Monday, December 24, 2007

Que venha 2008


Vai, Ano Velho


Afonso Romano de Sant'Anna

vai, ano velho, vai de vez
vai com tuas dívidas
é dúvidas, vai, dobra a ex-
quina da sorte, e no trinta e um,
a meia noite, esgota o copo
a culpa do que nem lembro
e me cravou entre janeiro e
dezembro.

vai, leva tudo: destroços,
ossos, fotos de presidentes,
beijos de atrizes, enchentes,
secas, suspiros, jornais.

vade retrum, prá trás,
leva pra escuridão
quem me assaltou o carro,
a casa e o coração.
não quero te ver mais, só daqui a anos,
nos anais, nas fotos do nunca-mais.

vem, Ano Novo, vem veloz,
vem em quadrias, aladas, antigas
ou jatos de luz moderna, vem,
paira, desce, habita em nós,
vem como cavalhadas, folias, reisados,
fitas multicolores, rabecas, vem com
uva e mel desperta
em nosso corpo a alegria,
escancara a alma, a poesia, e por um
instante, estanca
o verso real, perverso
e sacia em nós a fome
- de Utopia.


vem na areia da ampulheta com a
semente que contivesse outra se-
mente que contivesse ou-
tra semente ou pérola
na casa da ostra
como se
se
outra se-
mente pudesse
nascer do corpo e mente
ou do umbigo da gente como ovo
o sol a gema do ano novo que rompesse
a placenta da noite em viva flor luminescente.

adeus, tristeza: a vida
é uma caixa chinesa
de onde brota a manhã.
agora
é recomeçar
a utopia é urgente.
entre flores e urânio
é permitido sonhar.

Wednesday, December 12, 2007

Máquina de Costurar Saudade

Minha avó era costureira. Nas mais doces lembranças de minha infância reside a máquina de costura de minha avó. Eu ficava ali beirando horas a fio o seu manuseio com linhas, tesoura e passava horas observando seus pés sob o pedal da máquina, aquele vai e vem. Às vezes sentava no pedal e fazia, escondidinho, dele um balanço. Outras, também escondidinho, sentava na máquina e brincava de costureira. Quando surgia o flagrante, ou Bia me via e me dedurava, era um grito só:

-"Sai daí, menina, tu destraveia minha máquina!"

E eu saía, olhando o alpendre perto da laranjeira... A mesa grande cheia de roupas pra passar no ferro, à brasa para economizar luz,e a máquina no canto, reinando absoluta, talvez aquilo que fazia Dona Alda deslizar em sonhos.

O ser costureira deve ter nascido da necessidade de criar a filharada. Eram muitos e o dinheiro pouco. E ela precisava de algum trocado... Não sei bem porque desde que tive contato com aquela mulher, mãe, dona de casa, vó, as coisas já não eram tão ruins. Havia a despensa cheia de frutas e doces, de leite, manga e umbú.

Quando acabava os afazeres no fogão de lenha e acabava a louça lavada numa bacia de alumínio porque sua cozinha não tinha pia, e ela tinha que se virar, buscando e trazendo água de lá para cá, ela se sentava na máquina de costura e, talvez, por ali, tecia os sonhos do que não podia ser. Os sonhos das filhas... Quase sempre os sonhos seus.

De tardinha um café de bule e cuador de pano, só para agradar Chico Moreira que ali ia cortar a lenha do seu fogão.

As freguesas eram quase sempre fiéis. As filhas. As netas. Anália que morava com Dona Olga e a mulher de Zé Rodrigues da venda. Iam lá sempre.

Vestidinhos, camisolas, roupas da moda, emendas, reformas, tudo que uma máquina de costura podia fazer. Em seus olhos pendia a tristeza de sua máquina não ter zig-zag, mas quando ia a Salvador deleitava-se horas na máquina moderna da filha que de tantos apetrechos permitia até um “ elastec”.
Eu, já mocinha, reclamava quando ela colocava botões infantis com carinhas de coelhinhos e gatinhos em minhas melindrosas, quase sempre feitas de retalhos, emendas de roupas que um ou outro não queria mais. Ai, eu odiava botões de coelhinhos, mas vibrava quando ela me mandava na Rua da Igreja, em Dona Loyde, comprar ilhós ou botão. Era fabuloso. Chegava na janela e gritava:

-Dona Loydeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!!!

Ela aparecia.

-Vó Alda me mandou comprar tantos botões e um carretel dessa cor...

E meus olhos se entorpeciam ao ver a terna comerciante abrir aquelas gavetinhas recheadas de sonhos, botões de mil cores, linhas das mais diversas, e com aquele cabelo branco preso em coque, Dona Loyde puxava conversa, chamava Evergistro, seu marido, e a compra de botões, feche-ecler, ilhoses e linhas era sempre uma festa.

Nas minhas aventuras de fazer roupa de boneca furtar os retalhos de minha avó era uma arte. Quase sempre muito bem escondidos, para uma emenda num colchão, para isso ou para aquilo, haviam muitos, estampados com flores, listras, outros restos das antigas mortalhas de blocos de carnaval, do “Jacú”, “Sniff” , “Traz os Montes” e “Camaleão” (blocos de carnaval que meus tios desfilavam em Salvador), viviam num saco, uma mina de retalhos.

Isso me garantia convite certo pros aniversários de bonecas. Óbvio que o presente mais bem vindo era um retalho de bom tamanho que garantisse no mínimo um bom vestido para as zambetinhas (bonecas de plástico compradas na feira que mantinham eternamente a posição de bebê).

“-A avó dela é costureira, tem retalho...”

As meninas sussurravam e assim eu ia a todos os aniversários de bonecas. Levava o retalho (furtado é claro) embrulhado numa sobra qualquer de papel de presente amassado de alguma lembrança de parente vindo de Salvador e ai de mim se ela desse falta.

Nem sei por onde anda a máquina de costura de minha avó. Sua vista nublada talvez não mais lhe permita tentar costurar os sonhos que se quebraram ao longo do caminho... A máquina com “zig-zag” talvez nunca tenha aparecido, mas permanece em minha memória seu potencial em reciclar, em fazer roupa velha vira nova, desalento virar sonho e tristeza virar alegria. Sua felicidade em ver as filhas e as netas usando as roupas e vestidinhos mimosos que ela havia costurado com desvelo. Felicidade de artista em plena bienal.

Que pena que o tempo não costura as delícias que vivemos.

Para Vó Alda

Alyne Costa
Brumado, 12 de dezembro de 2007

Thursday, November 29, 2007

Pequena Divagação

Ilustração de J. Guillin: Reinações de Narizinho, 1930.



“O homem é um menino perene.”
Nelson Rodrigues



E a mulher?
A eterna adolescente de uniforme, sempre esperando o príncipe-motivo de todos os poemas, letras e desenhos rabiscados na agenda do colégio...
Meu primeiro símbolo sexual foi o príncipe escamado.


Alyne Costa
novembro de 2007

Thursday, November 22, 2007

Vôo

Moringas, by Alyne Costa, 2003, Acrílica sobre tela



O meu lema não busca uma frase única,

minha busca não procura verdades perfeitas,

olho o olho do meu irmão na rua,

será sua dor amiga da minha?

Os meus versos não procuram acalantos.

Minha sina é minha senda, minha paisagem.

Olho a luz acesa na casa de um igual, será sua luz chama da minha?

O meu passo não tem ritmo sozinho...

Meu passarinho voa livre no azul do céu.

Olho a boca do sorriso alheio, será sua alegria hemorragia da minha?

Os meus dias são regrados em intervalos.

Minha disciplina se edifica aos poucos.

Olho o gesto do irmão ao meu lado serão nossos guias cavalos alados?

As minhas dúvidas são frescas e serenas,

minha fé uma fonte e um quintal.

Olho a incerteza na fronte do vizinho, voamos juntos para dar as mãos e abraçar o mundo!


Alyne Costa

SSa, 1 de dezembro de 2002

Thursday, October 25, 2007

Entre o Toblerone e a Gravata

Gravura retira do site: http://www.dfonline.com.br/gravata.htm Meninos que usam gravatas, favor conferir. Meninas que dão nó em pingo de éter: vale a pena conferir!



Quando o desencanto chega você procura algo mais...
Um sabor novo, algo em que você confie e se entregue, uma mão que você aperte e sinta, são mãos como as minhas, fibras da vida!
Com as pessoas cujas mãos confio costumo brincar:
-Aperte minhas mãos, elas tocaram as mãos de Irmã Dulce!
Irmã Dulce para mim era de uma docilidade incrível e não foi por pouca razão que viveu tanto. Viveu da entrega, da doação, do amor incondicional ao próximo, assim como Madre Tereza e Chico Xavier. Vida é missão.
Eu não sou santa, nem um pingo! Na hora da raiva rogo praga mesmo!
Outro dia ao elogiar a gravata de um colega, outro colega falou:“_ Meu Deus, que falsidade!”
Bem, a gravata era de fato bonita.
Mas me deu vontade agora de discorrer sobre falsidade.
Ah... Que delícia!
Esta semana conversando com uma mulher gloriosa chegamos por acaso a uma canção:
“Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito, ainda mora... Lá de fora porque sei que a falsidade não vigora...”
Canção linda, versos guardados da infância e ela ao se despedir me disse:
“Até algum dia em que a falsidade não vigora!”
Pois bem...
Falsidade...
Eu sou tão explosiva! Falo abobrinhas, mando ir à merda, chamo de chato na cara e se elogio uma gravata e porque não havia encontrado nada de belo na alma para elogiar por um fato simples: vivo de observar almas, nuances, suspiros, dissimulações do olhar e sorrisos...
Só mesmo quem não treme, quem não cora, quem não explode em raiva, quem não se derrama em lágrimas, escondidas ou não, conseguem ser artistas na dissimulação.
Só acredito nos que coram, nos que se envergonham e nos que choram.
Dissimular deve dar um trabalho... Eu não sou tão inexperiente assim... Fiz teatro na adolescência e se preciso represento, ah, mas fingir sentimento é um atentado à minha personalidade. Sou assim: Amo todo mundo de cara, confio inteira, me entrego de alma, mas quando o cristal quebra, canto como o Guilherme Arantes:
“Bye, bye, so long, forever, adeus também foi feito pra se dizer…”
Com tanto cristal no mundo para que lapidarmos os que se quebram?
Com tanta gente no mundo de coração puro, de alma leve, de sorrisos brandos e de coração mole para que unir força, desperdiçar talento e atenção aos que se foram por opção.
Vida é reciclar: talento e sentimento.
A mais forte ignorância é a sentimental. Quem não sente, não pensa. Quem não pensa não cria. Quem não cria não vive.
E, assim, entre a gravata e o Toblerone, eu opto pelo Toblerone...
Falsa? Jamais...
Insubordinada, sempre!
Ainda bem que mulheres gloriosas não usam gravatas!





