Tuesday, October 31, 2006

Bem Bom


Depois da ressaca cívica a gente acorda de cara com o Brasil de dentro.
Tenho dito que meu problema é endógeno e não exógeno.
Solidão dói muito. Moinho no peito. Amor batido, pisado no pilão da minha alucinação.
“E a voz do anjo sussurrou no meu ouvido, eu não duvido já escuto os teus sinais..
e tu virias numa manhã de domingo, e eu te anuncio nos sinos das catedrais.”
Pra piorar eu não vejo novela. Prefiro Internet e voyerizar o orkut, agora descobri os fakes ou eles me descobriram. Ainda vou criar um fake, mas tô com uma preguiça...
Não vejo novela porque é chato, muito longa e a gente cansa. Prefiro as mini-séries, como a inesquecível Anos Rebeldes... Monday, Monday....
Hoje eu só tô que assobio.
Mas tenho assistido muitos filmes que pego na locadora de Kaká, a artista q fez a pintura do rádio da foto. Alegrinha. Tem um fusca que é uma bela instalação, cheio de frique-friques e pretendo fotografá-lo. Eu sempre atraso na entrega dos filmes, ai ela liga pra lá mil vezes e eu, então, resolvo devolver os filmes e ela pergunta razão da demora. Sei lá, mas eu pago a multa. É que eu gosto de rever uma cena várias vezes com caneta e papel e anotar frases. “Você é real ou é um espírito? Eu sou a tristeza.” De O Feitiço de Áquila.
Vou passear na floresta, enquanto seu lobo não vem..
Ta pronto, Seu Lobo?
Achei um texto magnífico:


Loucos e Santos
(Oscar Wilde)
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Acabo de deter-me na incerteza que o autor do texto é o Wilde, na Internet nunca se sabe o que se é de quem.
HEAD UP, YOUNG PERSON
E a gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando...
Um assobio só.
Vou passear na floresta enquanto seu lobo não vem, tá pronto Seu Lobo?

Thursday, October 26, 2006

About Cordel


foto retirada do site: http://web.uni-marburg.de/voelkerkunde/forschung/start.html


Literatura de cordel é umas das mais resistentes formas de manifestação da cultura popular. Sempre fui apaixonada por cordel e lembro-me de muitos dependurados numa corda nas proximidades do Colégio Mercês, na Avenida Sete. Os mais interessantes, sem dúvida, eram os endereçados aos políticos de então.
“Estando desocupado o grão-duque satanás
teve uma idéia nociva, horripilante e mordaz
misturou merda de porco como se fosse caramelo
e ao soltá-lo no mundo batizou o vagabundo:
Fernando Collor de Mello.”
Não me lembro a autoria deste, mas circulou nas ruas de Salvador no início da década de 90.
Vendidos em feiras, portas de Igreja, nas vias públicas e dependurados em um cordão, daí cordel, é uma singular forma de expressão do imaginário popular.
Artistas nordestinos consagrados, em sua poesia apresentam traços de Cordel, como Alceu Valença em Romance da Bela Inês e Zaca Baleiro em Bienal e até mesmo Raul Seixas seguiu esta tendência como comprovado em sua parceria com Wilson Aragão na letra de Capim Guiné.
Interessante sobre cordel:
Sites: http://www.ablc.com.br/
http://www.universohq.com/quadrinhos/n07062002_02.cfm
http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=11&rv=Literatura
Esta semana ganhei de Dr. José Walter, advogado prosa boa e poeta residente em Brumado, um cordel de presente e vasculhando um caderno achei uma tentativa que fiz em adentrar neste mundo num breve exílio em Igaporã no ano de 2003. Deixo aqui:

