Naquele tempo parecia ter o céu um azul mais céu. E as
nuvens costumavam brincar como carneirinhos correndo soltos ao vento. Só
faltava mesmo o verde de uma colina qualquer.
E ele costumava me acordar antes do nascer do sol para ver
os primeiros raios aparecerem do alto do morro.
E me levava em seus braços. Eu, ainda sonolenta, sentia
aquela alegria única de ver o mundo amanhecer naqueles braços, meu porto.
Tirava-me da cama, sem coberta e eu era despertada pela brisa fria da manhã da
vida.
E caminhava comigo ouvido o cocorejar dos galos, a doce
melodia do dia que chegava. E não lembro mais de nenhuma viv´alma que
presenciava aqueles momentos. Tão meu e dele. Só nós protagonistas. E eu sorria
o riso mais aberto do meu coração em flor. Eu sorria a plenitude daquele amor.
Atravessávamos o quintal e o pé de manacá ao lado do
portãozinho do fundo parecia dar até logo. E saíamos para desbravar o mundo
novo do dia que nascia. Eu vestida de inocência, ele despido de ambição. E
chegávamos no morro. Ele me erguia para perto do céu. O sol me abraçava. E a
vida me intimava a crescer.
E meu pai, quando me acordava antes do dia nascer. Me
mostrava que a vida seria assim... Sempre. Um convite. Uma dádiva. Inevitável
fenómeno.
E seus braços me guiavam à
sensibilidade. Talvez um batismo no mundo dos sentidos raros. Mas meu
pai, ao som do cocorejar dos galos e do canto dos primeiros pássaros, me
acordou pro amor. E o nosso amor foi sempre um amor puro, extrato, fina
essência, azul de matizes de um céu que amanhece. E até hoje, quando preciso
acordar na vida antes da vida amanhecer, sinto-me em seus braços, porto das
minhas aflições. Desperto-me com a brisa fria dos recomeços. Costumo sorrir
plena, repleta de um amanhecer e mais perto do céu.
Para meu pai, João Roberto, 2004
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