Thursday, October 26, 2006

About Cordel


foto retirada do site: http://web.uni-marburg.de/voelkerkunde/forschung/start.html


Literatura de cordel é umas das mais resistentes formas de manifestação da cultura popular. Sempre fui apaixonada por cordel e lembro-me de muitos dependurados numa corda nas proximidades do Colégio Mercês, na Avenida Sete. Os mais interessantes, sem dúvida, eram os endereçados aos políticos de então.
“Estando desocupado o grão-duque satanás
teve uma idéia nociva, horripilante e mordaz
misturou merda de porco como se fosse caramelo
e ao soltá-lo no mundo batizou o vagabundo:
Fernando Collor de Mello.”
Não me lembro a autoria deste, mas circulou nas ruas de Salvador no início da década de 90.
Vendidos em feiras, portas de Igreja, nas vias públicas e dependurados em um cordão, daí cordel, é uma singular forma de expressão do imaginário popular.
Artistas nordestinos consagrados, em sua poesia apresentam traços de Cordel, como Alceu Valença em Romance da Bela Inês e Zaca Baleiro em Bienal e até mesmo Raul Seixas seguiu esta tendência como comprovado em sua parceria com Wilson Aragão na letra de Capim Guiné.
Interessante sobre cordel:
Sites: http://www.ablc.com.br/
http://www.universohq.com/quadrinhos/n07062002_02.cfm
http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=11&rv=Literatura
Esta semana ganhei de Dr. José Walter, advogado prosa boa e poeta residente em Brumado, um cordel de presente e vasculhando um caderno achei uma tentativa que fiz em adentrar neste mundo num breve exílio em Igaporã no ano de 2003. Deixo aqui:

A Lagoa Encantada

Acesa apenas a luz de um lampião
Dissimulada, faceira e encantadora
Mulher-serpente, doce flor da traição
Olhos de noite de lua e riso de aurora
Fez derramar o sangue no sertão
Uma lâmina no seio traiçoeiro
Escondia em seu jeito brejeiro
O veneno letal do mel do amor
Açucena, durante o dia era menina
E como anjo corria os jardins da pureza
Noite escura se deitava nua na neblina
E suas curvas se tornavam correnteza
Por ti dois pobres corações naufragaram
Perdidos em suas tranças de ilusão
A mata escura solitários atravessaram
E em duelo decidiram esta paixão
Como se a dor valeria pela dama
Que deleitava-se no desejo derramado
Pura vaidade erguida como chama
E via a víbora o ciúme coroado
Pois quando a lua debruçou-se no lajedo
Uma poça rubra fez-se oceano do medo
Amor e honra confundiram-se num punhal
E um amante, rendido e morto no areal
Escondida e latejante a bela tudo vira
E ao ver pela primeira vez a cor da morte
Ensandessida, louca e já sem sorte
Esqueceu-se do sorriso na quizila
Apagara-se do seu peito a ilusão
Montada numa égua sem cela
Cavalgou toda a noite, sem direção
Nenhum pássaro veio saudar-lhe de manhã
Nenhum brilho de sol corou seu rosto
Era o mais ácido sabor de uma maçã
E pelo corpo em suor jorrou desgosto
Nem mulher havia inteira se tornado
E se rendeu ao inferno suicida
Jogou-se como raio numa lagoa
Desaparecendo à sombra duma umburana
Por ter perdido a inocência ao léu e à toa
Por ter desprezado um coração que ama
Diz-se que a lagoa desde então é encantada
E do lajedo costumam zunir gritos de dores
E a bela jovem e nua cavalga sobre as águas
Buscando a alma divida em dois amores.
Alyne Costa, Igaporã, 2003

1 comment:

Anonymous said...

Alyne, adorei o cordel. Espero um dia ouvir na voz da própria autora.!
Aguardo agora, já roendo as unhas, contando os dias, o próximo texto...
5 beijos. Curupira.