géia   Que a ciência desafie o sacral Já imortalizado em tantos ritos, ditos e mitos Que o desafio seja a razão da ciência Sua fina essência Mas que ela não ouse tocar na arte Que não viole a humanidade Eis o homem em completude Não só composto orgânico, células, tecidos E ortopedia Mas feito de toda magia Que vê na ciência o que amplia O que cria em prol da vida Eis o homem: material onírico Repleto do que ainda não se decifrou Sedento de dar a mão a seu igual Sedento de paz, de arte, de jardins em flor Somos todos corpos mergulhados nessa géia E quantas guerras se precisaria para destruir tudo que somos? Imortais nas lembranças Nos sorrisos de crianças Na heterogenia de todas as danças Homem, produto, meio, fonte e ponte Faz na terra sua lambança! Reverencie as cirandas, mas não cultue a guerra. Permita aos vindouros o mergulho na géia. Seja o artista deste palco Terra. Alyne Costa, 2002 (publicado anteriormente no Usina de Letras)