Monday, April 09, 2007

O Girassol e a Pena de Talião


Conheci Rubem Alves (a obra e não o autor) em 1997, através de um cartão de boas-festas de um político. A linguagem de Rubem Alves me toca profundamente pela valorização do simples e por suas referências: políticos e jardineiros, dentre outras.

Me identifico também com a valorização de seu passado, isso me leva de volta aos seis anos de idade, quando acordava e ia com meu avô ao curral beber espuma de leite, tirada da hora das tetas das vacas.

Você pode completar 60, 88, 106 anos, mas sua infância permanece...

É esse lado infantil que, de repente faz reinar o inusitado. Quando falamos coisas fora de hora, rimos do que não devemos e, não raro, nos deparamos com os momentos mais salutares de nossa existência. Criança é arteira. E quando nos deparamos com problemas aparentemente sem solução, quando crises nos abalam e quase que na marra amadurecemos, emerge não sei de onde uma criança e sobrevoamos a dor.

E muito comum é olharmos para trás e rirmos deliciosamente daquilo que um dia foi um problemão.

O primeiro trecho de um texto do Rubem Alves que eu li falava sobre as flores do capim gordura.

Eu nunca vi uma flor do capim gordura.

Mas tudo que tendia a ser simples, livre e belo me remetia ao texto.

Minha mãe hoje me reclamou que meu filho de doze anos anda muito revoltado.

Vou contar a história, esta semana santa fui visitá-lo em Salvador e minha mãe estava no interior visitando meu avô que se recupera serelepe de um coma.

Meu filho me chamou no canto e me mostrou orgulhoso duas mudinhas de planta num xaxim. Ele havia plantado duas sementes de girassol (que meu irmão mais velho, passarinheiro, utiliza como nutrição para as aves que cria, impunemente, em cativeiro – IBAMA – Aloooouuuu!!!!) e elas brotaram.

Fiquei muito feliz porque eu amo girassol, porque ele plantou por sua própria iniciativa e porque ele estava feliz com o crescimento da planta. Ai, falei:

"- Quando crescer, você vai me dar um girassol... "

Ele sorriu gostoso com aqueles dentes característicos dele e que faz a família me crucificar porque ainda não mandei colocar um aparelho. Antigamente a implicância era para cortar a gengiva porque os dentes da frente demoraram de nascer. Relutei, não cortei e os dentes nasceram enormes.

Para mudar de assunto serei clara, acho que ele ainda não está maduro para usar aparelhos e também não tenho dinheiro. Já pensei em lançar uma campanha:

Ajude o Vitão a consertar seu dentão!

Voltando ao girassol... Eu tenho mão boa pra planta...
Eu plantei gerânios na casa da minha avó. Meus gerânios vingaram, são viçosos e dão flores lindas.

Eu confesso que sonhei com o girassol de meu filho. Ia ser “O Girassol”!
O problema é que ele plantou no mesmo xaxim em que havia uma “tentativa” de avenca de minha mãe. Tudo bem, não importa quem ia ganhar a parada, a avenca ou o girassol, o problema é que minha mãe sem saber:

Puft! Arrancou as três mudinhas para deixar livre o terreno.

Ele na sua visita diuturna ao xaxim percebeu que foram arrancadas e perguntou:

”-Quem arrancou minhas plantas?” – Minha versão, de mãe que conhece o filho.

“-Quem arrancou meus feijões?” – Versão de Minha Mãe.

“Fui eu!”, disse Minha Mãe – nas duas versões.

Ele, aplicou de imediato a Lei de Talião, foi lá e:

Puft! Arrancou as tentativas de avenca.

Bom. Isso foi a revolta citada por Minha Mãe. Eu, óbvio, defendi, afirmando que não eram feijões e sim, girassóis e que ele estava cuidando deles com todo carinho e havia, inclusive, me mostrado.

Ela contrabalançou, disse que tudo bem, mas que não era motivo para que ele arrancasse sua Avenca.

Tudo bem, Rubem Alves pode não ter nada a ver com isso. Mas acho avencas e samambaias umas coisas horríveis. Umas cafonices. Prefiro mil vezes as jibóias que nada têm de exigentes e saem soltas, trepando por qualquer lugar, revolucionárias, independentes, dotadas de uma tonalidade verde vigorosa e que fazem de qualquer casa uma selva.

Era ai que queria chegar.

As mudinhas de girassol de meu filho, ainda que não vingassem, era um sonho, um projeto, uma meta... A avenca uma tentativa imbecil de ostentação. Aquela muda arrancada foi uma vitória abortada, já o assassinato da avenca, a rebelião.

Sim, Rubem Alves não tem nada a ver, mas vou deixar o texto que me marcou e que me fez olhar diferente para plantas, gaiolas e aquários:


“Quem experimentou o cheiro e a cor do capim gordura não esquece mais. Menino, lá em Boa Esperança, meu tio João Gordo, que era extremamente magro, me pegava antes das seis da manhã para ir até a fazenda, para a ordenha das vacas. Os cavalos caminhavam sem pressa. Conheciam o caminho. Passadas as ruas da cidade entrávamos na estrada de terra e tomávamos uma trilha à direita. A trilha quase não se via, coberta que estava pelo gordo capim gordura que se derramava sobre ela. O silêncio, o cheiro dos cavalos, o barulho dos cascos no chão, o cri-cri dos grilos, a música da água de um riachinho que corria escondido sob o capim, a neblina e o perfume do capim... Isso faz parte da terra das Minas Gerais, terra-saudade. É pedaço de mim. Quem é mineiro sente dor só de lembrar. Depois, quando eu era maior, da janela do meu quarto eu via um campo de capim gordura florido, ao longe. Cor de rosa. Quando o vento passava o rosa ondulava. As vacas gostavam. Acho que ficavam felizes e da sua felicidade saia o leite mais saboroso, o queijo mais perfumado, como aqueles queijos da Serra da Canastra. Mas depois veio o tal do progresso e disseram que havia um capim mais forte, o tal de Braquiária, africano. De fato, mais forte. Praga que uma vez plantada não há o que acabe com ela. As vacas comem por não ter outro. Mas se vingam. Seu leite não tem o mesmo cheiro. Os queijos não têm o mesmo perfume. Andando pela Fazenda Santa Elisa a gente ainda encontra os capim-gordura floridos. Quando o sol ilumina suas delicadíssimas flores a gente, sem querer, rende graças.
Construo os meus altares à beira do abismo escuro e frio. Os fogos que neles acendo iluminam o meu rosto e me aquecem. Mas o abismo continua o mesmo: escuro e frio. “
Rubem Alves

Esse cafundó é um desabafo só. Mas confio em vocês. Vocês não comentam.
Agora posso até cantarolar: Girassolllllllllll. Ó, Meu Girassol Amarelo... A-MA-RE-LO.


Alyne Costa

Brumado, 9 de abril de 2007

3 comments:

Anonymous said...

pouco conheço de rubem alves mas vou mirar um pouco a obra dele e volto a comentar em seu blog que agora tem um visitante quase diari e que comenta

Anonymous said...

Diz pra tua mãe que é necessário auxiliar nas manifestações de autonomia das crianças, ainda que pra isso tenham que ser arrancadas algumas plantas velhas ;)

Nádia Mara said...

Alyne!
Também sou fã de carteirinha do Rubem Alves!
Costumo dizer que somos almas gêmeas!
Adorei o seu Blog!
Nádia