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Showing posts from 2007

Que venha 2008

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Vai, Ano Velho Afonso Romano de Sant'Anna vai, ano velho, vai de vez vai com tuas dívidas é dúvidas, vai, dobra a ex- quina da sorte, e no trinta e um, a meia noite, esgota o copo a culpa do que nem lembro e me cravou entre janeiro e dezembro. vai, leva tudo: destroços, ossos, fotos de presidentes, beijos de atrizes, enchentes, secas, suspiros, jornais. vade retrum, prá trás, leva pra escuridão quem me assaltou o carro, a casa e o coração. não quero te ver mais, só daqui a anos, nos anais, nas fotos do nunca-mais. vem, Ano Novo, vem veloz, vem em quadrias, aladas, antigas ou jatos de luz moderna, vem, paira, desce, habita em nós, vem como cavalhadas, folias, reisados, fitas multicolores, rabecas, vem com uva e mel desperta em nosso corpo a alegria, escancara a alma, a poesia, e por um instante, estanca o verso real, perverso e sacia em nós a fome - de Utopia. vem na areia da ampulheta com a semente que contivesse outra se- mente que contivesse ou- tra semente ou pérola na casa da o...

Máquina de Costurar Saudade

Minha avó era costureira. Nas mais doces lembranças de minha infância reside a máquina de costura de minha avó. Eu ficava ali beirando horas a fio o seu manuseio com linhas, tesoura e passava horas observando seus pés sob o pedal da máquina, aquele vai e vem. Às vezes sentava no pedal e fazia, escondidinho, dele um balanço. Outras, também escondidinho, sentava na máquina e brincava de costureira. Quando surgia o flagrante, ou Bia me via e me dedurava, era um grito só: -"Sai daí, menina, tu destraveia minha máquina!" E eu saía, olhando o alpendre perto da laranjeira... A mesa grande cheia de roupas pra passar no ferro, à brasa para economizar luz,e a máquina no canto, reinando absoluta, talvez aquilo que fazia Dona Alda deslizar em sonhos. O ser costureira deve ter nascido da necessidade de criar a filharada. Eram muitos e o dinheiro pouco. E ela precisava de algum trocado... Não sei bem porque desde que tive contato com aquela mulher, mãe, dona de casa, vó, as coisas já não e...

Pequena Divagação

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Ilustração de J. Guillin: Reinações de Narizinho, 1930. “O homem é um menino perene.” Nelson Rodrigues E a mulher? A eterna adolescente de uniforme, sempre esperando o príncipe-motivo de todos os poemas, letras e desenhos rabiscados na agenda do colégio... Meu primeiro símbolo sexual foi o príncipe escamado. Alyne Costa novembro de 2007

Vôo

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Moringas, by Alyne Costa, 2003, Acrílica sobre tela O meu lema não busca uma frase única, minha busca não procura verdades perfeitas, olho o olho do meu irmão na rua, será sua dor amiga da minha? Os meus versos não procuram acalantos. Minha sina é minha senda, minha paisagem. Olho a luz acesa na casa de um igual, será sua luz chama da minha? O meu passo não tem ritmo sozinho... Meu passarinho voa livre no azul do céu. Olho a boca do sorriso alheio, será sua alegria hemorragia da minha? Os meus dias são regrados em intervalos. Minha disciplina se edifica aos poucos. Olho o gesto do irmão ao meu lado serão nossos guias cavalos alados? As minhas dúvidas são frescas e serenas, minha fé uma fonte e um quintal. Olho a incerteza na fronte do vizinho, voamos juntos para dar as mãos e abraçar o mundo! Alyne Costa SSa, 1 de dezembro de 2002