A Lagoa Encantada

Acesa apenas a luz de um lampião
Dissimulada, faceira e encantadora
Mulher-serpente, doce flor da traição
Olhos de noite de lua e riso de aurora
Fez derramar o sangue no sertão
Uma lâmina no seio traiçoeiro
Escondia em seu jeito brejeiro
O veneno letal do mel do amor
Açucena, durante o dia era menina
E como anjo corria os jardins da pureza
Noite escura se deitava nua na neblina
E suas curvas se tornavam correnteza
Por ti dois pobres corações naufragaram
Perdidos em suas tranças de ilusão
A mata escura solitários atravessaram
E em duelo decidiram esta paixão
Como se a dor valeria pela dama
Que deleitava-se no desejo derramado
Pura vaidade erguida como chama
E via a víbora o ciúme coroado
Pois quando a lua debruçou-se no lajedo
Uma poça rubra fez-se oceano do medo
Amor e honra confundiram-se num punhal
E um amante, rendido e morto no areal
Escondida e latejante a bela tudo vira
E ao ver pela primeira vez a cor da morte
Ensandessida, louca e já sem sorte
Esqueceu-se do sorriso na quizila
Apagara-se do seu peito a ilusão
Montada numa égua sem cela
Cavalgou toda a noite, sem direção
Nenhum pássaro veio saudar-lhe de manhã
Nenhum brilho de sol corou seu rosto
Era o mais ácido sabor de uma maçã
E pelo corpo em suor jorrou desgosto
Nem mulher havia inteira se tornado
E se rendeu ao inferno suicida
Jogou-se como raio numa lagoa
Desaparecendo à sombra duma umburana
Por ter perdido a inocência ao léu e à toa
Por ter desprezado um coração que ama
Diz-se que a lagoa desde então é encantada
E do lajedo costumam zunir gritos de dores
E a bela jovem e nua cavalga sobre as águas
Buscando a alma divida em dois amores.
Alyne Costa, Igaporã, 2003

Tuesday, October 17, 2006

Cangaço, homem-bomba e pacifismo sertanejo


Imagem: Cangaceiro Az de Ouro - Aldemir Martins (http://www.pinturabrasileira.com/obras.asp)

Lampião, Conselheiro, Os Sertões, Graciliano Ramos... Tudo que envolve a história, os mitos, a realidade do sertão sempre me fascinou. Os pés rachados, manchados do meu avô, a enxada na terra seca... Acordar de madrugada pra beber o leite no curral. O barulho dos carros-de-boi me acordando nos sábados de feira. O sertanejo carrega o sertão em sua alma em qualquer canto que viva. Uma naturalidade em face do adverso. Uma coragem diferente, uma tendência à vitória em seus caminhos. Assim como o solo vence quando chegam as águas. Meu avô sempre falava: "nas águas". Referia-se a época das chuvas, época de fartura, de milho verde, de umbú, de feijão e época que me lembra Refazenda de Gil: "Cedo antes que janeiro doce manga venha a ser também". A época das águas, normalmente, era janeiro, em pleno verão, tanta fruta, tanto doce, tanto sonho, mato verde, nem parecia sertão.
Tá certo que nem só de seca vive o sertão, mas que é esquecido, isso é... Esse poeta sertanejo soube transformar em cantoria a realidade do sertão:

Guerra de Facão
Wilson Aragão
Composição: Wilson Aragão
A dô do cocho é num tê ração pro gado
a dô do gado é num achá capim no pasto
a dô do pasto é num vê chuva tanto tempo
a dô do tempo é corre junto da morte
a dô da morte é num acabá com os nordestino
a dô dos nordestino é tê as pena exagerada
e aviá logo descurpa pra quem lhe piso no lombo
e lhe lascô no cururute vinte quilo de lajedo
ao invés de axotá pra cacha prego o vagabundo
que se adeitho no trono e acordou num pau-de-cebo.
Ê, ê ê boi e boaiada
ê ê boi a
dô do jegue, tadin nasceu sem chifre
a dô do chifre é num nasce em certas gente
a dô da gente é confiá demais nos outro
a dô dos outro é que nem todo mundo é besta
a dô da besta é num pari pra ter seus filho
a dô pior de um filho é chorá e a mãe não vê
tá chegano o fim das epa vai pegá fogo no mundo
e pior que vagabundo toca música estrangeira
em vez de aproveitha o que é da gente do nordeste
vou chamá de mintiroso quem dizê qui é cabra da peste
Ê, ê ê boi e boaiada
ê ê boi
A dô do sol é que ele não conhece a noite
a dô do da noite é que não tem mais seresteiro
a dô do seresteiro é o medo da puliça
a dô do da puliça é tê ladrão no mundo inteiro
a dô do do mundo inteiro é que tá chegando os gringo
a dô do pió de um gringo é outro gringo do outro lado
eu num sei se tô errado mais arrisco meu parpite
de acabá com as bomba atromba ,
incoivará os rifle
toca fogo em toda as tenda qui é de fábrica canhão
morre muitha menas gente,
se a guerra fô de facão.
Ê, ê ê boi e boaiada
ê ê boi