Alyne Costa


Cafundó, 25 de outubro de 2007

Monday, October 22, 2007

Enquanto as Velhinhas Rezam o Terço

Foto: Rosário by: Alyne Costa



Enquanto as velhinhas rezam o terço, a tardinha cai divinamente nesta esperança que seus olhos têm entre uma e outra ladainha.E a dor que elas aprenderam a domar, com o tempo se esconde atrás das cortinas, dos crucifixos ornados que ocultam o martírio daquele homem morto pelo próprio homem.Elas emudecem o sofrimento na luz das velas acesas nos castiçais e que choram por elas em suas parafinas. E nem se dão conta do bailar das salamandras.E em diferentes cantos das casas se erguem oratórios, sagrados corações - de Jesus, de Maria e os delas mesmas - imaculados por um só monossílabo: Fé.Um marido morto, um filho perdido, pra vida ou pro vício, um parente doente, uma dorzinha incômoda, de corpo ou de alma e eis mais uma novena, uma eucaristia, um jejum, uma missa e uma promessa.Enquanto os dedinhos enrugados das velhinhas perpassam as continhas dos terços, os dias, os meses e os anos se passam, atravessando o tempo como galope de uma oração. Inexorável, alheio, por vezes cruel...No final pouco importa a graça alcançada ou não, a saúde recuperada, a missa rezada. Recomeçam o ritual com seus vestidinhos de casimira... As mãozinhas deslizando pelo rosário, ora descançam sobre as alvas toalhas bordadas. Alvinhas como a esperança, tão sutil e sabidamente guardada em seus corações como uma ave-maria.Qualquer tristeza se esconde e elas apenas aguardam com resignação. O que esperam? Uma visita de filho ou de comadre. A chegada da prima distante. A cura. A graça. O findar da vida.Enquanto as velhinhas rezam o terço, os olhos parados dos porta-retratos parecem sorrir. E, de vez em quando, elas fecham os olhos e suspiram um alívio ao fim de um mistério. E dormem tranquilinhas enquanto ninguém desvenda o irrelutável mistério da vida. Para este os anjos em seus sonhos tocam harpas e entoam salmos.



Alyne Roberta Neves Costa
28/12/2005

Sunday, October 21, 2007

Um Cara Chamado Che!


Por um certo tempo eu li sobre a vida e a história deste cara.

Algumas pessoas fizeram a vida valer a pena...

Para Ele minha homenagem e para tudo que um dia sonhei...



Breve meditação sobre um retrato de Che Guevara

José Saramago


*Não importa que retrato. Qualquer um: sério, sorrindo, arma em punho, com Fidel ou sem Fidel, dizendo um discurso nas Nações Unidas, ou morto, com o dorso nú e olhos entreabertos, como se do outro lado da vida ainda quisera acompanhar o rastro do mundo que teve que deixar, como se não se resignasse a ignorar para sempre os caminhos das infinitas criaturas que estavam por nascer. Sobre cada uma dessas imagens se poderia reflexionar profundamente, de um modo lírico ou de um modo dramático, com a objetividade prosaica do historiador ou simplesmente de alguém que se dispõe a falar do amigo que descobre haver perdido porque não o chegou a conhecer.Ao Portugal infeliz e amordaçado de Salazar e de Caetano chegou um dia o retrato clandestino de Ernesto Che Guevara, o mais célebre de todos, aquele feito com manchas fortes de negro e vermelho, que se converteu na imagem universal dos sonhos revolucionários do mundo, promessa de vitórias a tal ponto fertéis que nunca poderiam se degenerar em rotinas nem em exepcismos, antes dariam lugar a outros muitos triunfos, o do bem sobre o mal, o do justo sobre o inícuo, o da liberdade sobre a necessidade. Emoldurado ou fixo na parede por meios precários, esse retrato esteve presente em debates políticos apaixonados na terra portuguesa, exaltou argumentos, atenuou desânimos, namorou esperanças. Foi visto como um Cristo que havia descido da cruz para descrucificar a humanidade, como um ser dotado de poderes absolutos que fosse capaz de extrair de uma pedra a água na qual se mataria toda a sede, e de transformar essa mesma água no vinho com que se beberia o esplendor da vida. E tudo isto era certo porque o retrato de Che Guevara foi, aos olhos de milhões de pessoas, o retrato da dignidade suprema do ser humano.Mas foi também usado como adorno incongruente em muitas casas da pequena e da média burguesia intelectual portuguesa, para cujos integrantes as ideologias políticas de afirmação socialista não passavam de um mero capricho conjuntural, forma supostamente arriscada de ocupar ócios mentais, frivolidade mundana que não pôde resistir ao primeiro choque da realidade, quando os fatos vieram exigir o cumprimento das palavras. Então, o retrato do Che Guevara, testemunha, primeiro, de tantos inflamados anúncios de compromisso e ação futura, juiz, agora, do medo encoberto, da renúncia covarde ou da traição aberta, foi retirado das paredes, escondido, na melhor das hipóteses, no fundo de um armário, ou radicalmente destruído, como se fosse motivo de vergonha.Uma das lições políticas mais instrutivas, nos tempos de hoje, seria saber o que pensavam de si mesmos esses milhares e milhares de homens e mulheres que em todo o mundo tiveram algum dia o retrato de Che Guevara na cabeceira da cama, ou na frente da mesa de trabalho, ou na sala onde recebiam os amigos, e que agora sorriem por haver acreditado ou fingido crer. Alguns diriam que a vida mudou, que Che Guevara, ao perder sua guerra, fez perder a nossa, e por tanto era inútil chorar, como uma criança que chora pelo leite derramado. Outros confessariam que se deixaram envolver por uma moda da época, a mesma que fez crescer barbas e cabelos, como se a revolução fosse uma questão de barbeiros. Os mais honestos reconheceriam que lhes dói o coração, que sentem em um movimento perpétuo de um remordimento, como se sua verdadeira vida houvesse suspendido o curso e agora lhes perguntasse, obsessivamente, aonde pensam que vão sem ideais nem esperança, sem uma idéia de futuro que dê algum sentido ao presente. Che Guevara, se assim pode dizer, já existia antes de ter nascido.Che Guevara, se assim pode afirmar, continua existindo depois de morto. Porque Che Guevara é somente o outro nome do que há de mais justo e digno no espírito humano. O que devemos despertar para conhecer e conhecemos, para agregar o passo humilde de cada um ao caminho de todos.

José Saramago é escritor, Premio Nobel de Literatura.

Sunday, October 14, 2007

Caravana de Sonhos

Pigg retirado do site: http://pcdec.sites.uol.com.br/


Haverá um tempo em que as pessoas não mais usarão sobrenomes.
Sua identificação civil na será substituída por barras de indicação, pois serão ressuscitadas algumas expressões como: Amor, Bem Querer, Meu Bem, Meu cheiro, Catita, Dengosa... E todo mundo vai se chamar feito namorado e namorada e este idioma não se transformará em nenhuma babel.
Amanhecerá um dia em que as crianças, entre si, trocarão seus brinquedos como se estes fossem sonhos. E as lojas de brinquedo deixarão de ser lojas e se tornarão reinos. As grandes fábricas não serão fechadas, serão anualmente premiadas como máquinas de ensinar a sonhar.
Será instituído por lei que toda criança até os 12 anos de idade precisará ver ao menos três vezes o filme: “A Maravlihosa Fábrica de Chocolate”. Para que possam acreditar para sempre que sonhos não têm limites!
Amanhecerá um tempo em que as cidades tornarão peças de museu os seus semáforos porque as ruas serão invadidas por inúmeras bicicletas coloridas, veiculadas por pessoas que residem perto de seus trabalhos... E as famílias terão mais tempo para curtir este ser família, para andar sem medo por lindas praças em que pássaros voarão livres e policiais comerão algodão-doces, com sorrisos de bombeiros.
Haverá um tempo em que escolas estarão abertas a todos que querem ensinar e aprender... Em que as aulas, quando necessárias, serão ministradas em grandes parques por professores-maestros que ensinam a compor e criar, em qualquer ciência, e assistidas por alunos cujos olhos brilham com a sutil delícia da perplexidade. E ninguém mais precisará pagar por qualquer ensino porque no fundo todos compreenderão que ninguém mais precisa saber que “saber” não se compra, nem vende.
Haverá um tempo em que as pessoas não mais perguntarão umas às outras-De onde você é?
Porque todos se considerarão cidadãos da Terra.
O bairrismo deixará de ser uma forma velada de preconceito e todo mundo será feliz por não pertencer a nenhum lugar pré-estabelecido.
Seremos humanistas, antes de patriotas e as fronteiras trocarão os tanques bélicospor imensas cercas de flores...
E a todos será prazeroso partir e chegar, por trocar culturas, linguagens, crenças e esperanças.
Haverá um dia em que mais ninguém será discriminado por sua fé. Da beleza do batuque do candomblé, dos rituais católicos, da solidariedade e perseverança dos testemunhas de Jeová, brotará a Paz. E, numa imensa ciranda, homens de todas as crenças se darão as mãos.
Amanhecerá um dia em que todas as flores se abrirão... A violência cederá lugar à irreverência. As portas, todas elas, dormirão abertas... E os anjos em revoada transformarão lágrimas em risos.