Entre o Toblerone e a Gravata

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Gravura retira do site: http://www.dfonline.com.br/gravata.htm Meninos que usam gravatas, favor conferir. Meninas que dão nó em pingo de éter: vale a pena conferir! Quando o desencanto chega você procura algo mais... Um sabor novo, algo em que você confie e se entregue, uma mão que você aperte e sinta, são mãos como as minhas, fibras da vida! Com as pessoas cujas mãos confio costumo brincar: -Aperte minhas mãos, elas tocaram as mãos de Irmã Dulce! Irmã Dulce para mim era de uma docilidade incrível e não foi por pouca razão que viveu tanto. Viveu da entrega, da doação, do amor incondicional ao próximo, assim como Madre Tereza e Chico Xavier. Vida é missão. Eu não sou santa, nem um pingo! Na hora da raiva rogo praga mesmo! Outro dia ao elogiar a gravata de um colega, outro colega falou:“_ Meu Deus, que falsidade!” Bem, a gravata era de fato bonita. Mas me deu vontade agora de discorrer sobre falsidade. Ah... Que delícia! Esta semana conversando com uma mulher gloriosa chegamos por ac...

Enquanto as Velhinhas Rezam o Terço

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Foto: Rosário by: Alyne Costa Enquanto as velhinhas rezam o terço, a tardinha cai divinamente nesta esperança que seus olhos têm entre uma e outra ladainha.E a dor que elas aprenderam a domar, com o tempo se esconde atrás das cortinas, dos crucifixos ornados que ocultam o martírio daquele homem morto pelo próprio homem.Elas emudecem o sofrimento na luz das velas acesas nos castiçais e que choram por elas em suas parafinas. E nem se dão conta do bailar das salamandras.E em diferentes cantos das casas se erguem oratórios, sagrados corações - de Jesus, de Maria e os delas mesmas - imaculados por um só monossílabo: Fé.Um marido morto, um filho perdido, pra vida ou pro vício, um parente doente, uma dorzinha incômoda, de corpo ou de alma e eis mais uma novena, uma eucaristia, um jejum, uma missa e uma promessa.Enquanto os dedinhos enrugados das velhinhas perpassam as continhas dos terços, os dias, os meses e os anos se passam, atravessando o tempo como galope de uma oração. Inexorável, al...

Um Cara Chamado Che!

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Por um certo tempo eu li sobre a vida e a história deste cara. Algumas pessoas fizeram a vida valer a pena... Para Ele minha homenagem e para tudo que um dia sonhei... Breve meditação sobre um retrato de Che Guevara José Saramago *Não importa que retrato. Qualquer um: sério, sorrindo, arma em punho, com Fidel ou sem Fidel, dizendo um discurso nas Nações Unidas, ou morto, com o dorso nú e olhos entreabertos, como se do outro lado da vida ainda quisera acompanhar o rastro do mundo que teve que deixar, como se não se resignasse a ignorar para sempre os caminhos das infinitas criaturas que estavam por nascer. Sobre cada uma dessas imagens se poderia reflexionar profundamente, de um modo lírico ou de um modo dramático, com a objetividade prosaica do historiador ou simplesmente de alguém que se dispõe a falar do amigo que descobre haver perdido porque não o chegou a conhecer.Ao Portugal infeliz e amordaçado de Salazar e de Caetano chegou um dia o retrato clandestino de Ernesto Che Guevara, o...

Caravana de Sonhos

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Pigg retirado do site: http://pcdec.sites.uol.com.br/ Haverá um tempo em que as pessoas não mais usarão sobrenomes. Sua identificação civil na será substituída por barras de indicação, pois serão ressuscitadas algumas expressões como: Amor, Bem Querer, Meu Bem, Meu cheiro, Catita, Dengosa... E todo mundo vai se chamar feito namorado e namorada e este idioma não se transformará em nenhuma babel. Amanhecerá um dia em que as crianças, entre si, trocarão seus brinquedos como se estes fossem sonhos. E as lojas de brinquedo deixarão de ser lojas e se tornarão reinos. As grandes fábricas não serão fechadas, serão anualmente premiadas como máquinas de ensinar a sonhar. Será instituído por lei que toda criança até os 12 anos de idade precisará ver ao menos três vezes o filme: “A Maravlihosa Fábrica de Chocolate”. Para que possam acreditar para sempre que sonhos não têm limites! Amanhecerá um tempo em que as cidades tornarão peças de museu os seus semáforos porque as ruas serão invadidas por in...

