Saturday, April 30, 2011

Estrela Guia



Aprendi já tarde a lidar com urgências.
É que sentimentos não se encontram em lojinhas de conveniência...
Ontem meu amor e eu misturamos as lágrimas.
Pude então entender a vastidão da compreensão.
Não fui feita para pressa, nem desespero.
Fui moldada para ter esperança.
E quando ela não chega, me encolho.
Agasalhada, leio os novos poetas...
Novas direções, tantas setas.
Sigo-os em busca do sol.
A minha veia matriz germina sonhos em pedacinhos de algodão.
Lembro da resignação de meus avós.
Da fé, da honestidade e das relações de compadre e comadre.
O respeito por quem tinha estudo.
E qualquer assombro levava-se a dizer: “Misericórdia.”
A vida que levou minha inocência, levou também meus assombros.
Serei eu a poeta dos escombros?
Cantarei o que sobrou?
Não, tenho a esperança que me inunda os olhos.
Tenho o condão do perdão.
E a poesia como estrela guia.

Alyne Costa
30/04/11

Wednesday, April 27, 2011

O Sonho É Meu



Sonho em dançar um tango...
Em deixar este amor totalmente nú.
Em deixar as contas totalmente às avessas.
Faço promessas pra abandonar os vícios.
Mas são eles que por obséquio não me deixam.
São resquícios de pó de pemba.
Arrumo a mesa.
Preparo um arranjo com frutas frescas.
Acendo um incenso de sândalo e olho ,admirada, enquanto a janta cozinha na panela.
Volto à cozinha e confiro.
Quase pronto o ritual, me dispo e me banho, antes uma canção.
Fracoise Hardy.
Enquanto luto contra os ponteiros do relógio, me perfumo...
E entre uns goles de vinho e tragadas no cigarro, chacoalho o tapete da sala.
Tudo deve estar pronto.
Apago as luzes.
Acendo as velas.
Um pouco de bom ar, ele não fuma...
Minha boca se espuma sorvendo de desejo.
Sonhando em dançar tango.
De salto, na corda bamba do imprevisto, eu quase desisto quando o interfone toca.
Fechem as cortinas.
O sonho é meu.

Alyne Costa
27/04/11

Tuesday, April 26, 2011

Quem Não Aprende Com a História...


Foto retirada do site http://fatosemcharges.wordpress.com/2008/10/24/foto-el-pais-convencao-internacional-de-palhacos/


Tava meio cansada de ter tanta memória. A minha paixão por detalhe me põe em riscos. Porque lembro de coisas recentes e coisas de décadas atrás recheadas de detalhes. Isso pode ser uma espécie de loucura, não sei.
O mais terrível é que você convive com pessoas que não possuem a mesma memória, máxime porque costumam se lembrar dos fatos da forma como lhe são convenientes... Daí você fica ouvindo a história toda deturpada se corroendo, deixando o narrador ir longe na fantasia com medo de interferir e horrorizada da potencialidade humana de tecer tramas para se tornar vítimas.
Antes eu interferia, dizia não foi nada disso, mas como sempre dava com os burros n’água, desisti. Viva cada um com seu delírio.
Recentemente encontrei minha primeira professora no Facebook. Lembrava detalhes dela, da escola, da turma, dos colegas e das músicas que ouvíamos. Eu devia ter de três para quatro anos quando fui sua aluna.
Pena que a gente nem sempre seleciona o que fica gravado na memória. Há coisas que é melhor esquecer, mas a gente volta e meia lembra. Deve ser mecanismo da vida. Memória boa: Meu professor de história do 2º Ano dizendo: “ Quem não aprende com a História, está condenado a repeti-la.”
Não lembro todos os meus poemas decorados, mas lembro todos os quem beijei...
Lembro muito da minha infância. Do cheiro de boneca nova, dos vestidinhos de retalho, das brincadeiras no terreiro da casa de minha avó, dos circos armados onde eu sempre queria ser o palhaço e da única palmada que levei de meu pai.
Lembranças são como guloseimas, pena que não caibam em gavetas.

Alyne Costa
26/04/11

Velhos e Jovens (Arnaldo Antunes)

Antes de mim vieram os velhos
Os jovens vieram depois de mim
E estamos todos aqui
No meio do caminho dessa vida
Vinda antes de nós
E estamos todos a sós
No meio do caminho dessa vida
E estamos todos no meio
Quem chegou e quem faz tempo que veio
Ninguém no início ou no fim
Antes de mim
Vieram os velhos
Os jovens vieram depois de mim

Friday, April 22, 2011

Nossos Homens Não Foram à Guerra



Ouçam bem minhas amigas.
Nossos homens não foram à guerra, mas estão todos perdidos.
Precisam do nosso colo.
Da doçura fêmea de nossas mãos...
Do cheiro de toalha limpa e sabonete novo.
O poder nos cai bem.
Fomos feitas para gerar e quando queremos damos ao mundo os guerreiros.
Aprendemos a pegar em armas que sequer precisamos usar.
Somos fadas, santas, bruxas e loucas.
Entendidas de dor.
Nos deram manuais, livros de receitas, livros de como cuidar do bebê, romances...
Mas de vida, aprendemos sozinhas.
De conquistas, aprendemos quando demos as mãos.
Somos feiticeiras, detetives, ciganas e bailarinas.
Rasgamos os manuais.
Nossos homens não foram à guerra, mas estão todos perdidos.
Profunda é a paixão.

Alyne Costa
22/04/11

Wednesday, April 20, 2011

Quando a Vida Requer Pausa



Tenho natureza melancólica, mas nem por isso a alegria não deixa me visitar e quando isto ocorre banho-me na chuva.