“”Na esperança de que também a própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para liberdade e glória dos filhos de Deus.” (Romanos, 8:21)


Alyne Costa

Brumado, 11 de outubro de 2007

Thursday, October 11, 2007

As Pessoas Mentem


Pigg retirado do Blog: http://bibiloni.cat/blog/?p=225


Hoje escrevi um texto bonito sobre esperança, sonho de ver semáforos apena em museus e o mundo colorido por inúmeras bicicletas em lugar de automóveis, quando os homens acordaram e perceberam que além de não poluir, elas conduzem e são muito, muito mais divertidas...


Mas o texto que atormenta minha alma é outro, fala sobre mentiras e confiança.


Semana passada, comendo uma pizza com um casal de amigos, um deles me disse:

"O amor tá acabando..."


Aquela frase soou em meus ouvidos como verdade e daquelas que machucam...


Lembrei de minha prima Sylvia. Fomos criadas tão distantes, mas somos tão parecidas, na genética, no signo, na ironia, até no tortinho do dedinho da mão. Mas em nossos encontros tão raros, ela com sua genialidade e sensibilidade me ensinou tanto. Por incrível que pareça, me apresentou Nelson Rodrigues....


Em uma noite ao visitarmos uma exposição eu tremia. E ela, com todo seu conhecimento científico foi branda:

"Você treme porque não comeu e aqui está frio..."


Saimos da sala fria e fomos para outra, bem quente, porque o artista estava expondo um trabalho feito com dendê e luz. Claro que o artista merece ser citado, um gênio, Ayrson Heráclito.


Dendê, calor, seja o que for, eu parei de tremer...


Eu estava numa fase magérrima. Devia pesar menos de 40 kg e um cidadão com uma câmara resolveu me fotografar.


Complexadíssima com minha magreza fui altamente mal educada e perguntei ao fotógrafo:

"Você me conhece?"


Ao que ele, vestindo um olhar de tristeza, apenas me respondeu:


"Pero que si, pero que no."


E eu fiquei com essa engasgada pro resto da minha vida.


Pero que si, pero que no...


E mais tarde, conversando com minha prima sobre determinado marchand, afirmei veemente:


-Um amigo me disse que esse cara é um canalha, um tremendo oportunista e que é envlvido em coisas muito suspeitas.


Minha prima, com sua serenidade genial, sua excêntricidade prima-irmã da minha e sua doçura face à minha ingenuidade, apenas me disse:


-Alyne, as pessoas mentem.


Aquela frase não tocou minha mente, tocou meu coração porque eu sempre fui uma crente fiel no que as pessoas me diziam...


Acreditava em tudo e em todos.


Com essa frase eu passei a desconfiar dos raivosos e dos invejosos, mentem por obstinação.


Mais tarde eu passei a duvidar de manchetes, revistas e noticiários: mentem pra formar opinião.


Mas é tão doloroso quando você se observa desconfiando daqueles que ama, daqueles com quem divide a vida...


É tão mais macio, mais leve, acreditar na mentira e, ao mesmo tempo, não enfrentar a verdade é covardia, é abrir mão de amadurecer e ter que se armar justamente contra pessoas que você jamais quereria depor armas, escudos e espadas.


Mas, triste... Assim é: As pessoas mentem!


O último contato que mantive com minha prima que amo e respeito tanto foi na véspera de Natal, falamos sobre política, sobre seus pais que eu quero muito bem, sobre ela e o marido e eu lhe fiz uma pergunta que sempre faço:


-A cura da AIDS está próxima?


Ela, sensivel, poeta, amável e cientista apenas me respondeu:


-Não, continue usando camisinha!


E nas minhas vivências diárias, eu sempre sonhadora, insisto em dar um crédito às pessoas, em dar um voto de confiança, em acreditar porque não sei qual a razão, mas eu acho mesmo que as pessoas são humanistas, são verdadeiras, inteiras no que fazem.


E, sinceramente, eu acho bem mais fácil lidar com a verdade, você não corre os riscos da contradição e desmentir, enrolar, ludibriar tira tanta energia...


Mas volta e meia a frase de minha prima, cai pesada e verdadeira sobre meu coração:


As pessoas mentem.


Difícil, doloroso, triste é selecionar em quem acreditar.


E enquanto isso, o Vasco vence de 2x0 e o São Paulo de 1x0.


As pessoas vão viajar na véspera de mais um feriado.


O então presidente do Senado pede para sair, talvez porque como ele, as pessoas mentem.


Você se lembra de Clara Nunes e do dia 12 de outubro, do "manto azul da padroeira do Brasil", Nossa Senhora Aparecida.


Seu filho tem febre e você cuida.


Seu amigo mais presente diz que sente dores e você recomenda um médico.


Enquanto estréia o aprendizado da desconfiança pelo simples fato de que:


As pessoas mentem! E, lamentavelmente, não permanecem crianças.






Alyne Costa


Brumado, 11 de outubro de 2007

Sunday, October 07, 2007

A Cor


A cor da fita é o laço

A cor do tênis: passo

A cor da vida é o destino

A cor do homem: menino

A cor do dia é o apreço

A cor da morte: endereço

A cor do orgasmo é a fonte

A cor do sol: horizonte

A cor da meretriz é a rua

A cor da melodia: aleluia

A cor do vermelho é a maçã

A cor da cura: romã

A cor do sorriso é o bis

A cor da bailarina: atriz

A cor do desejo é o sexo

A cor do sentido: nexo

A cor da letra é a canção

A cor do acorde: violão

A cor do som é a certeza

A cor da mão: destreza

A cor da abelha é o mel

A cor do idioma: babel

A cor da lágrima é o sal

A cor da pele: sinal

A cor da razão é a verdade

A cor do carinho: amizade

A cor da tristeza é a dor

A cor do arco-íris: Amor.


Alyne Costa

Salvador, janeiro de 2005

Para Gabriel, o poeta tímido (Barralino)

Ritos

Corpus Christi-Farmácia de Dona (Igaporã-Ba)



Teço tranças e rasgo fios


Vejo luas e rabisco navios


Febres


Odores


Calafrios


E se me calo, verbos flutuam


No parapeito do que hei de ser


Pertenço a qualquer lugar que me comporte


Minh`alma é crespa


Cultuo vendavais de toda sorte


Tensa


Suturo incertezas de um destino que rompe tardes


Arde


Atritos sobre o magma adormecido de um vulcão


Vertente


Poesia é o meu espelho oculto em erupção.





Alyne Costa


Salvador, setembro de 2004

Friday, October 05, 2007

Uma Pequena Flor


Hoje eu cometi uma pequena loucura... Minhas finanças não estão 100% em ordem e eu fiz uma loucura, eu me dei um presente.
Na verdade, minhas finanças dificilmente um dia vão estar em ordem, porque se algum dia eu ganhar muito, eu vou gastar muito, eu vou fazer caridade, eu vou dar presentes para pessoas que não costumam receber presentes. Eu vou me proporcionar um prazer de convidar a um restaurante muito bom uma celebridade da mendicância como o Roberto Bittencourt*.
Hoje já é um sucesso eu conseguir pagar minhas contas em dia. E não que fazer isto me torne mais digna que aqueles que não conseguem o mesmo, mas porque dever é uma coisa que simplesmente me angustia...
Mas sempre vi o dinheiro como algo flutuável... Não sei como, mas ele sempre aparece. Não suporto economizar, guardar, juntar, acho um verdadeiro pé no saco aplicações econômicas. Tudo bem que eu nunca tive dinheiro para aplicar, mas acho um porre aquele bando d elouco que trabalham nas bolsas. Meu Deus, aquilo é uma verdadeira e nítida visão do inferno!
Bom, mas voltando à loucura, eu me dei um presente...
E fazer uma loucura em prol de si mesmo, se dando um presente é uma coisa sadia, lúdica, um momento em que você se olha nos olhos e diz: Eu tenho me esforçado o bastante, o meu dinheiro é honesto, é o fruto do meu trabalho, da minha energia cidadã... Eu mereço me dar um presente.
Na verdade futilidades voam longe de mim. Eu não ligo para griffes, pago caro por prazeres gastronômicos, mas me amarro quando faço em casa um mexidão com ovo, arroz, feijão, tomate e cebola – além de pimenta, é claro. Prefiro os batons da Avon, desodorante de supermercado, não ligo pra carne, prefiro peixe e meu sonho de consumo é uma biblioteca.
Os melhores momentos de minha vida não me custaram dinheiro, custaram energia, flexibilidade, estudo, compreensão, autocontrole, perseverança, paciência e amor.
Mas eu hoje me dei um presente, pagarei em prestações, apenas para me lembrar que um pouco do meu esforço foi aproveitado em homenagem às minhas conquistas e espero que cada um de vocês saibam valorizar as suas próprias conquistas pelo simples fato que vitórias não se fazem ao acaso. Vitoriosos são os que recebem os méritos do universo.
Eu me dei uma pequena flor que vai durar pela eternidade. Uma pequena flor em forma de pingente de ouro para vingar e provar ao mundo que flores sobrevivem à qualquer dessabor.


Alyne Costa
Brumado, 5 de outubro de 2007
* Roberto Bittencourt é um mendigo que perambula pelas ruas do Centro de Salvador, sempre portando revistas, livros ou DVD's. Sabe tudo sobre a Revolução Russa, educado, fino e com jeito nobre é um lord sem vestes alvas.