As Pessoas Mentem

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Pigg retirado do Blog: http://bibiloni.cat/blog/?p=225 Hoje escrevi um texto bonito sobre esperança, sonho de ver semáforos apena em museus e o mundo colorido por inúmeras bicicletas em lugar de automóveis, quando os homens acordaram e perceberam que além de não poluir, elas conduzem e são muito, muito mais divertidas... Mas o texto que atormenta minha alma é outro, fala sobre mentiras e confiança. Semana passada, comendo uma pizza com um casal de amigos, um deles me disse: "O amor tá acabando..." Aquela frase soou em meus ouvidos como verdade e daquelas que machucam... Lembrei de minha prima Sylvia. Fomos criadas tão distantes, mas somos tão parecidas, na genética, no signo, na ironia, até no tortinho do dedinho da mão. Mas em nossos encontros tão raros, ela com sua genialidade e sensibilidade me ensinou tanto. Por incrível que pareça, me apresentou Nelson Rodrigues.... Em uma noite ao visitarmos uma exposição eu tremia. E ela, com todo seu conhecimento científico foi branda...

A Cor

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A cor da fita é o laço A cor do tênis: passo A cor da vida é o destino A cor do homem: menino A cor do dia é o apreço A cor da morte: endereço A cor do orgasmo é a fonte A cor do sol: horizonte A cor da meretriz é a rua A cor da melodia: aleluia A cor do vermelho é a maçã A cor da cura: romã A cor do sorriso é o bis A cor da bailarina: atriz A cor do desejo é o sexo A cor do sentido: nexo A cor da letra é a canção A cor do acorde: violão A cor do som é a certeza A cor da mão: destreza A cor da abelha é o mel A cor do idioma: babel A cor da lágrima é o sal A cor da pele: sinal A cor da razão é a verdade A cor do carinho: amizade A cor da tristeza é a dor A cor do arco-íris: Amor. Alyne Costa Salvador, janeiro de 2005 Para Gabriel, o poeta tímido (Barralino)

Ritos

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Corpus Christi-Farmácia de Dona (Igaporã-Ba) Teço tranças e rasgo fios Vejo luas e rabisco navios Febres Odores Calafrios E se me calo, verbos flutuam No parapeito do que hei de ser Pertenço a qualquer lugar que me comporte Minh`alma é crespa Cultuo vendavais de toda sorte Tensa Suturo incertezas de um destino que rompe tardes Arde Atritos sobre o magma adormecido de um vulcão Vertente Poesia é o meu espelho oculto em erupção. Alyne Costa Salvador, setembro de 2004

Uma Pequena Flor

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Hoje eu cometi uma pequena loucura... Minhas finanças não estão 100% em ordem e eu fiz uma loucura, eu me dei um presente. Na verdade, minhas finanças dificilmente um dia vão estar em ordem, porque se algum dia eu ganhar muito, eu vou gastar muito, eu vou fazer caridade, eu vou dar presentes para pessoas que não costumam receber presentes. Eu vou me proporcionar um prazer de convidar a um restaurante muito bom uma celebridade da mendicância como o Roberto Bittencourt*. Hoje já é um sucesso eu conseguir pagar minhas contas em dia. E não que fazer isto me torne mais digna que aqueles que não conseguem o mesmo, mas porque dever é uma coisa que simplesmente me angustia... Mas sempre vi o dinheiro como algo flutuável... Não sei como, mas ele sempre aparece. Não suporto economizar, guardar, juntar, acho um verdadeiro pé no saco aplicações econômicas. Tudo bem que eu nunca tive dinheiro para aplicar, mas acho um porre aquele bando d elouco que trabalham nas bolsas. Meu Deus, aquilo é uma verd...

