A Mãe e a Repartição

Eugênia chegava cedo na repartição, olhos cheios de olheiras das noites mal dormidas pelas dores que lhe acometiam, doía da nuca à sola do pé.

Após falar com os colegas e a chefia abria o computador e fazia suas orações, seu ofício de lidar com gente era repleto do inusitado.

Aos 40 e poucos anos um erro de diagnóstico havia aumentado e muito seu peso, corticoide, estava transformada e era raro algum amigo antigo lhe reconhecer.

Sentava-se quase escondida, mas alguns dias observava de longe um jovem de olhos parados, observando o ir e vir das pessoas com um classificador talvez com seus documentos mais importantes, parecia pronto a fugir a qualquer momento e trazia no olhar sempre uma despedida.

O rapaz às vezes passava horas ali como se hesitando em tomar alguma decisão importante, e seu olhar carregado observava atento o entra e sai da repartição, de vez em quando parecia esquecer seu problema e papeava com alguns cidadãos com um distraído sorriso nos lábios, um sorriso que talvez só ganhava força no recôndito de suas intimidades imaginárias.

Um dia Eugênia não compareceu mais à repartição, havia se aposentado, mas na lembrança dela paira suave a lembrança do jovem de olhos perdidos e sorriso tímido e destraído, como paira a doce lembrança dos transeuntes da repartição. E até uma certa dose de saudade daquele já desaparecido sorriso.

 

Alyne Costa, 5/11/2025

 

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