Oratório


Agradeço a Deus as tantas coisas boas...
As mágoas que não ficam.
Os dons da imaginação.
Os versos que frutificam...
As cismas que assustam e, assim, fortalecem-me.
Agradeço ora com rezas decoradas.
Ora com histórias inventadas.
Com risos soltos a vapor.
Agradeço pelos que foram pelo vão das portas abertas.
Os que chegaram em horas incertas.
E os poucos que permanecem.
Assim, agradeço de cócoras sonhando fumar cachimbo.
Velando o sonho do menino que cresce, sem fazer caso algum das rugas que aparecem.
Que o tempo é mago e dá seu valor.
Nas dobras da alma que já não se ilude mais.
Que minimiza exigências e valoriza a paz.
Agradeço os poemas de Bandeira.
Ê Deus que tem tanta forma de falar.
Agradeço pelos que criam e lavam em fontes uma esperança que parece adormecer.
E Fé eu tenho muita.
Daquelas de ir à missa, rezar o santo ofício de joelho e temer as previsões do apocalipse.
Fé enorme na alfabetização, de criança e idoso.
Ê mundo novo que surge quando alguém aprende a ler.
Agradeço as palavras de amor que ele me diz.
A intuição que me sussurra verdades.
Por esta riqueza imensa na hora de sonhar.
Pela falta de limites.
Pelo medo de não ter concerto.
Pela leveza dos vícios.
Pelas asas ante os precipícios.
Por ter aprendido a voar.
Agradeço, ainda, por não ter sucumbido à desilusão.
Pela fibra nova que me deste no sertão.
Pelo cobre honesto e por cada pedaço de pão.
Pelas palavras que não se calam.
Pela coragem de falar.
Pelos rumos que mudastes.
Pelo caminho a andar.
Agradeço, humilde e pia, pelo sorriso de Maria.
Por cada flor, cada alegria.
Cada noite e cada dia.
Pela canção dos violeiros...
Pela raça de romeiros...
Pela vida em procissão.
Pela verdade que resta.
Pela crença mais deserta.
Por ter sempre a porta aberta...
E estendida uma mão.
Enquanto acendo um cigarro, o último da madrugada...
Agradeço pela chuva, pelo arado, pela enxada.
Pelo verde que persiste.
A vida que insiste...
Pelo de comer.
Pelo de beber.
Pelo de sonhar...
Pelo de ser...


Alyne Costa

Brumado, 5/10/07

Wednesday, September 26, 2007


"Na verdade, aqueles entardeceres com rum e luz dourada e poemas duros ou melancólicos e cartas aos amigos distantes me faziam ganhar confiança em mim mesmo. Se você tem idéias próprias – mesmo que sejam só umas poucas idéias próprias –, tem de compreender que estará sempre encontrando caras feias, gente que vai fazer questão de lhe dar o contra, de diminuí-lo, de “fazer você entender” que não tem nada pra dizer, ou que você deve evitar aquele sujeito porque é louco, ou efeminado, ou um verme, um vagabundo, outro porque é punheteiro ou voyeur, outro porque é ladrão, outro, macumbeiro, espírita, maconheiro, outra porque é canalha, indecente, puta, sapatona, mal-educada. Eles reduzem o mundo a umas poucas pessoas híbridas, monótonas, aborrecidas e “perfeitas”. E assim querem transformar você num excluído de merda. Jogam você de cabeça na seita particular deles para ignorar e suprimir todos os outros. E lhe dizem:“A vida é assim, meu senhor, um processo de seleção e descarte. Nós somos donos da verdade. O resto que se foda.” E como passam trinta e cinco anos martelando isso no seu cérebro, quando você está isolado se acha o máximo e se empobrece muito porque perde uma coisa bonita na vida, que é desfrutar a diversidade, aceitar que nem todos somos iguais e que se assim fosse seria muito chato."

Pedro juan gutiérrez - trilogia suja de havana

Saturday, September 08, 2007

Pedra

Carlos Drummond de Andrade



Como num silêncio profundo a poesia sumiu dos meus olhos.
Apareceu em meu sonho como estandarte.
Penso em ti, poeta, quando os seus versos sumiam e cochilavam em sua alma.
E, assim, essa poesia muda grita em mim.
Debruçada no infinito, ela é soberana.
Sua vigília entoa ladainhas, mas não me traz a alegria dos salmos.
Essa poesia, Carlos, é a voz dos anjos sussurrando a inquietude de todos os poetas.
Quando ela corrói as entranhas, envolve o poeta e este não a consegue traduzir no papel.
Resta essa tristeza imensa em não traduzir.
Florbela, Adélia, Cecília, Clarice, Cora Coralina, Ana C.
Umas, assim.
Outras assado:Rosa, Olga, Pagu, Simone, Zuzu Angel.
Quando a poesia se faz fêmea e num mesmo peito se acasalam a condição de poeta e a de mulher.
Peço-te licença... Não consegui ser gauche.
Só vejo uma pedra.

Alyne Costa
Brumado, 8 de setembro de 2007

Thursday, September 06, 2007

Vendaval

Meninas do Paquistão



Cores estranhas num telefonema.
O sabor amargo na alma que chora.
O sabor do medo que no sonho queima...

Cores da vida em amarelo gema.
O sonho que chega a cada nova aurora.
O sonho da seção da tarde ser cinema...

A doçura de um filme de Carlitos.
O aroma de versos soltos num varal.
A dor abortada em infinitos gritos.
A infância renascida em fruta de quintal.

A solidão que aprende novos ritos.
A esperança dança em voltas num pombal.
A resignada obediência a mitos.
A sábia serenidade abranda o vendaval.


Alyne Costa
Brumado, 06 de setembro de 2007

Sunday, September 02, 2007

Quando resta o nada... Que Clarice fale por mim aos que insistem em não ouvir...


Quando me restar o nada...

Quando tiver a certeza de nada ter...

Quando ninguém mais inspirar confiança...

Que me leiloem as pobres vestes!

Eu nada tenho que pese em suas balanças!

Sou poeta e fundo reinos.

Meu erário não se mesura.

Que exponham meu nome em seus diários.

A minha poesia é intangível!


Alyne Costa, Brumado 2 de setembro de 2007


Clarice:


Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,

todos vazios de Tua presença.

Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude.

Faça com que eu seja a Tua amante humilde,entrelaçada a Ti em êxtase.

Faça com que eu possa falarcom este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala.

Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.

Faça com que a solidão não me destrua.

Faça com que minha solidão me sirva de companhia.

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.

Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Receba em teus braçoso meu pecado de pensar.


Clarice Lispector

Saturday, August 18, 2007

O Filho-Poema Meu


Meu filho me furta a máquina fotográfica digital...
Estréia um reino novo entre a distância que abre foço entre nós.
Deita comigo sob a colcha de retalhos para eu não dizer mais que não tenho marido.
Aprendeu a madrugar.
A ter mais delícia em voltar pra casa do que ir à aula.
Me acorda de noite com pés gelados, ri alto e acorda a vizinha.
De vez em quando coloca meia nos pés para surpreender...
Volta na hora certa para não me preocupar e aprendeu a fazer poemas.
Meu filho cresce fazendo apostas com minha tristeza.
Reclama, birra, faz greve.
Brinca de ser meu dono.
E eu me vejo cheia de um amor novo.
Um amor tão moderno que nem cabe nas minhas velhas lições do improviso.

Alyne Costa
Brumado, 18 de agosto de 2007

Wednesday, August 01, 2007

O Poema-Pai do Meu


Agosto em mim, nubladas paixões
E veias rompem, vasos dilatam
Sobre a lápide, a lembrança do menino-tenente
Na estante os olhos da lucidez me fitam.
Cercado de púrpuras rosas.
Os olhos do poeta resuscitam.
Do poeta de tanto ver
E, ainda, sem sombras, sem foco de dor, seus olhos me fitam a lançar-me lembranças:
Das ondas de arco-íris.
Do olhar de Célia.
Do tempo em que lhe sobraram apenas seus dois olhos e seu eu.
Cada um ao fundo do que pertencia.
O poeta cantador e violeiro.
Antecipador da razão.
Que rezava em fina maestria ter sido o findar da inocência a falência do seu querer.
Foram teus os versos-pai dos meus.
Como a minha angústia também procria.
E neste bailado da saudade que me invade.
Não brilham apenas os olhos-luz de Célia.
Brilha tua luz, ampulheta de minha alegria.
Brilha sua nudez pela Avenida.
Brilha teu cobre doado pela garrafa de café.
Brilha tua nobre inversão de valores.
A tua prodigalidade matriz da minha.
A tua doação, suas lágrimas repletas de verdade.
O seu poema ainda vive em mim...
Corre por minhas veias assimetricamente e em desafio.
E o teu canto, poeta vivo em minha estante, cercado das púpuras rosas que por ti criei...
O teu canto, poeta, vive em minhas entranhas.
Me amanhece quando é sol.
Me acalanta quando há lua.
O teu poema guardado manuscrito nos meus íntimos labirintos.
O teu gemido, teu pranto de dor.
De uma dor sem tradução...
Está tão vivo a fitar-me com teus olhos.
Cobrando-me a caderneta de anotações.
Exigindo-me contas e condutas.
Coragem e imaginação.
A prestar-lhe contas da vida que me deu.
Vida como a sua...
De poeta e flor.