Oratório

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Agradeço a Deus as tantas coisas boas... As mágoas que não ficam. Os dons da imaginação. Os versos que frutificam... As cismas que assustam e, assim, fortalecem-me. Agradeço ora com rezas decoradas. Ora com histórias inventadas. Com risos soltos a vapor. Agradeço pelos que foram pelo vão das portas abertas. Os que chegaram em horas incertas. E os poucos que permanecem. Assim, agradeço de cócoras sonhando fumar cachimbo. Velando o sonho do menino que cresce, sem fazer caso algum das rugas que aparecem. Que o tempo é mago e dá seu valor. Nas dobras da alma que já não se ilude mais. Que minimiza exigências e valoriza a paz. Agradeço os poemas de Bandeira. Ê Deus que tem tanta forma de falar. Agradeço pelos que criam e lavam em fontes uma esperança que parece adormecer. E Fé eu tenho muita. Daquelas de ir à missa, rezar o santo ofício de joelho e temer as previsões do apocalipse. Fé enorme na alfabetização, de criança e idoso. Ê mundo novo que surge quando alguém aprende a ler. Agradeço as...
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"Na verdade, aqueles entardeceres com rum e luz dourada e poemas duros ou melancólicos e cartas aos amigos distantes me faziam ganhar confiança em mim mesmo. Se você tem idéias próprias – mesmo que sejam só umas poucas idéias próprias –, tem de compreender que estará sempre encontrando caras feias, gente que vai fazer questão de lhe dar o contra, de diminuí-lo, de “fazer você entender” que não tem nada pra dizer, ou que você deve evitar aquele sujeito porque é louco, ou efeminado, ou um verme, um vagabundo, outro porque é punheteiro ou voyeur, outro porque é ladrão, outro, macumbeiro, espírita, maconheiro, outra porque é canalha, indecente, puta, sapatona, mal-educada. Eles reduzem o mundo a umas poucas pessoas híbridas, monótonas, aborrecidas e “perfeitas”. E assim querem transformar você num excluído de merda. Jogam você de cabeça na seita particular deles para ignorar e suprimir todos os outros. E lhe dizem:“A vida é assim, meu senhor, um processo de seleção e descarte. Nós som...

Pedra

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Carlos Drummond de Andrade Como num silêncio profundo a poesia sumiu dos meus olhos. Apareceu em meu sonho como estandarte. Penso em ti, poeta, quando os seus versos sumiam e cochilavam em sua alma. E, assim, essa poesia muda grita em mim. Debruçada no infinito, ela é soberana. Sua vigília entoa ladainhas, mas não me traz a alegria dos salmos. Essa poesia, Carlos, é a voz dos anjos sussurrando a inquietude de todos os poetas. Quando ela corrói as entranhas, envolve o poeta e este não a consegue traduzir no papel. Resta essa tristeza imensa em não traduzir. Florbela, Adélia, Cecília, Clarice, Cora Coralina, Ana C. Umas, assim. Outras assado:Rosa, Olga, Pagu, Simone, Zuzu Angel. Quando a poesia se faz fêmea e num mesmo peito se acasalam a condição de poeta e a de mulher. Peço-te licença... Não consegui ser gauche. Só vejo uma pedra. Alyne Costa Brumado, 8 de setembro de 2007

Vendaval

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Meninas do Paquistão Cores estranhas num telefonema. O sabor amargo na alma que chora. O sabor do medo que no sonho queima... Cores da vida em amarelo gema. O sonho que chega a cada nova aurora. O sonho da seção da tarde ser cinema... A doçura de um filme de Carlitos. O aroma de versos soltos num varal. A dor abortada em infinitos gritos. A infância renascida em fruta de quintal. A solidão que aprende novos ritos. A esperança dança em voltas num pombal. A resignada obediência a mitos. A sábia serenidade abranda o vendaval. Alyne Costa Brumado, 06 de setembro de 2007

Quando resta o nada... Que Clarice fale por mim aos que insistem em não ouvir...

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Quando me restar o nada... Quando tiver a certeza de nada ter... Quando ninguém mais inspirar confiança... Que me leiloem as pobres vestes! Eu nada tenho que pese em suas balanças! Sou poeta e fundo reinos. Meu erário não se mesura. Que exponham meu nome em seus diários. A minha poesia é intangível! Alyne Costa, Brumado 2 de setembro de 2007 Clarice: Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde,entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falarcom este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me se...

