Tuesday, October 17, 2006

Cangaço, homem-bomba e pacifismo sertanejo


Imagem: Cangaceiro Az de Ouro - Aldemir Martins (http://www.pinturabrasileira.com/obras.asp)

Lampião, Conselheiro, Os Sertões, Graciliano Ramos... Tudo que envolve a história, os mitos, a realidade do sertão sempre me fascinou. Os pés rachados, manchados do meu avô, a enxada na terra seca... Acordar de madrugada pra beber o leite no curral. O barulho dos carros-de-boi me acordando nos sábados de feira. O sertanejo carrega o sertão em sua alma em qualquer canto que viva. Uma naturalidade em face do adverso. Uma coragem diferente, uma tendência à vitória em seus caminhos. Assim como o solo vence quando chegam as águas. Meu avô sempre falava: "nas águas". Referia-se a época das chuvas, época de fartura, de milho verde, de umbú, de feijão e época que me lembra Refazenda de Gil: "Cedo antes que janeiro doce manga venha a ser também". A época das águas, normalmente, era janeiro, em pleno verão, tanta fruta, tanto doce, tanto sonho, mato verde, nem parecia sertão.
Tá certo que nem só de seca vive o sertão, mas que é esquecido, isso é... Esse poeta sertanejo soube transformar em cantoria a realidade do sertão:

Guerra de Facão
Wilson Aragão
Composição: Wilson Aragão
A dô do cocho é num tê ração pro gado
a dô do gado é num achá capim no pasto
a dô do pasto é num vê chuva tanto tempo
a dô do tempo é corre junto da morte
a dô da morte é num acabá com os nordestino
a dô dos nordestino é tê as pena exagerada
e aviá logo descurpa pra quem lhe piso no lombo
e lhe lascô no cururute vinte quilo de lajedo
ao invés de axotá pra cacha prego o vagabundo
que se adeitho no trono e acordou num pau-de-cebo.
Ê, ê ê boi e boaiada
ê ê boi a
dô do jegue, tadin nasceu sem chifre
a dô do chifre é num nasce em certas gente
a dô da gente é confiá demais nos outro
a dô dos outro é que nem todo mundo é besta
a dô da besta é num pari pra ter seus filho
a dô pior de um filho é chorá e a mãe não vê
tá chegano o fim das epa vai pegá fogo no mundo
e pior que vagabundo toca música estrangeira
em vez de aproveitha o que é da gente do nordeste
vou chamá de mintiroso quem dizê qui é cabra da peste
Ê, ê ê boi e boaiada
ê ê boi
A dô do sol é que ele não conhece a noite
a dô do da noite é que não tem mais seresteiro
a dô do seresteiro é o medo da puliça
a dô do da puliça é tê ladrão no mundo inteiro
a dô do do mundo inteiro é que tá chegando os gringo
a dô do pió de um gringo é outro gringo do outro lado
eu num sei se tô errado mais arrisco meu parpite
de acabá com as bomba atromba ,
incoivará os rifle
toca fogo em toda as tenda qui é de fábrica canhão
morre muitha menas gente,
se a guerra fô de facão.
Ê, ê ê boi e boaiada
ê ê boi

2 comments:

Miguel d'Azur said...

Parabéns pelo blogue e obrigado por ter passado pelo meu. Estarei atento à sua escrita cafundoesca.

a dô da escrita é não ter ouvidos
a dô de ouvir é não saber olhar
a dô de olhar é não saber sentir

Mais uma vez, Parabéns e boa continuação!

Anonymous said...

Muito bom. Esperando os próximos textos.
Curupira.