Monday, January 11, 2010

Eu Quero a Esperança!


“Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.”
Cecília Meireles (Meu Sonho)


O que esperar de um ano que começa?
Lembro de um poema de Drummond: “Quero ver o mundo começar a cada começo de Janeiro como o jardim começa da imaginação do jardineiro.”
Quase todo começo de ano vem assim: votos de felicidades, listas de planos ainda que nem sejam traçadas no papel, e-mails a amigos queridos, distantes ou não, perdões, reflexões, quebras de antigos paradigmas... A gente queria na verdade era nascer de novo...
Nascer de novo não é tarefa impossível, principalmente para os que têm alma de poeta.
A gente pode optar por renascimentos diários quando escolhemos adentrar no nosso próprio ritmo, nossa capacidade de reinventar-se, de desenhar novas janelas e abri-las para a vida.
Dedicar atenção aos pequenos gestos, aos detalhes dessa vida rica, bela, com um sol que nasce e morre para que possa aparecer a lua. E se há tempo nublado, turvo que nos impeça de ver a vida assim, podemos recorrer a tinta e pincel e pintar a vida com cores que nós mesmos escolhemos.
Os dias podem começar com manchetes de jornal, mas estas bem que podem ser acompanhadas por um belo poema de Quintana... Viver requer dieta de alma, precisamos começar a vida de cada dia nos nutrindo de coisas raras como o vinho tal como a Esperança.
Elis Regina com sua maestria cantou um dia: “Eu quero a esperança de óculos.”
E o que pode ser a Esperança de óculos?
Me parece que quando a Esperança anda míope ou astigmata, não conseguimos visualizar bem as coisas com mais sabor e suavidade. Ficamos com o foco da vida em órbita, quase cegos, sem rumo, sem alcance, sem poder dimensionar o valor de qualquer acontecimento ou sentimento. Como se, em meio a grades e cadeados, não conseguíssemos achar as chaves tão a nosso alcance.
A Esperança de óculos nos permite mais do que possamos imaginar. Além de visualizarmos as chaves, vemos escadas, ferramentas, flores, bandeiras, pássaros e aviões.
Podemos sim escolher a capacidade da nossa Esperança! Ampliar sua força, dar-lhe mobilidade, voar com ela e encontrar surpresas e soluções. Tê-la míope ou com óculos. Vermos sombras ou árvores. Traços ou riachos. Pedras ou cachoeiras. Manchas ou flores.
Eu escolho: “A esperança de óculos”.

Alyne Costa
11/01/10

3 comments:

Clédson Miranda said...

Olá, nobre Alyne, tava com saudades!

Seu texto me fez lembrar de uma crônica da Clarice que eu amo: Esperança... onde ela brinca com a polissemia dos significados contidos na palavra esperança, bem ao gosto da fotografia que ilustra esta sua postagem!

Logo abaixo, segue uma transcrição da crônica à qual me refiro.

Beijo grande e obrigado pelo presente da postagem!

Clédson


ESPERANÇA

Custei um pouco a compreender o que estava vendo. Estava vendo um inseto pousado, verde, de pernas altas. Era uma "esperança" verde, o que sempre me disseram que é de bom augúrio. Depois a esperança começou a andar bem de leve sobre o colchão. Era verde-claro, com pernas que mantinham seu corpo em plano alto e solto, um plano tão quebradiço quanto as próprias pernas que eram feitas apenas da cor da casca. Dentro do fiapo das pernas não havia nada dentro: o lado de dentro de uma superfície tão rasa já é a outra própria superfície. Parecia com um raso desenho que tivesse saído do papel e, verde, andasse. Mas andava, se sonâmbulo, determinado. Sonâmbulo: uma folha mínima de árvore que tivesse ganho a independência solitária dos que seguem o apagado traço de um destino. Ela, a esperança, andava com uma determinação de quem copiasse um traço que era invisível para mim. Sem tremor ela andava. Seu mecanismo interior não era trêmulo, mas tinha o estremecimento regular do mais frágil relógio. Como seria o amor entre duas esperanças? Verde e verde, e depois o mesmo verde, que, de repente, por vibração de verdes, se torna verde. Amor predestinado pelo seu próprio mecanismo aéreo. Mas onde estariam nela as glândulas de seu destino, e as adrenalinas de seu seco e verde interior? Pois era um ser oco, um enxerto de gravetos, simples atração eletiva de linhas verdes. Eu? Eu. Nós? Nós. Nessa magra esperança de pernas altas, que caminharia sobre um seio sem nem sequer acordar o resto do corpo, nessa esperança que não pode ser oca, pois não existe linha oca, nessa esperança a energia atômica sem tragédia se encaminha em silêncio. Nós? Nós.

Clarice Lispector - Para não esquecer

cafundó said...

Clédson, querido, este poema vive em meu subconsciente... Talvez dele tenha nascido, eu sem saber, este texto. Beijos imensos e saudades recíprocas.

Anonymous said...

bueno, creo que nos regala mucha reflexión.