O Filho-Poema Meu

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Meu filho me furta a máquina fotográfica digital... Estréia um reino novo entre a distância que abre foço entre nós. Deita comigo sob a colcha de retalhos para eu não dizer mais que não tenho marido. Aprendeu a madrugar. A ter mais delícia em voltar pra casa do que ir à aula. Me acorda de noite com pés gelados, ri alto e acorda a vizinha. De vez em quando coloca meia nos pés para surpreender... Volta na hora certa para não me preocupar e aprendeu a fazer poemas. Meu filho cresce fazendo apostas com minha tristeza. Reclama, birra, faz greve. Brinca de ser meu dono. E eu me vejo cheia de um amor novo. Um amor tão moderno que nem cabe nas minhas velhas lições do improviso. Alyne Costa Brumado, 18 de agosto de 2007

O Poema-Pai do Meu

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Agosto em mim, nubladas paixões E veias rompem, vasos dilatam Sobre a lápide, a lembrança do menino-tenente Na estante os olhos da lucidez me fitam. Cercado de púrpuras rosas. Os olhos do poeta resuscitam. Do poeta de tanto ver E, ainda, sem sombras, sem foco de dor, seus olhos me fitam a lançar-me lembranças: Das ondas de arco-íris. Do olhar de Célia. Do tempo em que lhe sobraram apenas seus dois olhos e seu eu. Cada um ao fundo do que pertencia. O poeta cantador e violeiro. Antecipador da razão. Que rezava em fina maestria ter sido o findar da inocência a falência do seu querer. Foram teus os versos-pai dos meus. Como a minha angústia também procria. E neste bailado da saudade que me invade. Não brilham apenas os olhos-luz de Célia. Brilha tua luz, ampulheta de minha alegria. Brilha sua nudez pela Avenida. Brilha teu cobre doado pela garrafa de café. Brilha tua nobre inversão de valores. A tua prodigalidade matriz da minha. A tua doação, suas lágrimas repletas de verdade. O seu poema...
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Por Acaso, o Ocaso A tarde que cai tem, assim, uma cor de incerteza. Uma chuva de dúvidas desaba e o coração da gente fica quietinho como se houvesse um espinho ou um caquinho de vidro moendo por dentro. Dá vontade de ouvir canto de lavadeira voltando da bica. Trouxa alva na cabeça, no bolso um pedacinho de anil e na alma uma amendoeira frondosa que faz sombra sobre suas dores. O menino sobe as escadas e acorda a mãe do devaneio num grito: “- Mãe! Ô, mãe, vem ver Deus!” “- Que Deus, menino?” “- Deus, nosso Deus...” Os olhos da mãe espreitam para ver melhor o sol a se deitar em róseos tons. O horizonte não tem mar. Ao longe um morro que não sabe o nome. Batiza de “Morro de Nosso Deus”. E o morro, o sol, o horizonte, a cor do rosa que reveste o céu são inundados dos sonhos de mãe e filho. Na caatinga é assim. Cor-de-rosa é a cor do sol se pondo. Como se jatos de esperança varressem com anjos as dores que só se sabe de ouvir falar. A caatinga não sai no jornal da capital. A flor da caatin...

São Joaquim de Todos os Santos

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Foto retirada do site: marcelokatsuki.folha.blog.uol.com.br/arch2006... São joaquim, feira de todos os santos De tantas Marias com seus balaios De tantos Josés com seus temperos verdes, azuis e violetas De tantos pais e filhos de santos com seus incensos, folhas e fés São Joaquim, feira de todos os santos Retrato vivo da história dos escambos De onde de cara recanto emanam produtos e profusões Não é feira, é procissão E seus fiéis, devotos fregueses, buscam em ti, além das belas e frescas frutas, os ramalhetes que oferecem a sua imagem viva. Seus fiéis, devotos fregueses, buscam em ti a herança recôndita de um tempo em que comprar era o olho no olho da tradição. Feira de hábitos dos nossos antepassados Feira livre da invasã dos outdoors Feira livre das barras de indicação Feira de São Joaquim da Bahia, eternamente livre de qualquer transplantação. Laboratório alquímico dos que ali compram, vendem, pexinxam, passam os olhos e apenas vêem. Feira dos inesquecíveis pregões Feira dos violei...

