Tuesday, March 28, 2023

Atrevida


Sou comovida com outonos

Tardes nubladas de frio e neblina

Para alguns: Irreverente

Importante é que sente

Dispenso rótulos

Me edifico ora em cismas e ora em pedacinhos de ciúmes

Há coisas que muito me aprazem

Sopa de abóbora com coentro

Sou única e coletiva ao mesmo tempo

Gosto de vestidos tipo comprida sem roda

Na linguajem de minha avó

Respeito abismos e saudades

Anoto meus sonhos em alto falantes

A minha liberdade é cheia de atrevimento

Mas no cinza dessa dor aguda e atroz

Restaram eu, a xícara e o sousplat sobre a mesinha de cabeceira.

 

Alyne Costa, 28/03/23

Sunday, March 26, 2023

O Sexo dos Anjos

 

O Sexo dos Anjos

Era final da década de 70, pertinho ali da sorveteria Primavera no Relógio de São Pedro. Mais precisamente esperando um Vibensa.

Meu pai adorava me fazer participar de seus encontros com amigos talvez daí tenha vindo minha precocidade e curiosidade, se ele pensava que eu só estava passeando estava redondamente enganado, eu gravava tudo e ainda contava pra minha mãe.

Nessa ocasião ele estava com Guto e eu adorava Guto porque ele gostava da minha presença. Sei que conversavam muito, meu pai com sua filosofia e cheio de questões que nunca acabavam.

Naquele tempo os camaleões enchiam a Piedade e já era quase noitinha quando Guto deu uma bela resposta a meu pai:

“-Ah, João! Não vamos discutir o sexo dos anjos!”

Aha, ali eu peguei na hora e guardei aqui na cachola. Não perguntei na hora porque eu estava pensando em outra coisa, mas quando voltávamos para casa, arrisquei:

-Pai, o que é o sexo dos anjos?

Não me lembro da resposta e sempre que alguém me vinha com perguntas que não acabam mais, uso a expressão, mas somente hoje descobri sua possível origem histórica! Em Constantinopla.

A vida e a poesia me deram a felicidade de reencontrar Guto já na maturidade num dos lançamentos de José Inácio, creio que no livro Sete se não me malha essa memória um tanto cambaleante em decorrência do mundo pós pandêmico (quiçá, quiçá, quiçá).

Guto é um poço de ternura e talvez o único amigo que meu pai não tinha nenhuma teoria persecutória, bem, vamos nessa que eu vou ler um pouco de Zélia . Talvez eu também precise de um pouco mais de praticidade.

 

Alyne Costa, 26/03/23

Saturday, March 18, 2023

Contemplação

 

 

Onde mora o absurdo que se transmuta em guerra?

Seria por acaso o sangue o preço do metal?

Nada mais imoral açoita a terra.

Matança: planta, gente e animal

 

Porque lutam bravios soldados?

Que vale mais que um fuzil?

Na terra ainda existem belos fados.

E um céu cinzento prevê o anil.

 

As cinzas e a carne não destroem a ganância

Mil cruzes não superam sublime dor

Amor, sabor e esperança

 

Sempre há de sobrar um sonho na distância

Tardes cinzas escondem o perfume e a flor

Café, poesia e dança.

 

Alyne Costa, 18/03/23