Alyne Costa
Brumado, agosto de 2007

Monday, July 09, 2007


Por Acaso, o Ocaso


A tarde que cai tem, assim, uma cor de incerteza. Uma chuva de dúvidas
desaba e o coração da gente fica quietinho como se houvesse um espinho ou um caquinho de vidro moendo por dentro.
Dá vontade de ouvir canto de lavadeira voltando da bica. Trouxa alva na cabeça, no bolso um pedacinho de anil e na alma uma amendoeira frondosa que faz sombra sobre suas dores.
O menino sobe as escadas e acorda a mãe do devaneio num grito:
“- Mãe! Ô, mãe, vem ver Deus!”
“- Que Deus, menino?”
“- Deus, nosso Deus...”
Os olhos da mãe espreitam para ver melhor o sol a se deitar em róseos tons. O horizonte não tem mar. Ao longe um morro que não sabe o nome. Batiza de “Morro de Nosso Deus”. E o morro, o sol, o horizonte, a cor do rosa que reveste o céu são inundados dos sonhos de mãe e filho.
Na caatinga é assim. Cor-de-rosa é a cor do sol se pondo. Como se jatos de esperança varressem com anjos as dores que só se sabe de ouvir falar.
A caatinga não sai no jornal da capital.
A flor da caatinga não sai no jornal da capital.
A dor da caatinga não sai no jornal.
A fibra do povo da caatinga não sai no jornal.
A caatinga não sai.
E uma nuvem alva rasga o ocaso como se a miragem do menino desanuviasse a melancolia da mãe que cisma sobre sabedoria e imaginação, terreno fértil em terras de coração inocente.
A mãe volta a seu novelo de poesia, querendo dar-se por conta do que perdeu. Entre cética e orgulhosa pensa na cria e julga ouvir aboios alados. Deus a livre de alma penada.
O menino volta pra bola e pro jogo de botão. A meninada faz volta na sala, quase obediente.
E a noite chega devorando as valas do abismo entre o que podia ter sido e o que será.
A noite galopa em açoites angustias e medos. A noite assombra o inaudito. Uma quase volúpia da madrugada, a noite palita os dentes.
Exaustos do feito e do por fazer, mãe e filho adormecem... Dos sonhos, Deus, nosso Deus toma conta.
E uma procissão de candeeiros invadem a lua.


Alyne Costa
Brumado
9/07/07

Saturday, June 16, 2007

São Joaquim de Todos os Santos


Foto retirada do site:
marcelokatsuki.folha.blog.uol.com.br/arch2006...



São joaquim, feira de todos os santos
De tantas Marias com seus balaios
De tantos Josés com seus temperos verdes, azuis e violetas
De tantos pais e filhos de santos com seus incensos, folhas e fés
São Joaquim, feira de todos os santos
Retrato vivo da história dos escambos
De onde de cara recanto emanam produtos e profusões
Não é feira, é procissão
E seus fiéis, devotos fregueses, buscam em ti, além das belas e frescas frutas, os ramalhetes que oferecem a sua imagem viva.
Seus fiéis, devotos fregueses, buscam em ti a herança recôndita de um tempo em que comprar era o olho no olho da tradição.
Feira de hábitos dos nossos antepassados
Feira livre da invasã dos outdoors
Feira livre das barras de indicação
Feira de São Joaquim da Bahia, eternamente livre de qualquer transplantação.
Laboratório alquímico dos que ali compram, vendem, pexinxam, passam os olhos e apenas vêem.
Feira dos inesquecíveis pregões
Feira dos violeiros
Feira dos repentistas
Feira de todos os artistas
Feira dos nativos de todo canto do mundo que sabe cantar
Feira das madames mais econômicas
Feira dos cachaceiros e suas sonecas sagradas.
Feira universal
Sua beleza provém da permisssão que dá aos homens do exercício da troca
E que seria do homem sem dar e receber?
Feira da livre subistência existencial.
"- Olha a banana da Terra!"





Alyne Costa,Ssa, 4 de outubro de 2002

Monday, June 04, 2007

A Menina e a Tesourinha



Gravura retirada do site: http://www.tkoisas.com.br/ca_49_60_bonecas_papel.htm



A menina e a tesourinha

Havia um tempo em que menina brincava de costureira com bonequinhas de papel. Eram vendidas em cartelas. Recortava-se as bonecas com suas cabeças enormes e suas roupinhas. E elas tornavam-se enfermeiras, colegiais, personagens de contos de fadas.
E assim, estilista mirim de sonho e alegria, a imaginação ganhava mundo.
Era uma época também de reunir os retalhos de minha avó e preparar as roupinhas da Suzi de cabelo cortado por um mão nada destra.
E, assim, naquele zigzag de uma máquina de sonhos, os recortes de tecido ganhavam vida e a tesoura deslizando nos tecidos e papéis, cortavam a inquietação que cresceria com a menina até chegar-lhe a ciência de que tentações lhe traziam a arte.
Bonecas poderiam ser de plástico ou uma soberba Barbie em seu salão de beleza. Todas de igual valor.
E a menina ia tecendo seus sonhos, costurando afetos e aparando dúvidas.
Anos depois outros recortes seduziriam a menina: a audácia de Matisse.
E ela se pôs a recortar medos, angústias e opressões.
Ora com versos e ora com preces.
Ajoelhada ante imagens de santos, índios e caboclos. Pretos-Velhos e Orixás.
Talvez de tantos recortes tenha emanado o sincrético. A crença nos três reis magos e a permanência das orações.
Talvez da mão que manuseava a tesoura nas bonequinhas de papel tenha nascido as mãos que afagam através da arte e da poesia as dores que não lhe pertencem, mas que se tornam suas na percepção de que sonho e dor também se divide.
E assim, docemente, na mulher que amadurece, renasce a menina a fundar reinos com sua tesourinha.





Alyne Costa


Brumado, 4/06/07

Wednesday, April 25, 2007

Até os "camelos" precisam de água....

By Rodrigo Amarante



O Los Hermanos anunciou um período de trégua.
Ou seja, um período de relax.
Alguns alardeiam a separação do grupo. Rumores...
Inicialmente devo aqui lembrar que nenhuma união é indissolúvel.
Convivência é isso mesmo, nos suportamos uns aos outros até determinado tempo ou limite e isto não significa necessariamente desavença, falta de amor ou afeto. As vezes a separação surge para que os sentimentos sobrevivam.
Quem esteve cara a cara com o diabo que habita a alma do irmão que o diga.
Os mais doces bárbaros seguiram suas respectivas vidas e a relação permaneceu mais doce que bárbara, pelo menos ao que vemos e eles não precisam dissimular.
Ninguém é obrigado a conviver ao limite da saturação. Relações saturadas são como aquelas coisinhas sem razão que colocamos no carrinho do supermecado.
Gente não é chiclete, nem aparelho de barbear em promoção.
Gente tem sabor sim, mas tem alma, mania, vício, neurose, nóias mis e vontades nem sempre convergentes.
Se a relação já deu, tchau.
Se dentro da relaçaõ havia criação ai é que não dá mesmo, nasce uma babel e até se tentar construir, desaba.Se conviver já é difícil, a sublime arte de criar é um natimorto.
Ninguém vai me convencer que o motivo foram cifras. Du-vi-de-o-dó.
Digo e repito, depois da Legião Urbana foi a melhor banda que esta nação pariu nas duas últimas décadas.
E ai um cara estranho olhou a flor, em plena primavera, embora o vencedor seja ao fundo um vento sentimental.
O artista precisa parar quando beira a perfeição.
É preciso crise, rupturas, ser virado ao avesso pela vida, triturado pelos antagonismos do destino para que a arte seja sempre aquela que tangencia a perfeição.
Aquela que busca, que bate na porta e a porta não abre, que esmurra a porta e os vizinhos acorda, que arromba a porta e a polícia leva.
A arte nunca foi santa. Nem feita de eterno sol. A nasce abre-se no obscuro dos ocasos, nas sobras de nossas almas e nas chagas de uma peregrinação em torno do que somos e do que propomos.
Eu me descobri jardim e andei cortando ervas daninhas que com seus mimetismos e clonagens nada inobservadas, me furtavam a delícia de estar em flor, à flor da pele.
E o pior, a minha singularidade. O tesouro das idéias que brotaram aqui deste peito por muito sofrimento, muita dor, muito cai e levanta. Sai pra lá, sugar o fruto do meu sofrer. Ai não, violão. "A dor é minha e de mais ninguém..."
Aprendam com suas próprias dores, elas não são grilhões, são, antes, aprendizado.
Que Los Hermanos prossigam: Hermanos.
Em coisa ruim não vai dar.
Agora uma musiquinha:

Adeus Você
Los Hermanos
Composição: Marcelo Camelo


Adeus você

Eu hoje vou pro lado de lá

Eu tô levando tudo de mim

Que é pra não ter razão pra chorar

Vê se te alimenta

E não pensa que eu fui por não te amar

Cuida do teu

Pra que ninguém te jogue no chão

Procure dividir-se em alguém

Procure-me em qualquer confusão

Levanta e te sustenta

E não pensa que eu fui por não te amar

Quero ver você maior, meu bem

Pra que minha vida siga adiante

Adeus você

Não venha mais me negacear

Teu choro não me faz desistir

Teu riso não me faz reclinar

Acalma essa tormenta

E se agüenta, que eu vou pro meu lugar

É bom...Às vezes se perder

Sem ter porque

Sem ter razão

É um dom...

Saber envaidecer

Por si

Saber mudar de tom

Quero não saber de cor, também

Pra que minha vida siga adiante



ADIANTE!!!
Alyne Costa
Brumdo, 25 de Abril de 2007

Tuesday, April 24, 2007

Em Meu Coração


Van Gogh



Em meu coração

sangue,

em meu coração

luas bebadas tropeçam

e cactos loucos em fugas

cantam jardins distantes.


Em meu coração,

a flor

chora em pedaços

e lagrimas pretas

desfloram virgens.