A Menina e a Tesourinha

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Gravura retirada do site: http://www.tkoisas.com.br/ca_49_60_bonecas_papel.htm A menina e a tesourinha Havia um tempo em que menina brincava de costureira com bonequinhas de papel. Eram vendidas em cartelas. Recortava-se as bonecas com suas cabeças enormes e suas roupinhas. E elas tornavam-se enfermeiras, colegiais, personagens de contos de fadas. E assim, estilista mirim de sonho e alegria, a imaginação ganhava mundo. Era uma época também de reunir os retalhos de minha avó e preparar as roupinhas da Suzi de cabelo cortado por um mão nada destra. E, assim, naquele zigzag de uma máquina de sonhos, os recortes de tecido ganhavam vida e a tesoura deslizando nos tecidos e papéis, cortavam a inquietação que cresceria com a menina até chegar-lhe a ciência de que tentações lhe traziam a arte. Bonecas poderiam ser de plástico ou uma soberba Barbie em seu salão de beleza. Todas de igual valor. E a menina ia tecendo seus sonhos, costurando afetos e aparando dúvidas. Anos depois outros recortes s...

Até os "camelos" precisam de água....

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By Rodrigo Amarante O Los Hermanos anunciou um período de trégua. Ou seja, um período de relax. Alguns alardeiam a separação do grupo. Rumores... Inicialmente devo aqui lembrar que nenhuma união é indissolúvel. Convivência é isso mesmo, nos suportamos uns aos outros até determinado tempo ou limite e isto não significa necessariamente desavença, falta de amor ou afeto. As vezes a separação surge para que os sentimentos sobrevivam. Quem esteve cara a cara com o diabo que habita a alma do irmão que o diga. Os mais doces bárbaros seguiram suas respectivas vidas e a relação permaneceu mais doce que bárbara, pelo menos ao que vemos e eles não precisam dissimular. Ninguém é obrigado a conviver ao limite da saturação. Relações saturadas são como aquelas coisinhas sem razão que colocamos no carrinho do supermecado. Gente não é chiclete, nem aparelho de barbear em promoção. Gente tem sabor sim, mas tem alma, mania, vício, neurose, nóias mis e vontades nem sempre convergentes. Se a relação já de...

Em Meu Coração

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Van Gogh Em meu coração sangue, em meu coração luas bebadas tropeçam e cactos loucos em fugas cantam jardins distantes. Em meu coração, a flor chora em pedaços e lagrimas pretas desfloram virgens. Em meu coração teima a escuridão dos olhos teus e o amor arde em eternas labaredas. ronaldo braga *Poemas e textos maravilhosos de Ronaldo Braga podem ser encontrados em http://ronaldobragas.blogspot.com/

Sobrancelhas

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Estava aqui a pensar sobre quem faz as sobrancelhas. De fato ia começar o texto sobre mulheres que fazem as sobrancelhas... Mas aí acordei e lembrei de alguns amigos que fazem sobrancelhas e outros que indo mais além, se depilam: tórax, pernas, barriga... Mas meu tema é feminino... Minha tia acha lindo mulheres de sobrancelhas grossas, são exóticas, diferentes e extraordinárias. O cantor do trio grita:Quebra, ordinária! É preciso ter sobrancelha feita pra quebrar. Mulher de sobrancelha grossa não quebra, no máximo perde lentes de contato. Imediato? Eu era adolescente e minha mãe arrependida por ser uma escrava da pinça sempre dizia: “-Nunca faça a sua sobrancelha, ela é linda!” Um dia eu fiz... E não me tornei escrava. O rosto fica mais sociável com ela depilada, trabalhada à pinça, mas não muda nada na alma da gente. Já mãe perguntei:Eu fico mais putona? Ele repara mesmo? Devo confessar... Até agüento uma hora de salão pra fazer uma escova, por ossos do ofício. Mas por macho não! Eu p...