Tenho paixão por detalhes, miudezas não me passam em vão. Silhuetas, olhares, afagos de gestos e palavras me transmitem muito tanto quanto os sonetos de Florbela Espanca, os filmes de Almodóvar e a voz de Nara Leão.

Acredito que fomos feitos para passar pela vida e não a vida feita para passar por nós. Por isso ela às vezes nos requer pausas. Quando entramos na dinâmica louca da vida sem dar a devida atenção às nossas reais necessidades ela nos quebra literalmente porque tentamos ser aquilo que não somos: máquinas.

Aí adoecemos sob diversas formas, deprimimos,entramos em pânico, machucamos quem menos gostaríamos de ter machucado, somos surpreendidos pelas mais variadas espécies de desenganos, fazemos uma besteira enorme e temos que precisar parar tudo para consertar o que talvez nem tenha mais remendo. Achamos que estamos enlouquecendo e que não vamos conseguir suportar a profundidade daquela dor. Tudo isso porque deixamos que a vida passasse por nós, sufocando nossas emoções e reais desejos, subestimando nossos talentos e potencialidades, olvidando nossa espiritualidade e não dando atenção à nossa condição humana que requisita pausas.

Quando a vida nos obriga a parar, observamos que são necessárias mudanças. Nem sempre temos por perto os braços que gostaríamos que nos abraçassem, mas precisamos sobreviver...Temos nossos próprios braços que podem envolver-nos num abraço, temos nossas próprias mãos que podem preparar um chá e escrever. E mais, temos uma poção mágica: nossa imaginação! Essa pausa é, principalmente , um reencontro consigo mesmo.

Se você não falar nada provavelmente ninguém perceberá o que está ocorrendo. Porque a grande maioria das pessoas também está assim, deixando a vida passar por elas. E não é falta de solidariedade é que se as pessoas não estão conseguindo dimensionar o que acontece com elas como poderão compreender o que ocorre com os outros?

E enquanto você é uma lagarta o mundo te enxerga como uma linda borboleta colorida dando rodopios no jardim.

Essa pausa é sua. É necessária para que você passe pela metamorfose de lagarta e se torne de fato uma linda borboleta. Não é momento para ler os jornais ou livros técnicos, se cuidar também exige qualidade naquilo que lê, vê e ouve. Nessa pausa você está passando pela vida e é preciso buscar leituras agradáveis, apreciar belas mandalas e preparar um retorno em que se sentirá mais livre e seguro.

Quando você passa pela vida você observa o canto dos pássaros, beija-flores costumam lhe visitar, com casa e alma arejadas sobra espaço pros anjos chegarem com seus sinais. As coisas fluem num ritmo de acordo com suas reais necessidades. E então você descobre que importa ser aquilo que é e não o que gostariam que você fosse.

Alyne Costa
20/04/11

Monday, April 18, 2011

O Filme Que Eu Vi Ontem A Noite


Fotografia retirada do blog http://abrigodeventos.blogspot.com

Em seu corpo retalhos de uma guerra.
Cicatrizes na alma.
Aprendera a amá-lo enquanto fazia curativos sobre suas queimaduras.
Pouco falava.
Lembranças do horror haviam levado a escolher a solidão.
Ele aos poucos esculpia na muralha de gelo que a contornava uma flor.
E contou que não sabia nadar por pavor a monstros marinhos imaginários.
Parei o filme.
Um café. Um cigarro. Os remédios homeopáticos.
Lembrei de um tempo que eu gostava de roda gigante e de soltar bolas de sabão.
A inocência sublimava os temores.
Nunca devemos deixar que as marcas de qualquer terror matem uma possibilidade de amor.
Liguei o filme.
O amor nascia numa plataforma de petróleo.
Ele precisou ir para o hospital e ela fugiu.
Fugiu para seu trabalho, seu mundo e sua dor. Fugiu do amor.
Obstinado, ele a encontra e revela seus desejos.
Não havia mais como fugir, o amor havia cercado por todos os lados.
Foram felizes...
Stop.

Alyne Costa
18/04/11

Saturday, April 16, 2011

O Sol



Entre o meio e o todo : o inefável!
Entre a sombra e a meia-luz : o sol!
Entre o maldito e o indecifrável: a verdade!

Alyne Costa
16/04-2011

Friday, April 15, 2011

Quando a Loucura Me Visita



Fotografia retirada do site http://www.arvores.brasil.nom.br/florin/oiti.htm


O meu ofício não é o de mulher educada
Trago em mim as chagas das Helenas
Romperam-se as minhas comportas
E tudo sangra, gota a gota
Sentidos e sofrimentos
Tudo escorre pelos dedos trêmulos de minhas mãos.
Nas madrugadas enquanto todos dormem eu visito a cidade.
Numa solitária astronave cor de maçã.
Vejo os sem-teto, as damas da rua e os vigilantes da lua.
E quando não há lua é só tristeza.
Preparo a comida como se faz feitiço.
Gosto do cheiro dos temperos que por vezes se misturam às lágrimas.
Não, o meu ofício não é o de moça comportada.
É o da mulher que chora em dores de parto as injustiças do mundo.
Qualquer equilíbrio me desconfigura...
A minha loucura avisa de véspera suas visitas.
Abro todas as cortinas, lavo a louça, acendo incensos.
Bordo pequenas alegrias em lençóis alvos.
Para recebê-la me visto de diva.
Conversamos, vamos ao cinema, ouvimos canções francesas...
Abrimos um vinho, embriagadas rimos alto daquilo que até mesmo não tem graça.
Choramos copiosamente pelo que nada podemos fazer.
Adormeço no seu colo.
Acordo com o bem-te-vi cantarolando no pé de oiti.
Alyne Costa
15/04/11