Em meu coração teima

a escuridão

dos olhos teus

e

o amor arde

em eternas labaredas.


ronaldo braga
*Poemas e textos maravilhosos de Ronaldo Braga podem ser encontrados em

Friday, April 20, 2007

Sobrancelhas






Estava aqui a pensar sobre quem faz as sobrancelhas.
De fato ia começar o texto sobre mulheres que fazem as sobrancelhas...
Mas aí acordei e lembrei de alguns amigos que fazem sobrancelhas e outros que indo mais além, se depilam: tórax, pernas, barriga...
Mas meu tema é feminino...
Minha tia acha lindo mulheres de sobrancelhas grossas, são exóticas, diferentes e extraordinárias.
O cantor do trio grita:Quebra, ordinária!
É preciso ter sobrancelha feita pra quebrar.
Mulher de sobrancelha grossa não quebra, no máximo perde lentes de contato. Imediato?
Eu era adolescente e minha mãe arrependida por ser uma escrava da pinça sempre dizia:
“-Nunca faça a sua sobrancelha, ela é linda!”
Um dia eu fiz...
E não me tornei escrava.
O rosto fica mais sociável com ela depilada, trabalhada à pinça, mas não muda nada na alma da gente.
Já mãe perguntei:Eu fico mais putona?
Ele repara mesmo?
Devo confessar... Até agüento uma hora de salão pra fazer uma escova, por ossos do ofício.
Mas por macho não!
Eu precisava estar debilóidemente apaixonada para passar três horas num salão fazendo “decote”, “perna”, “sobrancelha”, escova e outros itens ... Só na condição de debilóide apaixonada, e eu já estive, confesso.
Entrementes, na época eles não ligavam tanto para pelos. E há os que preferem pelos. Ai convém sondar.
Um tempo antes de se martirizar na depilação, sonda o cara, vai que ele gosta das coisas menos lisas.
Conheço uma apaixonada tão veemente que se pudesse saia igual manequim... Nua em pelo, até de cabeça raspada e de peruca. O supra -sumo da higiene. Tudo quites com o amado.
Mas eles também se depilam? Tive um ex que fazia unha, achava-o suspeitíssimo.
Homem ter tempo pra fazer unha?
Tudo bem.... Nada contra a vaidade masculina.... Mas a pessoa que gosto não precisa sair por ai sair se raspando.
Gente, nada contra quem goste.....
Mas tudo a favor do direito de eu não gostar de raspadão.
Imagina que quando começa crescer... as graminhas devem espetar.
Eu não gosto de cabeludo do estilo Tony Ramos, por isso evito... Mas não é por isso que vou obrigar as pessoas à dor de uma depilação.
Meu negócio é gilete.
Rápido, descartável e funciona.
Tudo bem, quando estou muuuuuuuuuuuito apaixonada até me dou ao luxo de dar minha sobrancelha à uma alma boa para depilá-la:
Artesanalmente....
No fundo fica bonito, melhora na hora de passar lápis e sombra.
Agora., sem paixão é era das cavernas mesmo.
Cresce tudo, igual árvore...
O alívio é que vizinho não vai reclamar, o IBAMA não pode se intrometer e a gente fica à vontade.
Buço?
Ah, santa, aí, só casamento.....









Alyne Costa



Brumado, 20 de Abril de 2007

Saturday, April 14, 2007

Dodói

Camila by Alyne Costa, junho de 2006





Onte eu vi maria no seu jardim

Tá cuiendo flor prá jogar ni mim

Bem que eu tô sabendo que ocê é meu

Tá cuiendo flor pra jogar ni eu

To doidim mode ela, ela doidim mode eu

Tá cuiendo flor pra jogar ni eu

Ei flor, cadê o cheiro que você prometeu

Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu

Ei flor, será que não se lembra mais deu

Ei flor, daquele cravo dijuntim seu

Amor, nosso brinquedo no pé de juá

Ei flor, não esconda vê se vem me dá

Amor, será que ocê se esqueceu de mim

Não acredito no que vejo

Pois sei que o seu desejo

Era me amar até o fim

Amor, será que bicho foi que te mordeu

Ei flor, será que foi que se assucedeu

Amor, não lembra mais do seu dodói

Eu era o lírio dos teus olhos

Nóis banhava no riacho

Diacho valha-me deus

Ei flor, cadê o cheiro que você prometeu

Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu

Ei flor, será que não se lembra mais deu

Ei flor, daquele cravo dijuntim seu

Juraildes da Cruz

Thursday, April 12, 2007

Farol


Farol


Clara... Feito sol na cara.
Filtro... De qualquer abismo.
Sentinela... Olhos à vida!
Rumo... Traçados moldados à carinho.
Vinho... Raro.
Flor... Exposta a flutuar.
Entre o cais e a Beiramar.
Broto... Nascido na ribanceira.
Queda de barranco, sem riscos.
Sem sentimentos omissos.
Pluma que flutua entre o que foi e o que podia ser.
Doce... Sabor de fruta derradeira.
Sol de Humaitá, sorvete da Ribeira.
Vento... Que oscila.
Lua... Que paira sobre os receios.
Dos amores guardados.
Dos sonhos divididos.
Dos medos reprimidos.
E baila soberana feito atriz.
E rodopia nos tapetes da amizade.
Eterno colo dos que a buscam...
Coberta com véu pelos que não compreendem.
Feroz pelos que a surpreendem.
Feita de lutas, labutas...
Mas sempre com asas.
Pode voar.
Mas sempre com amor.
Pode sonhar.
Mas sempre com quereres.
Sabe amar.
Luz de além mar!

Brumado
11 de abril de 2007
Para Raquel Florence

Monday, April 09, 2007

O Girassol e a Pena de Talião


Conheci Rubem Alves (a obra e não o autor) em 1997, através de um cartão de boas-festas de um político. A linguagem de Rubem Alves me toca profundamente pela valorização do simples e por suas referências: políticos e jardineiros, dentre outras.

Me identifico também com a valorização de seu passado, isso me leva de volta aos seis anos de idade, quando acordava e ia com meu avô ao curral beber espuma de leite, tirada da hora das tetas das vacas.

Você pode completar 60, 88, 106 anos, mas sua infância permanece...

É esse lado infantil que, de repente faz reinar o inusitado. Quando falamos coisas fora de hora, rimos do que não devemos e, não raro, nos deparamos com os momentos mais salutares de nossa existência. Criança é arteira. E quando nos deparamos com problemas aparentemente sem solução, quando crises nos abalam e quase que na marra amadurecemos, emerge não sei de onde uma criança e sobrevoamos a dor.

E muito comum é olharmos para trás e rirmos deliciosamente daquilo que um dia foi um problemão.

O primeiro trecho de um texto do Rubem Alves que eu li falava sobre as flores do capim gordura.

Eu nunca vi uma flor do capim gordura.

Mas tudo que tendia a ser simples, livre e belo me remetia ao texto.

Minha mãe hoje me reclamou que meu filho de doze anos anda muito revoltado.

Vou contar a história, esta semana santa fui visitá-lo em Salvador e minha mãe estava no interior visitando meu avô que se recupera serelepe de um coma.

Meu filho me chamou no canto e me mostrou orgulhoso duas mudinhas de planta num xaxim. Ele havia plantado duas sementes de girassol (que meu irmão mais velho, passarinheiro, utiliza como nutrição para as aves que cria, impunemente, em cativeiro – IBAMA – Aloooouuuu!!!!) e elas brotaram.

Fiquei muito feliz porque eu amo girassol, porque ele plantou por sua própria iniciativa e porque ele estava feliz com o crescimento da planta. Ai, falei:

"- Quando crescer, você vai me dar um girassol... "

Ele sorriu gostoso com aqueles dentes característicos dele e que faz a família me crucificar porque ainda não mandei colocar um aparelho. Antigamente a implicância era para cortar a gengiva porque os dentes da frente demoraram de nascer. Relutei, não cortei e os dentes nasceram enormes.

Para mudar de assunto serei clara, acho que ele ainda não está maduro para usar aparelhos e também não tenho dinheiro. Já pensei em lançar uma campanha:

Ajude o Vitão a consertar seu dentão!

Voltando ao girassol... Eu tenho mão boa pra planta...
Eu plantei gerânios na casa da minha avó. Meus gerânios vingaram, são viçosos e dão flores lindas.

Eu confesso que sonhei com o girassol de meu filho. Ia ser “O Girassol”!
O problema é que ele plantou no mesmo xaxim em que havia uma “tentativa” de avenca de minha mãe. Tudo bem, não importa quem ia ganhar a parada, a avenca ou o girassol, o problema é que minha mãe sem saber:

Puft! Arrancou as três mudinhas para deixar livre o terreno.

Ele na sua visita diuturna ao xaxim percebeu que foram arrancadas e perguntou:

”-Quem arrancou minhas plantas?” – Minha versão, de mãe que conhece o filho.

“-Quem arrancou meus feijões?” – Versão de Minha Mãe.

“Fui eu!”, disse Minha Mãe – nas duas versões.

Ele, aplicou de imediato a Lei de Talião, foi lá e:

Puft! Arrancou as tentativas de avenca.

Bom. Isso foi a revolta citada por Minha Mãe. Eu, óbvio, defendi, afirmando que não eram feijões e sim, girassóis e que ele estava cuidando deles com todo carinho e havia, inclusive, me mostrado.

Ela contrabalançou, disse que tudo bem, mas que não era motivo para que ele arrancasse sua Avenca.

Tudo bem, Rubem Alves pode não ter nada a ver com isso. Mas acho avencas e samambaias umas coisas horríveis. Umas cafonices. Prefiro mil vezes as jibóias que nada têm de exigentes e saem soltas, trepando por qualquer lugar, revolucionárias, independentes, dotadas de uma tonalidade verde vigorosa e que fazem de qualquer casa uma selva.

Era ai que queria chegar.

As mudinhas de girassol de meu filho, ainda que não vingassem, era um sonho, um projeto, uma meta... A avenca uma tentativa imbecil de ostentação. Aquela muda arrancada foi uma vitória abortada, já o assassinato da avenca, a rebelião.