Dodói

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Camila by Alyne Costa, junho de 2006 Onte eu vi maria no seu jardim Tá cuiendo flor prá jogar ni mim Bem que eu tô sabendo que ocê é meu Tá cuiendo flor pra jogar ni eu To doidim mode ela, ela doidim mode eu Tá cuiendo flor pra jogar ni eu Ei flor, cadê o cheiro que você prometeu Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu Ei flor, será que não se lembra mais deu Ei flor, daquele cravo dijuntim seu Amor, nosso brinquedo no pé de juá Ei flor, não esconda vê se vem me dá Amor, será que ocê se esqueceu de mim Não acredito no que vejo Pois sei que o seu desejo Era me amar até o fim Amor, será que bicho foi que te mordeu Ei flor, será que foi que se assucedeu Amor, não lembra mais do seu dodói Eu era o lírio dos teus olhos Nóis banhava no riacho Diacho valha-me deus Ei flor, cadê o cheiro que você prometeu Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu Ei flor, será que não se lembra mais deu Ei flor, daquele cravo dijuntim seu Juraildes da Cruz

Farol

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Farol Clara... Feito sol na cara. Filtro... De qualquer abismo. Sentinela... Olhos à vida! Rumo... Traçados moldados à carinho. Vinho... Raro. Flor... Exposta a flutuar. Entre o cais e a Beiramar. Broto... Nascido na ribanceira. Queda de barranco, sem riscos. Sem sentimentos omissos. Pluma que flutua entre o que foi e o que podia ser. Doce... Sabor de fruta derradeira. Sol de Humaitá, sorvete da Ribeira. Vento... Que oscila. Lua... Que paira sobre os receios. Dos amores guardados. Dos sonhos divididos. Dos medos reprimidos. E baila soberana feito atriz. E rodopia nos tapetes da amizade. Eterno colo dos que a buscam... Coberta com véu pelos que não compreendem. Feroz pelos que a surpreendem. Feita de lutas, labutas... Mas sempre com asas. Pode voar. Mas sempre com amor. Pode sonhar. Mas sempre com quereres. Sabe amar. Luz de além mar! Brumado 11 de abril de 2007 Para Raquel Florence

O Girassol e a Pena de Talião

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Conheci Rubem Alves (a obra e não o autor) em 1997, através de um cartão de boas-festas de um político. A linguagem de Rubem Alves me toca profundamente pela valorização do simples e por suas referências: políticos e jardineiros, dentre outras. Me identifico também com a valorização de seu passado, isso me leva de volta aos seis anos de idade, quando acordava e ia com meu avô ao curral beber espuma de leite, tirada da hora das tetas das vacas. Você pode completar 60, 88, 106 anos, mas sua infância permanece... É esse lado infantil que, de repente faz reinar o inusitado. Quando falamos coisas fora de hora, rimos do que não devemos e, não raro, nos deparamos com os momentos mais salutares de nossa existência. Criança é arteira. E quando nos deparamos com problemas aparentemente sem solução, quando crises nos abalam e quase que na marra amadurecemos, emerge não sei de onde uma criança e sobrevoamos a dor. E muito comum é olharmos para trás e rirmos deliciosamente daquilo que um dia foi um...

Coração Forasteiro

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Foto retirada do site: http://www.paginadogaucho.com.br/hist/sulr-05.jpg Homenagem a meu bisavô, tropeiro, Américo Lopes Meu coração forasteiro apenas olha as estrelas do céu São belas e pertencem a todos A chuva que cai Lavando a alma Pertence a todos O canto dos violeiros Pertence a todos A esperança Pertence a todos Meu coração, acabrunhado, chora... Eu e meus exílios. Minhas fugas e buscas.... Um dia irei a Pernambuco, Aquele cantado por Miguel Carneiro. Um dia serei Romeira e darei graças em Aparecida. Por um milagre. Por minha Fé. Pelo Meu Coração. Mas meu coração forasteiro só pede uma rede pra dormir. Cinco minutos em frente ao mar. Que viver requer paisagem. Abraço. Aperto de mão. Vida, minha vida... Aonde vais me levar? Se cega, apenas tropeço e perdi os rumos de mim? Estas ondas que escorrem de meus olhos e salgam minha boca. São ondas da solidão que escolhi. De um sonho perdido. Um coração partido. Seu moço violeiro, canta pra me levar ao jardim do paraíso. Canta, que urge...