Monday, October 16, 2006

Abrindo a Janela



Vou abrir ao mundo meus cafundós. Tudo que ta guardado lá dentro: impressão ou sentimento. Pode ser que pinte poesia, de safra boa, frasinha à toa, musiquinha que lembre alguém. Tudo que emane dos cafundós desse meu coração. Estou me sentindo como quando fazia minhas agendas na adolescência. Pena que não dá pra colar, recortar, artesanalmente. Minhas agendas sumiram, sumiram nada. Foram furtadas! A autora do delito famélico-lírico (só pode ser fome de emoção) foi Lú, Lucitânia, a primeira babá de meu filho, ela vivia com as agendas na mão copiando frases, poesia, escrevendo carta para o namorado. Depois que ela foi embora porque na época eu não tinha um puto, as agendas sumiram. A miserável não me deixou nenhuma mágoa, mas que saudade de fazer agenda, que curiosidade de saber o que nelas escrevia, os códigos, os amores, os chororôs, calundús, dedicatórias... Ró, minha amiga, ainda guarda as dela, de vez em quando relê e me conta, assim, acaba tendo documentada uma parte de meu passado que eu sequer sonhava testemunho...
Bom, recapitulando... Consoante Aurélio:
Cafundó
[De or. afr., poss.]
S. m. Bras.
1. V. cafua (3).
2. Baixada estreita, entre lombadas sensivelmente altas e íngremes.
3. Lugar ermo e afastado, de acesso difícil, normalmente entre montanhas. [Sin. (vários deles bras.): cafundoca, cafundório, cafarnaú ou cafarnaum, cafundó-de-judas, cafundó-do-judas, caixa-pregos, calcanhar-de-judas, cornimboque-do-diabo, cornimboque-do-judas, cu-de-judas, cu-do-conde, cu-do-mundo, deus-me-livre, fim de mundo ou fim do mundo, fundo, meio de mundo ou meio do mundo, tifa ] .
Opa, Cafua!
Ainda, por Aurélio:
Cafua
[De or. afr., poss.]
S. f.
1. Antro, cova, caverna, esconderijo.
2. Habitação miserável.
3. Bras. Quarto escuro onde se prendiam os alunos castigados; cafundó.

[Sin. ger.: cafurna.]
Rapaz... Cafua era como a gente costumava chamar uma quitanda que havia lá em Brotas, no Alto do Saldanha, também conhecido como Baixa do Cacau. Vendia frutas e verduras baratinhas, Gaída me ensinou, eu ensinei Tia Marta, só sei que em poucos meses a Cafua virou pop e eu parei de comprar lá.
O nome do blog não é qualquer alusão ao lugar em que atualmente moro, embora Brumado seja cercada de morros, ora, ora, morros e não montanhas e também não é nem de longe um cafundó, pertinho de Conquista que é um centro, tem cinema, boas escolas, inúmeras lan-houses, um povo muito gente boa, sem contar que tem trem-de-ferro o que lhe dá um ar mineiro e muito minério. Pois é, Manoel de Barros, eu estou aprendendo sabedoria mineral antes da vegetal. E se por um lado fica próximo a Ibitira, por outro também fica de Rio de Contas que é lindo de se ver, ali a natureza é páreo pro Rio de Janeiro. Ah! Muito chique é Brumado ter CAPS. Ah, eu juro que ainda faço uma postagem sobre CAPS, ter um CAPS no sertão da Bahia é ser muito moderna. Meus amigos, a cidade tá podendo!
Desfeita a possibilidade de equívoco, Cafundó é meu coração, as vezes minha cabeça que sente em lugar de pensar e as vezes pensa em lugar de sentar. Não tenho pretensão alguma de ser clara. Este cafundó se tiver alguma coerência, será ela eminentemente despropositada. Não só não tenho pretensão como não tenho propósito. A minha única obstinação é escrever. Lembrei de Fernando e aquela história de quem escreve como diarréia e depois se dá conta que só saiu merda. Pode ser um desabafo, pode ser um passatempo, um safanão no deserto da solidão, a magia de algum momento. Pode ser só brincadeira, riscos da desilusão, pode ser coisa de gringo, descendente de alemão. Pode ser algum fenômeno ou nenhuma graça ter. Pode ser pura delícia. Pode ser...