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Showing posts from September, 2023
  Ilísia Eu achava Ilísia fumar cachimbo a coisa mais linda do mundo. Sentada, de coluna já curva, no alpendre da casa, macerava o fumo de rolo e preparava. Vinda lá do Iuiú, aquelas terras de parentes que eu não conheci, com um lenço amarrado na cabeça, pitava que era uma belezura de se ver e eu sentada, no seu encalço, não perdia um detalhe, um gesto, um pequeno traço daquele ritual, místico e solene. Não tinha brincadeira no mundo que me roubasse daquela presença, da riqueza daquela persona e de seu pouco caso de qualquer coisa mais. Ilísia, com a pele negra enrugada, mãos escuras do fumo e sua indiferença a qualquer coisa foi a primeira empoderada que eu conheci!   Alyne Costa, 29/09/2023
  Improvisos   A vida tem encantos sim Apesar da fome e das guerras De tanta miséria na face da Terra Dos muitos desencantos que por si encerra Não esse poema que como a vida insiste em brotar a cada manhã Jamais a minha esperança que como criança dança Mora um erê dentro de mim Mora uma preta velha que me conta as histórias Que eu reinvento E, nesse sustentáculo, que é renascimento Por fora e por dentro Eu sigo sendo eu e nós Um nós, incompreendidos Oprimidos Olhados de cima a baixo na delicatessem Um nós que desata nós e faz laços em abraços sinceros Lágrimas cedem a um riso de leveza De não ir mais de encontro à sua verdadeira correnteza: A arte que é completa em qualquer parte E a poesia que navega os mares da magia O que sobra, no todo ou em parte, dessa beleza Não é alimento! É sobremesa!   Alyne Costa, 27/09/2023      
  Perdoai. Mas eu preciso ser várias em mim, às vezes boneca de chita, noutras caixinha de porcelana com cetim. Alyne Costa, setembro de 2023
  Solidão de Domingo Reparem que domingo é um dia de reflexão. Eu costumo refletir aos domingos, acho que até me atrevo a dar uma volta pela manhã, mas chega uma hora que o que eu quero mesmo é ficar só. Essa solidão que já combina tão bem comigo e que eu costumo ser eu mesma meu abrigo. E aprendi a gostar de rabiscar alguma coisa aos domingos para que ele ecoe meus pensamentos, o sentir e às vezes faço alguma coisa para comer. Ai hoje me peguei com aquela frase clássica de Clarice acerca da poda de defeitos. Todos nós temos um defeito que não podemos abrir mão, um não, às vezes uma multidão. São defeitos de estimação, como temos amigos e parentes prediletos. Livros, sabores e vícios. Temos coisas que preferimos e isso é tão natural como não acertar o primeiro beijo. Indecisão me dói na alma, mas eu pago o preço. Está todo mundo querendo ir embora, como se Drummond sussurrasse: “José, para onde?” Alguns lugares costumo conjugar no pretérito perfeito. Já me doei de doer a ...
  A Poesia Brota   A poesia brota quando a gente muda Quando a gente emudece Quando a gente cresce Quando um amigo aparece   A poesia brota quando a gente sente Quando a gente entende Quando a gente surpreende Quando a gente aprende   Brota, quando a gente sobrevive aos inimigos mais vis Às ciladas tramadas Às guerrilhas mal contadas   Brota, quando a gente enfrenta as tramas E quase meio louca, canta com a voz rouca E meio cega, surda, muda, insiste e tira a roupa.   Alyne Costa, 24/09/2023  
  Rota   Meus heróis estão todos cansados E meus ombros já não suportam o peso das minhas dores Não tenho mais esperança nos caminhos de outrora E o teto está repleto de angústias desenhadas A poesia triste é meu abrigo sincero Meu sorriso invisível mora num cheque em branco Meus sonhos todos mal interpretados E as cartas do baralho mentem, corruptamente Asperezas e incertezas, fatiadas em sobremesas Vou-me embora porta afora Vou-me Vou-me Vou-me para um lugar incerto Para um reino perdido de Deuses e prantos Não há para traição acalanto Nesse reino de maldade e desonestidade Apenas os morcegos voam Rendo-me à espera da tal indesejável E a solidão se faz ponte Entre o que se foi e o que não mais virá.   Alyne Costa, 23/09/2023
  Pietá No silencio escuro da noite que iniciava, o menino voltou ao colo da mãe e chorou. Suas lágrimas não possuíam mais rebeldia, nem molecagem... Eram lágrimas de dor, aquelas dores de um deserto na alma que as mães não conseguem calar. Balbuciou segredos, rogou por uma fuga geográfica, talvez algumas reminiscências de infância trouxeram lembranças daquilo que não se pode mais viver. Quantos segredos moram no deserto da solidão nos apartamentos do centro? Saiu desnorteado pela porta sem nada dizer. Deixou no ar o suspense e o desequilíbrio de um idoso taciturno que, teimoso, não pede ajuda. À mãe só restou uma vela acesa, no imenso caos de si mesma. Alyne Costa, 21/09/2023
  Sentidos   Sou flor de sentimento Presságio Pressentimento Sou rosa do deserto Sem endereço certo Ré primária Rocha calcária Trago desejos em potes e a conta-gotas Tenho mistérios e miragens Segredos escondidos nas paisagens Às vezes água cristalina de piscina Noutras alma lavada em enxurrada Mas sigo, sem rumo certo E digo baixinho como miado de gato: Poesia não se guarda em porta-retrato.   Alyne Costa, 14/09/2023
  Telefonema   Um dia um cristal quebrou Os cristais quebram A louça suja O cachorro late Alguém come água para chocolate O setembro é amarelo Emicida representa Tantos ausentes presentes Na vida que segue enquanto vidas se ceifam Tanto tormento Armamento Tanta miséria na contramão Vidas ceifadas, obliteradas O preço do bife caiu Viva as manicures! Abaixo os telefonemas! Meio fora de tempo de propósito de inopino Sobra a mentira Farsa desgasta Doeu Menos em mim Mais em quem deu Doerá pra sempre É eterno o presente. Nunca esquecerei como numa cena de cinema O Jogo e o Telefonema.   Alyne Costa, 11/09/2023
  Absoluto   Quero mil vezes me desesperar Me apaixonar, sonhar, voar E, mesmo com desespero Fabricar meu tempero Acender os castiçais e perfumar travesseiros Acender velas e mandar flores Já não há temores E, nesse abismo entre você e eu Há uma fonte de mil quereres Pouco importa os saberes do mundo Se meu sonho é o profundo O enigma, o mistério e o absoluto Dor e Amor. Alyne Costa, 6/09/2023