A Mulher de Roxo

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Foto retirada do site: http://flame.blogs.sapo.pt/arquivo/P1050119-2.jpg Não achei nenhuma foto da Mulher de Roxo. Pesquisem.... Nossas lendaS são esferas de nossa vida. Oswaldo Montenegro já cantou outra abordagem da solidão... Eu que já fui só em meio a uma multidão, hoje procuro compreendê-la e dou mil vivas a Bill Gates. E assim, deletos alguns "amigos" e "adiciono" outros. Vida é reciclagem. E no meio do barulhinho da TVE, até agora a única coisa que estou vendo prestar, fico imaginando a solidão dos que aprenderam a desligarem seus celulares, julgando eterno seu poder, risos... Pobres mortais, nem de longe tangeciam a beleza da solidão da Mulher de Roxo. Aquela que eu tantas vezes vi, menina, pertinho da Slopper, na Rua Chile, aquela solidão mágica, impenetrável... Quase aristocrática. Aquilo é que era chique e que a ela se rendam as garotas Dancin days dos anos 70.... Aquilo é que era poder! Agora deixar um celular na caixa, trocar um chip? Isso não é poder,...

A Menina e o Manacá

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Lembro do portãozinho dos fundos e do pé de Manacá que me fazia sombra e me cobria de flor.Ficava quase em frente ao portãozinho. E eu sentada no reinado dos meus cinco anos tirava as botas e ali ficava, à sombra do Manacá, domando formigas e rolando com a cachorrada. Era muito cachorro solto no quintal. Uns quinze. Bob e Dinga, os preferidos, parceiros e travávamos diálogos e estratégias para abrir o portãozinho e ganhar mundo da rua. Era uma casa estranha com dois velhos com as feições de tristeza. A velhinha fazia farofa de couve, mas me sentava em frente à tv para ver Tom e Jerry. O velhinho comia banana amassada com um pouco de farinha, como sobremesa. E me dava goiabas. Ia à missa todos os dias cedinho pela manhã e tinha uma cara de medo. Não era um medo qualquer era um medo resignado. Um dia levaram a velhinha. Tempos depois o velhinho fugiu. E a casa ficou só. Depois foi divida ao meio: um filho de cada lado. Como se a loucura admitisse cercas. Eu não sabia que morreria o manac...

Eterno Menino

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Meninos Soltando Papagaio - Portinari, 1947 Surge um canto novo De todo terreiro um menino Um pandeiro... Um novo som sem luz néon Menino tocador de reis Menino tocador de boi Menino tocador de flauta Menino batedor de lata Já foi cantada sua majestade Hoje canto o infinito do seu sonho E o menino abóia O menino bóia na borda do sonho Veleja oceanos em barcos de papéis Meninos profetas e menestréis Atravessas os ares com asas de papagaio Voa, voa, voa, num céu infinito Rala a perna, dá um grito Puxa cabelo da colega de sala Pirraça, pirraça e acha graça Marcha, soldado, de papel o chapéu Solta bombinha, anarquiza a quadrilha Ri de tudo que não pode rir Faz xixi no chafariz Menino é assim... E não cresce nunca. Menino é eterno. Estudou tabuada. Arrumou namorada. Prestou vestibular. Endotorou... Mas o menino vingou. Na alma. Na essência. No deleite da irreverência. Todo menino é o poeta que dorme... No tapete da sala do homem de contas. Todo menino é o que tem vergonha, se assombra na e...

Por Onde Andei

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Pocilga - Alyne Costa, 2002, Acrílica sobre Canson “Se você me perguntar por onde andei, no tempo em que você sonhava...” Belchior tem uma música que começa assim. Naquele tempo ainda se usava perguntar por onde anda alguém. Chegou-se um tempo em que assombrosamente nos acostumamos com as ausências, talvez até com o terror, o sinistro, a violência. Parece terrível, mas estamos acostumados. E não raras vezes achamos engraçado o injusto, o desumano, o frio. É preferível rir, eu sei, é mais leve. Mas talvez não seja caso para chorar. É caso para que esta espécie da qual faço parte não se acostume. Os mais sensíveis preferem não ler os jornais. Os menos ficam ávidos por notícias sanguinárias. E crimes, terrores, traições são temas repletos de sentidos. Quase ninguém fala do amor. Outros optam por se trancafiar no medo. Ele não resolve, paralisa, gela e é apenas um atalho. Quase não abrimos as janelas de casa e a de nossas almas. Desabar é risco de parecer dependente. Precisamos passar a im...