Sim, Rubem Alves não tem nada a ver, mas vou deixar o texto que me marcou e que me fez olhar diferente para plantas, gaiolas e aquários:


“Quem experimentou o cheiro e a cor do capim gordura não esquece mais. Menino, lá em Boa Esperança, meu tio João Gordo, que era extremamente magro, me pegava antes das seis da manhã para ir até a fazenda, para a ordenha das vacas. Os cavalos caminhavam sem pressa. Conheciam o caminho. Passadas as ruas da cidade entrávamos na estrada de terra e tomávamos uma trilha à direita. A trilha quase não se via, coberta que estava pelo gordo capim gordura que se derramava sobre ela. O silêncio, o cheiro dos cavalos, o barulho dos cascos no chão, o cri-cri dos grilos, a música da água de um riachinho que corria escondido sob o capim, a neblina e o perfume do capim... Isso faz parte da terra das Minas Gerais, terra-saudade. É pedaço de mim. Quem é mineiro sente dor só de lembrar. Depois, quando eu era maior, da janela do meu quarto eu via um campo de capim gordura florido, ao longe. Cor de rosa. Quando o vento passava o rosa ondulava. As vacas gostavam. Acho que ficavam felizes e da sua felicidade saia o leite mais saboroso, o queijo mais perfumado, como aqueles queijos da Serra da Canastra. Mas depois veio o tal do progresso e disseram que havia um capim mais forte, o tal de Braquiária, africano. De fato, mais forte. Praga que uma vez plantada não há o que acabe com ela. As vacas comem por não ter outro. Mas se vingam. Seu leite não tem o mesmo cheiro. Os queijos não têm o mesmo perfume. Andando pela Fazenda Santa Elisa a gente ainda encontra os capim-gordura floridos. Quando o sol ilumina suas delicadíssimas flores a gente, sem querer, rende graças.
Construo os meus altares à beira do abismo escuro e frio. Os fogos que neles acendo iluminam o meu rosto e me aquecem. Mas o abismo continua o mesmo: escuro e frio. “
Rubem Alves

Esse cafundó é um desabafo só. Mas confio em vocês. Vocês não comentam.
Agora posso até cantarolar: Girassolllllllllll. Ó, Meu Girassol Amarelo... A-MA-RE-LO.


Alyne Costa

Brumado, 9 de abril de 2007

Thursday, March 29, 2007

Coração Forasteiro

Foto retirada do site: http://www.paginadogaucho.com.br/hist/sulr-05.jpg
Homenagem a meu bisavô, tropeiro, Américo Lopes



Meu coração forasteiro apenas olha as estrelas do céu
São belas e pertencem a todos
A chuva que cai
Lavando a alma
Pertence a todos
O canto dos violeiros
Pertence a todos
A esperança
Pertence a todos
Meu coração, acabrunhado, chora...
Eu e meus exílios.
Minhas fugas e buscas....
Um dia irei a Pernambuco,
Aquele cantado por Miguel Carneiro.
Um dia serei Romeira e darei graças em Aparecida.
Por um milagre.
Por minha Fé.
Pelo Meu Coração.
Mas meu coração forasteiro só pede uma rede pra dormir.
Cinco minutos em frente ao mar.
Que viver requer paisagem.
Abraço.
Aperto de mão.
Vida, minha vida...
Aonde vais me levar?
Se cega, apenas tropeço e perdi os rumos de mim?
Estas ondas que escorrem de meus olhos e salgam minha boca.
São ondas da solidão que escolhi.
De um sonho perdido.
Um coração partido.
Seu moço violeiro, canta pra me levar ao jardim do paraíso.
Canta, que urgente preciso, voltar a sonhar.
Que agora apenas quero o colo de meu filho...
As preces de minha mãe.
O riso do meu irmão.
A força dos meus afetos.
Canta violeiro....
Minha alma poeta precisa de ilusão.

Brumado, 29 de março de 2007


Wednesday, March 28, 2007

A Mulher de Roxo

Foto retirada do site: http://flame.blogs.sapo.pt/arquivo/P1050119-2.jpg
Não achei nenhuma foto da Mulher de Roxo. Pesquisem.... Nossas lendaS são esferas de nossa vida.


Oswaldo Montenegro já cantou outra abordagem da solidão...
Eu que já fui só em meio a uma multidão, hoje procuro compreendê-la e dou mil vivas a Bill Gates. E assim, deletos alguns "amigos" e "adiciono" outros. Vida é reciclagem.
E no meio do barulhinho da TVE, até agora a única coisa que estou vendo prestar, fico imaginando a solidão dos que aprenderam a desligarem seus celulares, julgando eterno seu poder, risos...
Pobres mortais, nem de longe tangeciam a beleza da solidão da Mulher de Roxo. Aquela que eu tantas vezes vi, menina, pertinho da Slopper, na Rua Chile, aquela solidão mágica, impenetrável... Quase aristocrática. Aquilo é que era chique e que a ela se rendam as garotas Dancin days dos anos 70....
Aquilo é que era poder!
Agora deixar um celular na caixa, trocar um chip? Isso não é poder, é covardia...
A pinha pode ser uma boa metáfora. Quando de vez, sonhamos degustá-la madura. Impecável seu sabor. Porém se a gente por covardia, quer esperá-la bem mais madura para que seja mais doce, somos covardes e corremos um enorme risco de vê-la se patir. Quanto desperdício... Uma pinha, oásis da naturez partida, rachada, fragmentada em vários pedaços, sem sabor, sem função por pura covardia.

Votando à Mulher de Roxo eu a vi sim, várias vezes, Assim como toquei a mão de Irmã Dulce, quase alma gêmea de São Francico de Assis.

A mulher de roxo nada falava.

Não vi seu documentário, nada sei do seu fim. Só sei que sua solidão se vestia de roxo.

Aonde dormia?

Alguém deveria dar-lhe o que comer... Salvador é ainda terra de solidários. Sempre foi.

Mas hoje medito não sobre a solidão de catatônicos, de lendas ou de frutos do imaginário popular.

Medito acerca dos que chegaram ao poder e optaram à solidão pós-moderna de desligarem seus celulares, mudarem de operadoras ou trocarem seu chips. Por uma razão muito vil, deixar de atender a seus companheiros de jornada. Os que te levaram até aquilo que eles julgam poder...

Tão frágil isso quanto uma pinha madura demais. Em breve partida sem ser degustada.

Jamais entrarão na história, jamais serão lembrados, cairão nas vagas tristes dos ilustres temporários.

Que Caetano cante por mim:


Podres Poderes



Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
E perdem os verdes somos uns boçais
Queria querer gritar setecentas mil vezesComo são lindos, como são lindos os burgueses
E os japoneses mas tudo é muito mais
Será que nunca faremos senão confirmar
Na incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos?
Será, será que será que será que será
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos?
Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Índios e padres e bichas, negros e mulheres
E adolescentes fazem o carnaval
Queria querer cantar afinado com eles
Silenciar em respeito ao seu transe , num êxtase
Ser indecente mais tudo é muito mau
Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades , caatingas e nos gerais
Será que apenas os hermetismos pascoais
E os tons e os mil tons, seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais?
Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais
Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
Daqueles que velam pela alegria do mundo
Indo e mais fundo tins e bens e tais
Será que nunca faremos senão confirmarNa incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos?
Será, será que será que será que será,
Será que essa minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos?
(Solo Instrumental)
Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades, caatingas e nos gerais
Será que apenas os hermetismos pascoais
E os tons e os mil tons, seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais?
Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais
Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
Daqueles que velam pela alegria do mundoIndo mais fundo
Tins e bens e taisIndo mais fundo
Tins e bens e taisIndo mais fundo
Tins e bens e tais...

Obrigada Caetano, sempre atual! E quando eu te canto, a Dinamarca inteira já apodreceu....

E viva a mulher de roxo. E Viva Tonho Matéria que cantou: Eu quero o poder pra poder amar.

Quanto a vcs que desligam seus celulares, o meu novo continua sempre disponível....
"O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente"
Montesquieu

Thursday, March 22, 2007

A Menina e o Manacá


Lembro do portãozinho dos fundos e do pé de Manacá que me fazia sombra e me cobria de flor.Ficava quase em frente ao portãozinho. E eu sentada no reinado dos meus cinco anos tirava as botas e ali ficava, à sombra do Manacá, domando formigas e rolando com a cachorrada.

Era muito cachorro solto no quintal. Uns quinze. Bob e Dinga, os preferidos, parceiros e travávamos diálogos e estratégias para abrir o portãozinho e ganhar mundo da rua.

Era uma casa estranha com dois velhos com as feições de tristeza. A velhinha fazia farofa de couve, mas me sentava em frente à tv para ver Tom e Jerry. O velhinho comia banana amassada com um pouco de farinha, como sobremesa. E me dava goiabas. Ia à missa todos os dias cedinho pela manhã e tinha uma cara de medo. Não era um medo qualquer era um medo resignado. Um dia levaram a velhinha. Tempos depois o velhinho fugiu.

E a casa ficou só. Depois foi divida ao meio: um filho de cada lado. Como se a loucura admitisse cercas.

Eu não sabia que morreria o manacá, o portãozinho (meu ponto de fuga) viraria muro e a alegria de netos corendo, cachorrada latindo, flores nascendo nas jardineiras deixariam para sempre de existir.

Eu queria atravessar o muro do passado e retornar ao pé de manacá porque esta menininha ainda mora em mim e o portãozinho do fundo dava pra rua e eu até hoje não consegui fugir, tudo vive e martela no fosso da minha memória.

Fugir com a cachorrada pela rua seria minha redenção, mas o passado é assim uma quase raiz fincada pra sempre nalgum ponto da alma. Não há mais cachorrada, nem jovens sonhadores e sábios tomados por loucos, nem velhos com medo de falatório, nem filho predileto, nem portãozinho e nem manacá.

Ainda há a casa... Mas não há mais varandal, nem uma mulher que fazia farofa de couve e doce de leite e muito menos um manacá desabando flores e abafando dores.

Restou a menininha na alma da poeta, procurando portões por onde fugir e uma vaga idéia do que podia ser diferente.


Alyne Costa

Brumado, 22 de março de 2007

Monday, March 19, 2007

Eterno Menino

Meninos Soltando Papagaio - Portinari, 1947



Surge um canto novo
De todo terreiro um menino
Um pandeiro...
Um novo som sem luz néon
Menino tocador de reis
Menino tocador de boi
Menino tocador de flauta
Menino batedor de lata
Já foi cantada sua majestade
Hoje canto o infinito do seu sonho
E o menino abóia
O menino bóia na borda do sonho
Veleja oceanos em barcos de papéis
Meninos profetas e menestréis
Atravessas os ares com asas de papagaio
Voa, voa, voa, num céu infinito
Rala a perna, dá um grito
Puxa cabelo da colega de sala
Pirraça, pirraça e acha graça
Marcha, soldado, de papel o chapéu
Solta bombinha, anarquiza a quadrilha
Ri de tudo que não pode rir
Faz xixi no chafariz
Menino é assim...
E não cresce nunca.
Menino é eterno.
Estudou tabuada.
Arrumou namorada.
Prestou vestibular.
Endotorou...
Mas o menino vingou.
Na alma.
Na essência.
No deleite da irreverência.
Todo menino é o poeta que dorme...
No tapete da sala do homem de contas.
Todo menino é o que tem vergonha, se assombra na escuridão....
Todo menino é o que ri e o que chora.
O que doa e o que pede esmola.
Sacerdotes da alegria.
Imperadores da cantoria.
E, assim, o homem nunca cresce.
Se agasalha nas asas do menino-anjo que adormece.

Alyne Costa
Brumado, 20 de março de 2007

Friday, March 09, 2007

Por Onde Andei



Pocilga - Alyne Costa, 2002, Acrílica sobre Canson


“Se você me perguntar por onde andei, no tempo em que você sonhava...”
Belchior tem uma música que começa assim.
Naquele tempo ainda se usava perguntar por onde anda alguém.
Chegou-se um tempo em que assombrosamente nos acostumamos com as ausências, talvez até com o terror, o sinistro, a violência.
Parece terrível, mas estamos acostumados.
E não raras vezes achamos engraçado o injusto, o desumano, o frio.
É preferível rir, eu sei, é mais leve.
Mas talvez não seja caso para chorar.
É caso para que esta espécie da qual faço parte não se acostume.
Os mais sensíveis preferem não ler os jornais.
Os menos ficam ávidos por notícias sanguinárias. E crimes, terrores, traições são temas repletos de sentidos.
Quase ninguém fala do amor.
Outros optam por se trancafiar no medo. Ele não resolve, paralisa, gela e é apenas um atalho.
Quase não abrimos as janelas de casa e a de nossas almas.
Desabar é risco de parecer dependente.
Precisamos passar a imagem de onipotência: Eu por todos e eu por mim.
Precisamos não correr o risco de nos mostrar demasiado humanos porque ai zombam de mim, das minhas dores e do meu sentimento de impotência em face de tanta dor.
Por mim? E eu com isso? Problema de quem?
Problema nosso. Em que mundo você quer que seus filhos cresçam? Com que espécie de semelhantes você quer que eles dividam a vida?
Todos nós somos feitos de dores, de traumas, de partidas e chegadas. Somos feitos de sonhos, de quimeras e fantasias e sem eles, nossa alma nubla e nos tornamos moribundos.
Precisamos dos prados verdejantes do salmo 22.
De acreditar em anjos e acender velas ou orar. Não importa em que idioma você fale com seu Deus. Todos nós precisamos de Fé.
De meditarmos acerca de nossas ações diárias e observarmos o quanto não somos capazes de interpretar as coisas da forma mais simples para nós. Deixamos as cortinas de outras experiências serem transpassadas para novas experiências e tiramos conclusões dignas de mestres em Psicologia. Sem sequer intuir que nada sabemos acerca do insondável mistério da mente humana.
E, assim, interpretando mal levamos como verdadeiras as nossas impressões e criamos uma rede enorme de mal entendidos porque me é muito difícil entender como o ser humano não conseguiu ainda exercer com facilidade aquela máxima cristã: não faça aos outros aquilo que não deseja para você.
Eu que não sou estrela, nem cometa, nem rainha, nem sábia.
Eu, aprendiz diária dessa vida, que cresço na medida do possível e que infalivelmente erro.
Eu, que tantas vezes chorei ou fiz chorar.
Eu, que já me arrependi.
Eu, que perdoei.
Eu, que pedi perdão.
Eu, que ainda pergunto por onde anda alguém.
Eu, que sobrevivi a mais de quarenta dias no deserto sem ser Deus....
Queria apenas lembrar a cada um de vocês, caros e raros:
“Se o por do sol parece não ter mais sentido pra você, seja humilde e procure o amor.”
Paulo Coelho.
Um beijo, com o resto da canção de Belchior:


”Amigo, eu me desesperava....”





Alyne Costa


Brumado, 9 de março de 2007

Sunday, March 04, 2007

Meus Ombros Não Suportam Mais Nada

Luiz Gonzaga- 1970 foto retirada do site: http://www2.hu-berlin.de/fpm/popscrip/themen/pst03/pst03040.htm



De vez em quando eu sou um silêncio profundo
Todo silêncio que há no mundo.
Eu calo ante tanta ausência.
A ausência de flor.
Ausência de amor.
Eu calo como que em estado de oração.
E minhas escolhas passam por mim em procissão.
Os abandonos da infância.
Os apelidos da adolescência.
Os maus tratos.
A arte do fingimento.
Fingindo que há sentimento.
E meus ombros não suportam mais nada.
Perdão, Poeta Maior....
Meus ombros não suportam:
A mentira.
A hipocrisia.
A desonestidade.
A histeria.
Meus ombros não suportam mais nada.
E meus olhos cansaram-se de ver.
Amigos, quero-os poucos.
Somente alguns.
Porque esta palavra é rara: Amizade.
E ela é como flor de cactus.
E de vez em quando é preciso aparar as gramas no jardim do coração.
Ouvir Luiz Gonzaga, rei do baião.
E meditar numas canções.
Ô Euclides, o sertanejo é muito mais que forte, o sertanejo é sábio.
Se tu visses no que deu a guerra.
Tu dirias muito mais deste sertão.
Aqui a gente aprende a ser mais ladino.
Ainda se acha água de pote.
Ainda se dança um xote.
E se aprende a lição.
Que o sertão vai na alma de quem parte.
E resplandece na alma de quem fica!
Meus ombros, Poeta Maior, não suportam mais nada.
Mas meu coração sobrevive todas as manhãs.
Trilhando novos caminhos.
Ouvindo grilo e passarinho.
Meu coração se lava na chuva.
Não, meus ombros não suportam peso algum...
Mas minhas mãos são jardineiras enfeitadas.
De uma esperança nova que eu mesma teci.

Brumado, 4 de março de 2007
Alyne Costa

Thursday, March 01, 2007

Se Um Urubu Voar


Poderia esperar por toda a vida
Enquanto os grilos etoam óperas nos vãos dos brejos
E o ursinho Puff de meu filho me olha taciturno
O que foi feito da mãe?
O que foi feito da fêmea?
O que foi feito da gema.
Eu, que não sei ser pela metade
Resto inteira...
Faz frio no sertão.
Recito...
Reverbero...
Deságuo nos riachos que persistem.
Mas, resto-me fêmea inteira
Já sem medos
De garras afiadas
Língua afiada
Cantarolando Dezessete e setecentos
“Você tem que me voltar dezessete e setecentos...”
E se a vida me fez a distância, volto os olhos
Um caldo de maxixe
Um vôo de urubu sobre tanta carniça de corrupção
E já quase meio morta
Tabaco na aorta!
E ainda muito viva:
Alegria e recital.
Que a vida nasce nova quando qualquer poema rasga a alma
O retrato adolescente de meu pai se emudece diante de tanta beleza.
Meu deus, se há deus, ele vê.
E hoje nem é dia de ouvir Chico.
Hoje era dia de ligar candeeiro e caçar feriado na folhinha.
Era pra ta na roça e comer mi assado.
A vida é uma farofa e viver é amassado.
“Cumpadre, tu ta vendo o que eu to vendo?”
É cumpade, mundo veio cheio de falsos profetas e ocultos poetas....
Mundo véio de meu Deus...
De Deusas, Deusinhas e Deusanas...
Das Dores, Da Conceição e Damiananas.
Se o mundo é assim...
Quero ele pra ele e pra mim.

Alyne Costa
Brumado, 28 de fevereiro de 2007


About Urubu:

URUBU-REI
Nome Popular: Urubu-reiNome científico: Sarcoramphus papaFamília: Cathartidae
Ave grande e de colorido vistoso. Envergadura de 180 cm e peso ao redor de 3 kg. Asas largas o que propicia excelente vôo. Asas brancas e negras com o mesmo desenho na parte superior e inferior.
Cabeça e pescoço nus, violáceos-vermelhos, junto às narinas há uma carúncula carnosa amarelo-alaranjada, maior e pendente nos machos. Iris azul claro.
Caminham desajeitadamente; pernas relativamente longas. Não cantam, porém sabem bufar. Para regulação da temperatura corpórea, abrem as asas.
Como consumidores de carne em putrefação desempenham importante papel saneador, eliminando matéria orgânica em decomposição.
São dotados de visão muito aguda, circulando nas alturas já de madrugada e ao crepúsculo. O fato da onça cobrir um animal abatido que não pode ser comido de uma só vez, pode ser uma adaptaçãp para burlar a acuidade visual dos urubus.
Espécie escassa tendo em vista a perseguição como troféu. É mais regularmente encontrado no Norte, Nordeste e Brasil Central.



Sei lá se os urubus que vejo são reis, duques, nobres de vôos, mas chegados a uma carniça. O urubu são mestres na cadeia alimentar.

Viva o URUBU!